Bernardo Mello Franco, Folha de São Paulo
As revelações sobre o desaparecimento do deputado Rubens Paiva, em 21 de janeiro de 1971, praticamente encerram um capítulo sombrio da história brasileira. Quarenta e três anos depois, surgiram os rostos e nomes de, ao menos, dois militares envolvidos na morte do político, barbaramente torturado em quartéis da Aeronáutica e do Exército no Rio.
Agora, a Comissão Nacional da Verdade terá nove meses e meio para responder uma pergunta: onde estão os restos mortais de Paiva? Descobrir o que fizeram com o corpo é o último desafio de uma longa saga, iniciada ainda na ditadura, para apurar o que os militares fizeram com o deputado.
A família ainda esperava revê-lo quando surgiram as primeiras suspeitas de que ele havia sido morto sob tortura na sede do DOI-Codi, na Tijuca, zona norte do Rio. Dias após a prisão, o Exército disse que Paiva – que sequer tinha ligações com a luta armada – teria sido resgatado por guerrilheiros em tiroteio contra agentes do regime. Apesar de inverossímil, a cena de bangue-bangue ainda é sustentada como a versão oficial das Forças Armadas.
Com o tempo, a família se convenceu de que Paiva havia morrido, mas a sociedade precisou esperar sete anos pelo fim da censura – foi só em 1978 que o “Jornal do Brasil” afirmou, em reportagem histórica, que o deputado tinha sido morto no DOI-Codi. Sete anos depois, o procurador Paulo César de Siqueira Castro acusou cinco agentes da repressão de participar do crime. A Justiça Militar travou a investigação, e ninguém chegou a ser julgado.
O primeiro depoimento de um militar sobre o caso só surgiu em 1986, quando o médico Amílcar Lobo contou ter examinado o político quando ele agonizava no quartel após a tortura e murmurou o próprio nome duas vezes.
Em outubro de 1988, o martírio do deputado foi lembrado na sessão que promulgou a Constituição. “A sociedade foi Rubens Paiva, e não os facínoras que o mataram”, disse o deputado Ulysses Guimarães, desafiando os ministros militares no plenário.
Apesar das homenagens, o Estado continuou tratando o deputado como fugitivo até 1995, quando o governo Fernando Henrique Cardoso reconheceu as mortes nos porões. No ano seguinte, a viúva Eunice Paiva conseguiu a certidão de óbito do marido.
A criação da Comissão Nacional da Verdade, em 2012, abriu caminho para o surgimento de novidades sobre o caso. Em novembro passado, o coronel Raymundo Ronaldo Campos admitiu à comissão estadual do Rio que participou da farsa para simular que o parlamentar tinha fugido.
Assassinato
Na última quinta-feira, o grupo vinculado ao governo federal apontou o general reformado José Antonio Nogueira Belham e o então tenente Antonio Fernando Hughes de Carvalho como participantes do assassinato do deputado.
Um militar disse ter visto um homem com as características de Hughes pressionando Paiva contra a parede da sala de interrogatório, quando o deputado já apresentava ferimentos graves.
Hughes morreu em 2005. Belham está vivo, com 80 anos, e alega à comissão que estava fora do DOI-Codi quando o deputado foi preso. A investigação localizou ao menos três documentos que indicam o contrário, além de depoimentos de oficiais reformados. Os papéis devem levar o Ministério Público Federal a pedir a abertura de uma ação contra o general.
“Do ponto de vista histórico, o que resta de importante agora é descobrir o paradeiro dos restos mortais de Rubens Paiva”, afirma o coordenador da Comissão da Verdade, Pedro Dallari.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.