A globeleza e a representação da mulher negra brasileira

Nayara Justino

Por Mirt’s Sants*, no blog Negro Belchior

Nayara Justino, é uma belíssima mulher de 25 anos, modelo, moradora de Volta Redonda (RJ), e que no final de 2013 conquistou o título de Musa Globeleza do Carnaval de 2014, num concurso promovido pelo Fantástico, “teoricamente” eleita pelo público.

Mas, que mal há nisso?

Por enquanto, nenhum! Vindo de uma jovem negra, que veio da periferia, que tem o samba como cultura na “ponta do pé”, mas por outro lado, apenas se vê representada na mídia brasileira como “escrava da casa grande” e, já no mundo do Samba como “mulatas” do carnaval, ou seja, nas chamadas “áreas moles”. Áreas moles? Sim! Áreas ou espaços nos quais ser negro não é impeditivo e pode até ser uma prerrogativa facilitadora para o acesso e para o status e prestígio social, como ser: empregada doméstica, gari, passista de escola de samba, jogador de futebol, dentre outras funções já conhecidas por todos nós, essas quando ocupadas pelo negro não causa temor ou disputa, mesmo considerando que em tais espaços o negro também pode sofrer racismo.

Mas, esta jovem mulher, Nayara Justino, está sendo vítima de um racismo cruel, silencioso e estruturado que é o Racismo Institucional, que se constitui no sistema público ou privado se articulando para negar e/ou limitar a presença e a existência de certo grupo ou pessoa devido as suas características físicas, étnicas ou culturais. No caso da mídia, o racismo surgi no plano institucional e se reflete também no público.

Como musa do carnaval 2014, sua imagem deveria ser amplamente divulgada na programação do carnaval da Rede Globo, no entanto, foi reduzida, sendo quase omitida sua performance na vinheta entre os intervalos da programação.  A concorrente R7 falou de “rejeição do público” e, por isso, a Rede Globo estaria “escondendo” a moça, proibindo-a de dar entrevistas.

Antes de fazer qualquer juízo de valor quanto à veracidade da notícia, questionei a própria Nayara Justino numa mensagem privada, em sua página do facebook, se a referida matéria havia fundamento. Ela me respondeu apenas que “Não, Não é verdade”. A partir disso, compreendi que a matéria tinha certo fundamento, mas que também alguém pedia socorro dizendo: parem com isso!!! Não quero falar disso!!! Não posso!!! Estou feliz aqui neste lugar que me permitiram estar.

(Foto compartilhada por Nayara Justino em seu Facebook)
(Foto compartilhada por Nayara Justino em seu Facebook)
Neste contexto que percebo, como mulher negra, o mal que há em ser Globeleza nessas condições. Bem, uma das grandes lutas da mulher negra brasileira é a desvinculação de sua imagem a objeto sexual, a mercadoria mais barata do mercado, do domínio e exploração machista e do turismo sexual, cada vez mais vendido pela mídia brasileira ao exterior para “gringo ver”. Por isso, reafirmo que “a Globeleza da forma pela qual é reproduzida, não nos representa!” como mulheres negras, pois este lugar “permitido” não é o unicamente exclusivo na mídia e na sociedade que queremos estar. Não é o espaço o qual queremos ocupar, não é a forma a qual queremos ser representadas e que será representação para nossas filhas e netas.

Queremos estar nas “áreas duras”, espaços sociais que ainda aos negros não é “permitido” estar, ou onde poucos estão representados e quando estão incomodam e desestabilizam o local social produzido para nós, como nas universidades, nos cargos dos serviços públicos, na política, nos espaços de poder, na gestão. Por exemplo, na gestão do nosso próprio lar, onde muitas vezes somos confundidas por “empregadas”, com todo respeito que tenho por esta classe trabalhadora, sendo “obrigadas” a chamar a “patroa” já que não teríamos condições de ter um apartamento ou uma casa própria? Queremos ser representadas na mídia com papéis que nos respeitem como mulheres, que seja preservada nossa dignidade, e não por estereótipos degradantes, como a que vimos na nova novela da Rede Globo intitulada “Família”, onde o único papel “permitido” a mulher negra, com destaque da novela, é de uma vítima de estupro coletivo. Papeis como este, reforçam as práticas machistas, racistas e discriminatórias contra a mulher e contra a população negra neste país.

Porém, ressalto aqui companheir@s, que apesar de também não me agradar em nada a ideia de ser representada por corpos nus numa mídia que nos usa como mercadorias ao seu modo, devemos defender esta jovem mulher negra e linda sim! desta onda de racismo ao qual está passando, pois ela também é um sujeito social que lhe foi negado as condições para sua sobrevivência, a mesma que clama a maioria de nosso povo, parecendo um “beco sem saída”. E ainda que ela pense estar vivendo “o melhor momento de sua carreira”, ela está numa carreira artística que a permite estar nua no palco ou na tela, e portanto, ela precisa de todo nosso apoio já que é este o lugar que ela escolheu estar.

Recentemente, ainda no mês de fevereiro, a sociedade brasileira combateu veemente e com rigor o racismo explícito sofrido pelo jogador de futebol Tinga, no Peru, e contra o “engano” da prisão do jovem ator Vinícius Romão, um “elemento suspeito padrão” do sistema carcerário brasileiro. Mas, esta mesma sociedade, diariamente, reproduz inúmeras formas de discriminações e preconceitos de toda natureza, seja através do racismo, homofobia, xenofonia, sexismo, ableísmo… Assim, como a cultura do opressor sobre o oprimido.

Até quando seremos “cúmplices” desta sociedade racista? Até quando permitiremos/aceitaremos ou colaboraremos com a ocorrência de tais práticas de racismo? Até quando deixaremos de nos manifestar contra o racismo velado, temendo que ele se torne explícito e público?

O Racismo no Brasil existe! É real, está aí, é construído e reproduzido pela sociedade e sempre será alimentado se esta mesma sociedade não repudiar as práticas racistas no seu dia a dia. A responsabilidade de extirpá-lo de nosso meio é de toda a sociedade e não só da população negra. E a nós, que sentimos o racismo na pele diariamente, cabe-nos não fraquejar, não sofrer sozinho, mais sim “partir para cima” do racismo e denunciar os racistas, assim como fez a jovem mãe Thayná Trindade, que denunciou funcionários do Ponto Frio no Rio de Janeiro na semana passada.

Os casos e comentários racistas acerca desta e de outras matérias já estão “bombando” na rede, companheir@s, e é neste momento que devemos nos unir para combater as reiteradas práticas do Crime de Racismo e dos racistas de plantão, seja em qualquer esfera da administração pública, privada ou no particular.

Racismo é crime

Por fim, me dirijo a todos aqueles que desejam construir uma sociedade mais justa e igualitária para tod@s, contribuindo na luta anti-racista, para informar sobre as  formas de denúncias do Crime de Racismo, que podem ser feitas pessoalmente numa delegacia mais próxima (leve uma testemunha), ou procurando a Promotoria de Justiça do MP ou MPF da sua cidade/estado.

MPF: http://cidadao.mpf.mp.br/formularios/formularios/formulario-eletronico,

Já os crimes cometidos pela internet a denúncia pode ser feita pela própria internet no site da Polícia Federal: http://denuncia.pf.gov.br/ ou do Safernet Brasil:http://www.safernet.org.br/site/denunciar.

Quando a denúncia não envolve sites, o usuário é orientado a ligar para o Disque Denúncia da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (100) ou enviar um e-mail para [email protected].

#RepudiemOracismoNoBrasil, #PorUmBrasilSemRacismo, #RacistasNãoPassarão, #RacismoéCrime, #RacismoMata, #LutemContraoRacismoNegrada!!!

*Mirt’s Sants integra o Coletivo Negrada.

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