Paraguai: greve de fome e reforma agrária

Manifestação realizada em Marika Kue um ano depois do massacre, estavam presentes movimentos sociais de todo o Paraguai Foto: Mariana Serafini
Manifestação realizada em Marika Kue um ano depois do massacre, estavam presentes movimentos sociais de todo o Paraguai
Foto: Mariana Serafini

Desde golpe parlamentar de junho de 2012, jovens do país vivem um árduo processo de resistência política pela questão da terra, a integração latino-americana e o socialismo

Por Mariana Serafini, em Vermelho

Não, não é exagero, o processo político que vive o Paraguai, tão negligenciado pela imprensa brasileira, é de uma peculiaridade única e merece nossa atenção por um motivo muito simples, o internacionalismo proletário começa agora.

Desde o Golpe Parlamentar, quando o presidente eleito democraticamente, Fernando Lugo, foi deposto, o país vive uma crise política. As eleições presidenciais realizadas em 2013, onde o presidente Horácio Cartes tomou posse, e o golpe foi legitimado, não aliviaram o lado de quem luta pela soberania da Pátria Guarani.

É importante lembrar porém – porque infelizmente o episódio não ganhou no Brasil a notoriedade que deveria – o que levou o Paraguai a um golpe de Estado. Uma semana antes da deposição do presidente houve um massacre em um assentamento de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra. Conhecido com o Massacre de Curuguaty, o saldo desta triste história são seis campesinos e 11 policiais mortos além de 14 presos políticos, injustamente acusados de crimes que não cometeram.

É nesse ponto que entramos nós, os brasileiros. Nosso apoio é de extrema importância neste momento. Desde o massacre, no dia 15 de junho de 2012, as famílias resistem ao poder dos latifundiários que dominam o país e continuam vivendo às margens de Marina Kue, terreno onde tudo se passou, no município de Curuguaty. As famílias vivem à margem da estrada, em precárias barracas de lona, e constantemente são ameaçadas pelos grandes produtores locais apoiados pela justiça da região.

Desde então também, estão presos os agricultores acusados pelo massacre, porque a versão oficial é que os 300 policiais que invadiram o assentamento, apoiados por um grupo tático de atiradores de elite em helicópteros, sofreram uma emboscada a pau e pedra dos perigosos agricultores e suas famílias. Sim, essa versão foi aceita e vendida com facilidade pelo governo corrupto e pela mídia aliada.

Quanto estive em Marina Kue e conheci a resistência campesina, não tive dúvidas de que os motivos que os leva a continuar ali são mais que dignos, são um exemplo para todo o povo latino-americano. Um camponês me disse que estão lutando pelo socialismo, por mais distante que isso possa parecer. “Nós estamos aqui vivendo com dificuldades, mas a reforma agrária é fundamental para a integração da América Latina, e só assim nós vamos alcançar o socialismo e ter uma pátria grande, mãe de todos os povos”. Nesse dia, o que ele tinha para comer era uma pequena porção de mandioca e macarrão, que tínhamos levado. Não tenho a mínima ideia de como seria o dia seguinte.

Mais tarde, visitei os presos políticos, acusados pela morte dos seis policias durante o massacre. Eles estão atualmente em um presídio na região metropolitana de Assunção, capital do país, cuja realidade é parecidíssima com a do sistema carcerário brasileiro. O prédio suporta o dobro da sua capacidade e as condições de vida são muito além de precárias, desumanas. Não são considerados presos políticos, e sim tratados como assassinos cruéis, que com pedras e foices mataram seis bravos policias (todos mortos com tiros certeiros ou na cabeça, ou com munição capaz de perfurar o colete de proteção). Obviamente os camponeses não tinham recursos para tal feito.

Presos há quase dois anos sem provas, eles ainda não foram a julgamento, e quando isso acontecer certamente serão condenados por um crime que não cometeram. Ao conversar com um dos líderes de Curuguaty, Rubem Vilalba, ele deixou clara a intenção da luta dos campesinos comprometidos com a libertação dos povos do mundo. “Eu provavelmente serei condenado por esse crime que não cometi, mas sei que estou defendendo a liberdade do povo do meu país porque grande parte dos meus heróis passaram boa parde da vida presos, e isso pra mim é uma escola, nós não nos sentimos presos porque lá fora tem gente lutando pelos nossos ideais”.

Isso me acompanha ainda hoje, liberdade é não estar só. Eles estão atrás das grades, mas o sistema corrompido jamais poderá prender os ideais de um povo que luta.

Faz uma semana que esses presos políticos declararam greve de fome. Ou seja, a questão é mais urgente do que parece. Em carta aberta, os presos políticos de Curuguaty declaram que a greve só terminará quando as terras de Marina Kue forem devolvidas ao povo, a quem sempre teve direito. A terra pertence a quem nela produz. Tenho a ousadia de dizer em guarani: “Marina Kue, pueblo mba’e”, que em tradução livre significa Marina Kue pertence ao povo. Isso vai muito além de uma palavra de ordem. Marina Kue pueblo mba’e é a resistência latino-americana, é a busca mais plena pela liberdade dos povos da pátria grande.

Esses agricultores paraguaios que tanto resistem precisam do nosso apoio, o sangue guarani corre nas veias abertas do lado de cá também. Jovens, mulheres, crianças e idosos estão em Curuguaty sendo massacrados pelo latifúndio, enquanto seus familiares estão atrás das grades em greve de fome para exigir um Paraguai digno. Todo apoio neste momento é fundamental porque pressiona o Ministério Público, a Justiça e o Governo Paraguaios. E como disse o bravo Rubem Vilalba, “há lá fora quem lute pelos nossos ideais”. Sim, Rubem, há! E para além da fronteira isso ganha outro peso.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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