Racismo na Alemanha

85D058AE9816F828DB0840CE51F28BC0FBFC58A3B0CEF78CAFF0EB3515EABCDFA polêmica surgiu pelos traços, sem dúvidas exagerados, que caracterizam o personagem: nariz aquilino, queixo proeminente, rosto demarcado por costeletas

Rosalía Sánchez, El Mundo, Espanha – Carta Maior

Os judeus ricos que querem dominar o mundo constituem uma ameaça. Este axioma foi usado por Hitler e continua até hoje despertando suspicácias preocupantes. O jornal alemão Süddeutsche Zeitung, por ocasião da compra do WhatsApp pelo Facebook, publicou uma tira em que um polvo com a cara do multimilionário proprietário da empresa compradora, Mark Zuckerberg, estende seus numerosos tentáculos até entrar em todos os computadores e telefones celulares que o cercam. A polêmica surgiu pelos traços, sem dúvidas exagerados, que caracterizam o personagem: nariz aquilino, queixo proeminente, rosto demarcado por costeletas Até o diretor do Centro Simon  Wiesenthal, em Jerusalém, Efraim Zuroff, se indignou e afirmou que “essa caricatura, sem dúvidas, cheira a antissemitismo… Está claro que o desenhista queria destacar que Zuckerberg é judeu”, baseando-se em na relação visual da propaganda nazista antissemita de 1938.

Chamar de antissemita um jornal como o Süddeutsche Zeitung é, seguramente, ir além da realidade. Prova disso é que os responsáveis pediram desculpas no Twitter e retiraram a caricatura tão logo surgiram as primeiras reclamações, mas não sem alguma estranheza. O caricaturista Burkhard Mohr se disse “sensibilizado” e emitiu um comunicado em que esclarece que “o antissemitismo e o racismo são ideologias completamente alheias a mim. Por isso me incomoda que minhas caricaturas sejam interpretadas neste sentido”. No entanto, não seria exagerado constatar que este incidente não é isolado. Na Alemanha, são registrados anualmente 16 mil crimes com motivação racista e as autoridades europeias se preocupam com a rapidez com que a sociedade alemã contempla o racismo e a xenofobia em seu seio.

A Alemanha, por exemplo, continua sem ratificar o Protocolo nº 12 da Convenção Europeia para os Direitos Humanos, que estabelece a proibição geral da discriminação. As autoridades alemãs continuam com objeções na hora de deixar de fazer distinções sobre a base da nacionalidade, por exemplo, em relação aos benefícios sociais cuja aplicação é contrária ao Protocolo nº 12.

Motivações racistas não foram inclusas no Código Penal alemão como circunstância agravante de um crime. Duas iniciativas neste sentido foram bloqueadas em 2008 e em 2012 pelo Conselho Federal da Alemanha. E ainda, segundo uma apreciação do Conselho Europeu,  o ódio e a incitação ao ódio desfrutam, na Alemanha, de um “considerável grau de impunidade”, conforme informou a publicação semanal Der Spiegel. Os colégios alemães, adverte um informativo da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância, constituem um alarmante criadouro de ódio baseado na etnia e na orientação sexual, sem que exista uma estratégia federal que esclareça sobre esses assuntos e estipule tolerância.

A Lei de Igualdade no Tratamento (AGG) alemã não menciona explicitamente os critérios de língua e nacionalidade como motivo de discriminação passível de punição, brecha normativa que prejudica muitas crianças espanholas nos colégios alemães, onde são discriminados inclusive por parte dos professores e de outros alunos porque, ainda recém-chegados, não sabem falar alemão corretamente.

Segundo dados do informativo “Jovens na Alemanha como responsável e vítimas da violência”, do Ministério do Interior germânico, um em cada sete adolescente alemães, 14,4%, se consideram “muito racistas diante dos estrangeiros”, e 30% responderam “sim” ao serem questionados se há estrangeiros em excesso no país. Essa pesquisa também mostra que 5% dos 44.600 jovens de quinze anos consultados são membros de algum grupo de extrema direita e que 6.4% dos adolescentes homens têm pontos de vista antissemita.

A maior proporção de neonazistas está no leste da Alemanha, antiga região comunista, onde mais dos 14% dos participantes do estudo tendiam a olhar o Holocausto como um fato “não horrível”, enquanto um número similar acreditava que os judeus, por seu comportamento, não foram totalmente inocentes.

O Conselho europeu advertiu que, na atualidade, o termo racista é interpretado, frequentemente, de maneira muito estreita na legislação alemã. É utilizado somente em relação a grupos organizados, como neonazistas, sem se alertar para sua presença nas relações sociais de maneira geral. É por tudo isso que as autoridades europeias aconselham o governo de Berlim a fazer mais para combater a discriminação contra as minorias e para conseguir que o racismo seja considerado como tal.

Seguramente, a tirinha sobre Zuckerberg mencionada no início deste artigo, que levou judeus de todo o mundo a constatar que o racismo se sobressai hoje na Alemanha, tem menos a ver com o fato de que a Alemanha recebeu com enormes reticências a compra do WhatsApp. Um regulador alemão da privacidade nas comunicações chamou inclusive de boicote, assegurando que a política de privacidade do Facebook e do WhatsApp faz com que os dados dos usuários estejam totalmente protegidos.

Mas há fatos tragicamente palpáveis que obrigam que este país encare o espelho de suas misérias. Atualmente, acontece o julgamento da célula terrorista nazista NSU, que durante dez anos promoveu assassinatos xenófobos impunemente por todo o território alemão sem sequer ser perseguida. Diante de tal evidência, o governo prepara uma reforma legal que endureça as penas contra o racismo mas, até que a mudança não entre em vigor, as vítimas dos atos motivados pelo racismo e pela xenofobia na Alemanha continuam indefensas.

Créditos da foto: Süddeutsche Zeitung

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