A ativista Medha Patkar, o movimento ambientalista e o novo partido AAP

A ambientalista Medha Patkar durante protesto em fevereiro deste ano
A ambientalista Medha Patkar durante protesto em fevereiro deste ano

O economista ecológico Joan Martinez Alier, da Universidade Autônoma de Barcelona, analisa mudança no cenário político na Índia com o lançamento da candidatura da ambientalista

Por Joan Martinez-Alier*, no Blog do Felipe Milanez

Um símbolo do ativismo social e ecológico na Índia é Medha Patkar, uma mulher de 60 anos se tornou conhecida pela luta contra represas do rio Normada, movimento chamado Bachao Andolan (o movimento para salvar o rio), como objetivo de impedir o deslocamento de milhares de indígenas ribeirinhos, lutando pelos direitos humanos e, ao mesmo tempo, pela natureza.

Nascida em Mumbai, estudou ciências e fez mestrado em serviço social. Logo abandonou a academia e renunciou a uma vida burguesa para se dedicar a apoiar os milhares de movimentos de base na Índia, viajando incansavelmente, participando ações diretas, coletivas de imprensa, greve de fome. É respeitada e até venerada por ativistas sociais e ambientais em seu país, em razão de sua trajetória de luta e também pela sua idade. Ela ganhou reconhecimento internacional com a participação na Comissão Mundial de Barragens, cujo relatório foi publicado no ano 2000. Recebeu os prêmios Goldman e Right Livelihood. Internamente, na Índia, o seu reconhecimento também não parou de crescer.

Em 2007, durante a luta de agricultores familiares contra a grilagem de terras no Oeste de Bengala (Nandigram e Singur), o líder do partido comunista da Índia, Prakash Karat, que não gosta de ambientalistas, classificou Medha como integrante de grupos monotemáticos de ação, aqueles que são anti-nuclear, anti-transgênicos, e como uma “Narodnik atrasada” e populista.  Ele pensou que estes insultos fossem adequados para serem feitos contra uma ativista que se opõe à abertura de novos projetos de mineração, fábricas de automóveis, construção de polos químicos no meio de áreas agrícolas que são densamente habitadas, e usinas nucleares.

Há décadas que a Índia tem sido berço de movimentos sociais de base, de inspiração gandhiana em defesa dos direitos humanos dos excluídos, e também em defesa de um ecologismo dos pobres contra projetos de mineração, hidroelétricas, centrais nucleares e grilagem de terras.

Também tem ocorrido vigorosos protestos contra a corrupção e pelo direito a informação, de onde vem Arvind Keriwal, de 45 anos, que foi presidente do governo regional de Délhi entre janeiro e fevereiro de 2014 (nas eleições regionais), também autor de um livro que se intitula Swaraj, o que significa “democracia e poder local”, título que é idêntico ao de um livro de Gandhi.

Kejriwal se demitiu no dia 15 de fevereiro ao não conseguir aprovar uma nova lei contra a corrupção no parlamento regional de Délhi. No entanto, a conjuntura política na Índia é animadora em razão da força crescente deste novo partido político, o AAP, no qual participam pessoas oriundas dos movimentos sociais.

Um dos porta vozes com mais visibilidade do AAP é o cientista político Yogendra Yadav, de 50 anos, coautor de livros com colegas internacionais como Juan Linz e Alfred Stepan, e é quem se dedica agora ao dia a dia da política e propõe que o AAP se nutra dos movimentos sociais ao mesmo tempo em que contribua com eles.

O apoio de Medha Patkar, e a plataforma de movimentos que ela representa para o AAP, é uma peça fundamental nessa estratégia. Ela deu seu apoio com entusiasmo, mas ao mesmo tempo duvidava se iria mesmo sair candidata ao Parlamento.

Muitas questões surgem nesse processo. Assim como há esperanças que vêem da possível ligação entre um partido e os movimentos sociais.

Sabe-se que um partido político pode absorver um movimento social. Seus integrantes passam a se distanciar das bases sociais, começam a lutar entre si por lugares nas listas de candidatos e, eventualmente, disputar espaço nos ministérios, acabando por se profissionalizar na política. O partido pode engolir os movimentos sociais? Será que seus membros vão entrar na mesma disputa por cargos? Os partidos não são oligárquicos por sua própria natureza?

O AAP quer evitar esse caminho. Porém, em algum lugar já foi possível que o partido político se coloque a serviço dos movimentos sociais sem se aproveitar deles, e sem se impor sobre eles? Os fins podem ser os mesmos, mas os meios são muito diferentes. Amartya Sen demonstrou simpatia pelo AAP, e é possível que a politicas sociais e democráticas contra a pobreza, a partir da visão de Sen, junto da linha do “ecologismo dos pobres”, de Medha Patkar, possam prevalecer no AAP.

Em abril de 2014 haverá eleições gerais na Índia e o AAP espera conseguir cerca de 10% ou 15% dos votos totais. Seu símbolo é a vassoura. Na Índia, a vassoura simboliza a luta anti-corrupção, mas também faz referência ao ofício das castas mais baixas e descriminadas, os Dalits. Essa referência pode soar estranha no Brasil, já que foi o símbolo utilizado por Jânio Quadros. Mas não há que se confundir os contextos, e na Índia a história pode ser diferente.

O AAP nasceu no final de 2012 a partir de um movimento cívico contra a corrupção. Nas eleições regionais de Délhi em dezembro de 2013, que levaram por algumas semanas o AAP ao governo local, um grupo numeroso de Valmiki (Dalits, os “sem casta”) apoiou majoritariamente ao AAP. Mas por outro lado, esse é um partido cujos lideres são ativistas sociais com formação de engenheiros, advogados, e que atrai a classe média urbana por campanhas anti-corrupção.

Em entrevista no final de janeiro de 2014, um jornalista perguntou a Medha Patkar se iria entrar na política. Medha respondeu: “O que você me pergunta é se eu vou deixar o ativismo para a política? De forma alguma, pois os movimentos sociais também são movimentos políticos. A política deveria ser a vontade de melhorar a relação entre governantes e governados, diminuir a distância, ir em direção a uma sociedade igualitária como determina a constituição e as leis. Os movimentos sociais devem continuar, eles já conseguiram muito.”

Mas Medha não pensava que a política de partidos fosse “intocável”. Os atuais partidos eram um desastre, mas o AAP poderia ser diferente. Aguardava-se a sua decisão se entraria no partido e se sairia como candidata. Finalmente, no dia 13 de fevereiro, em Mumbai, Medha Patkar anunciou que será candidata, provavelmente como independente, mas apoiada pelo AAP.

Será que os ambientalistas como Medha Patkar irão consegui trabalhar com a classe empresarial que é contra o “capitalismo de compadres” e a corrupção, mas não contra o capitalismo, e que participam do AAMP? Finalmente, os ambientalistas no AAP, com exposição pública e alguma influência minoritária, vão conseguir impor a linha RED no partido, RED, vermelho, em inglês, significando Radical Ecological Democracy, uma democracia ecológica radical, como propõe Aseem Shrivastava e Asish Kothari no livro Churning the Earth: the making of global India (algo como: “Mexendo na terra: a construção da Índia global”)?

*Economista ecológico catalão, professor da Universidade Autônoma de Barcelona. Autor de “O Ecologismo dos Pobres” (Editora Contexto). Tradução de Felipe Milanez.

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