Além da Disney clássica: cinco ótimos filmes de animação para crianças sem estereótipos raciais

Os clássicos de Walt Disney. Imagem: reprodução
Os clássicos de Walt Disney. Imagem: reprodução

Muitos dos clássicos da companhia norte-americana contêm imagens ultrapassadas de grupos raciais ou de gênero. Afortunadamente, recentes obras de arte animadas fornecem alternativas sem sacrificar nada no caminho da imaginação

Por Christopher Zumski Finke, na Yes! Magazine/ Revista Fórum
Tradução de Ugo Flores

Nessa semana, a atriz Meryl Streep presenteou um prêmio a Emma Thompson por sua performance como P. L. Travers, a autora de Mary Poppins, no recente filmeSaving Mr. Banks. Durante seu louvor efusivo por Thompson, Streep também aproveitou a oportunidade para lembrar o mundo dos defeitos pessoais de Walt Disney, chamando Disney de “intolerante misógino” e “apoiador de grupos de lobby antissemitas da indústria cinematográfica”.

As visões de Disney acerca das mulheres e de minorias não são novidade – tanto sua reputação quanto os filmes clássicos que seu estúdio produzira no último século causam controvérsia há bastante tempo. Entretanto, o discurso de Streep ofereceu um importante lembrete do quão facilmente nós nos esquecemos de olhar criticamente aos filmes que nós amamos.

Peguemos como exemplo a animação da Disney Peter Pan. Quando eu era criança, ele inspirou minha imaginação gigantescamente. Uma terra mágica com infância eterna e lutas de espada e batalhas contra o Capitão Gancho. Minha nostalgia causada por Peter Pan permanece forte e eu, carinhosamente, me lembro dos dias em que eu me fantasiava em sua história.

Todavia, não penso que compartilharei Peter Pan com meu filho tão cedo. É muito racista. Isso pode parecer extremo para alguns, mas uma vez que se mantém um compromisso à igualdade e respeito à diversidade,Peter Pan é muito difícil de assistir hoje em dia. Os adultos facilmente se esquecem de como os filmes afetam as crianças e, como pai, não quero que a jovem imaginação do meu filho seja capturada pelos estereótipos de raça, gênero e cultura presentes em Peter PanA Pequena Sereia ou outros clássicos de animação da Disney.

O que não é sugerir que o sucesso de tais filmes não possui mérito. Com contexto, história e a capacidade do pensamento crítico, muitos dos clássicos animados da Disney continuam divertidos e comoventes. Mas não devemos negar que o progresso de nossa sociedade em direção à igualdade no último século afetou nossa visão sobre filmes que antigamente eram queridos por nós. Conforme progredimos através da história, nosso gosto progride também.

O clássico Peter Pan, nem tão inocente assim. (Imagem: reprodução)
O clássico Peter Pan, nem tão inocente assim. (Imagem: reprodução)

Talvez quando ele for mais velho e capaz de adicionar contexto ao que ele assiste, meu filho e eu assistiremosPeter Pan e conversaremos sobre a representação de indígenas norte-americanos em filmes do século passado. Quando pudermos conversar sobre o porquê da canção “What Makes the Red Man Red” ser ofensiva, então ele provavelmente terá idade suficiente para assisti-lo. Até lá, mantê-lo-ei distante dos clássicos da Disney.

Felizmente para meu filho, há um mundo de animações cinematográficas magníficas que fora criado em décadas recentes. Filmes que constroem histórias de mágica e deleite. Filmes que não servem de alcoviteiro a crianças, subestimam sua inteligência ou reduzem personagens a estereótipos. Se regular os clássicos da Disney por mais alguns anos significa que nós exploraremos um âmbito cinematográfico muito mais diverso, então esse é um sacrifício que me sinto confortável em fazer.

Aqui estão listados cinco filmes da Disney que causaram controvérsia ao passar dos anos e cinco filmes a considerar como substitutos.

1.      Substitua Fantasia (1940) por O Segredo de Kells (2009)

O personagem mais famoso de Walt Disney, Mickey Mouse, em cena de “Fantasia”. (Imagem:reprodução)
O personagem mais famoso de Walt Disney, Mickey Mouse, em cena de “Fantasia”. (Imagem:reprodução)

Contendo oito vinhetas musicais contando oito histórias diferentes, Fantasia é mais conhecido hoje em dia pelo segmento chamado de “O aprendiz de feiticeiro”, no qual Mickey Mouse cria magia que ultrapassa seus limites de controle.

Mas foi outro segmento que causou controvérsia. No trecho “A sinfonia pastoral”, a música de Beethoven é acompanhada por uma panóplia de figuras da mitologia grega que se encontram para o festival de Baco. Entre os presentes, há um grupo de centauros brancos sendo atendidos por um centauro negro, com traços similares ao estereótipo de criança negra, claramente seu criado.

Essa cena foi excluída do filme antes do seu lançamento nos cinemas, em 1969. Por algum tempo, Disney negou que tal cena existira. Apagar nossas criações artísticas duvidosas é raramente uma boa solução. Mas, como o crítico de cinema Robert Ebert disse, “não há necessidade de lançamentos cinematográficos perpetuarem estereótipos racistas em filmes designados primariamente a crianças”.

Fantasia oferece uma experiência de animação única, mas não está sozinha nesse aspecto. Igualmente encantador é o filme irlandês/belga O Segredo de Kells. Passado na Irlanda medieval, O Segredo de Kellsoferece uma narrativa ficcional do Livro Irlandês de Kells, um manuscrito iluminado pertencente aos evangelhos do Antigo Testamento e criado por monges celtas por volta de 800 a.C. Baseando a animação em formas geométricas bidimensionais e em desenhos a lápis, em um estilo remanescente a iluminação medieval e a iconografia, o filme conta a história de Brendan e seu tio abade, em sua tentativa de proteger o Livro de Kells dos invasores.

Cena de O Segredo de Kells. (Imagem: reprodução)
Cena de O Segredo de Kells. (Imagem: reprodução)

Uma experiência visual deslumbrante e uma história mística e tocante, O Segredo de Kells oferece as famílias uma experiência de animação desenhada à mão mais aparentada aos clássicos da Disney do que as experiências de animação computadorizada populares atualmente.

2.      Substitua Dumbo (1941) por A Torradeira Valente (1987)

Assim como Peter PanDumbo encontra-se minado de estereótipos que, atualmente, complicam o alto status do filme. A história simples do jovem elefante, separado de sua mãe e ridicularizado por suas grandes orelhas, agora é embaralhada pela presença de estereótipos raciais infelizes.

O elefante Dumbo. (Imagem: reprodução)
O elefante Dumbo. (Imagem: reprodução)

Tais estereótipos alcançam seu ápice em um grupo de corvos da era do jazz, cujo líder, Jim Crow, exemplifica a representação de afroamericanos da era. É um tremendo legado negativo para um filme que emprega simplicidade de história e imagem de forma magistral.

Nós nem sempre temos que deixar sob a responsabilidade da Disney a busca de boas alternativas para o passado problemático do estúdio. Substitua os animais antropomórficos de Dumbo por objetos domésticos e una-se uma aventura de similar poder comA Torradeira Valente. Um sucesso na edição de 1988 do Festival Sundance de Cinema, onde ele recebeu reconhecimento especial do júri, este pequeno tesouro encarna a simplicidade de estilo e história presente em Dumbo sem as representações raciais problemáticas. Adicione a trilha sonora de Van Dyke Parks, excelente dublagem e profundidade emocional que é rara em histórias sobre aparelhos domésticos falantes e não é difícil entender por que o filme, que passa despercebido desde sua estreia, tornou-se um clássico.

O premiado “A Torradeira Valente”. (Imagem: reprodução)
O premiado “A Torradeira Valente”. (Imagem: reprodução)

Um detalhe interessante: entre os animadores envolvidos em A Torradeira Valente, está o diretor da Pixar John Lasseter, que, no futuro, dirigirá Toy Story e suas duas continuações. Tal saga usa o mesmo modelo de “objetos tomam vida e fazem a audiência chorar” fundado anteriormente em A Torradeira Valente.

3.      Substitua Peter Pan (1953) por A Viagem de Chihiro (2001)

Peter Pan é, talvez, o ofensor mais escandaloso dos clássicos da Disney (excetuando A Canção do Sul, um misto de animação e “live action” cujo protagonista é o escravo alforriado Tio Remus, e que não foi lançado em vídeo ou DVD na íntegra).

Peter Pan conta a história de um grupo de crianças londrinas que são visitadas por Peter Pan e magicamente foram levadas à Terra do Nunca, onde, junto com os Garotos Perdidos e a Fada Sininho, fogem de piratas, encontram sereias e lutam contra o malvado Capitão Gancho.

Onde Peter Pan encontra-se em problemas é na retratação de Chefe Índio, Tiger Lily e sua tribo. Os nativos norte-americanos no filme são representados como selvagens e tolos. Em uma canção, as crianças aprendem que a pele dos nativos é resultado do beijo entre o primeiro “príncipe injun” e uma garota e que as línguas estrangeiras são um convite à assimilação cultural. Todo esse esforço é um lembrete do quão preconceituosamente e imprudentemente culturas não caucasianas eram tratadas nas obras da Disney.

Se você quer um conto sobre crianças em um mundo mágico, considere mostrá-las A Viagem de Chihiro ao invés de Peter Pan. Vencedor do Oscar de melhor filme de animação em 2001, A Viagem de Chihiro conta a história de Chihiro, uma garota de 10 anos de idade, e sua jornada em um mundo comandado por espíritos e deuses. Depois de seus parentes serem transformados em javalis, a bruxa Yabyba rouba o nome de Chihiro e, assim, sua liberdade. Chihiro passa seus dias trabalhando em uma casa de banho administrada pela bruxa, onde ela deve aprender a trabalhar ao lado de seus novos amigos para recuperar seu nome e levar sua família de volta ao mundo real.

A bruxa de “A viagem de Chihiro”. (Imagem: reprodução)
A bruxa de “A viagem de Chihiro”. (Imagem: reprodução)

A Viagem de Chihiro é considerado por alguns o melhor filme do diretor e animador Hayao Miyazaki e sua companhia, o Estúdio Ghibli. E por uma boa razão. A obra é uma história magnífica belamente contada, que certamente inspirará a imaginação de uma criança.

4.      Substitua A Pequena Sereia (1989) por Coraline (2009)

A Pequena Sereia inaugurou a era moderna da cultura cinemática animada. O filme originou a Renascença da Disney e devolveu ao estúdio sucesso popular e massivo que não era visto há décadas. A Pequena Sereiarapidamente se tornou o filme de animação mais rentável de todos os tempos e ganhou dois prêmios Oscar. Ele também introduziu a era das princesas Disney, aquele ícone de dominação cultural e todos os seus produtos subsequentes, com a história menos inspiradora imaginável.

A clássica sereia de Walt Disney, Ariel. (Imagem: reprodução)
A clássica sereia de Walt Disney, Ariel. (Imagem: reprodução)

Baseada no conto de fadas homônimo de Hans Christian Andersen, a versão da Disney é tão filtrada que apenas os elementos estereotípicos de gêneros mais fortes permanecem. Resumidamente, a sereia Ariel vê um homem chamado Príncipe Eric e imediatamente se apaixona por ele. Determinada a estar com ele, ela faz uma barganha faustiana e troca sua voz com a bruxa má Úrsula. Ariel não pensa em nada além de sua obsessão por Eric e sua vida é ser ou uma filha obediente ou – custe o que custar – esposa obediente. Quando o New York Daily publicou uma série de cartazes satíricos retratando diversos filmes da Disney, o título deste foi apropriadamente substituído por Mude para seu homem.

Felizmente, há contos de fadas comoventes que fornecem uma robusta experiência feminina sem construir sua história sobre o resgate e o casamento de uma jovem infeliz. Um dos melhores contos recentes sob tal premissa é Coraline, a adaptação em stop-motion do livro infantil de fantasia escrito por Neil Gaiman.

Assim como A Pequena SereiaCoralina envolve as aventuras de uma jovem presa entre dois mundos e as conspirações de uma bruxa má buscando selar seu destino. Mas, ao contrário de Ariel, é permitido a Coraline um papel realístico: ela é irritável e criativa; encrenqueira e leal. E quando seu comportamento coloca seu mundo em perigo, é dada a ela a oportunidade de resolver tais problemas com sua própria perspicácia.

Para deixar claro, Coraline é um filme assustador. Os pais gentis possivelmente hesitarão a mostrá-lo, mas crianças o acharão irresistível. Como Henry Selick, o diretor do filme, disse, Coraline é um filme para “crianças corajosas de qualquer idade”.

Cena de “Coraline”. (Imagem: reprodução)
Cena de “Coraline”. (Imagem: reprodução)

5.      Substitua Aladdin (1992) por As Aventuras de Azur e Asmar (2006)

Até Disney lançar Aladdin, a companhia já havia retomado sua posição de dominação cultural. O sucesso deA Pequena Sereia fora seguido pela obra de arte A Bela e a Fera (o único filme de animação da história a ser nominado para o Oscar de melhor filme). Então, veio Aladdin e, com ele, protestos.

O Comitê Antidiscriminação Árabe-americano (ADC) protestou contra a representação de Árabes em Aladdin. O filme contém uma variedade de estereótipos infelizes de personagens do Oriente Médio, mas a atenção focou-se principalmente na abertura do filme, na qual um mercador (duplado por Robim Williams) canta uma música sobre a vida na Arábia, que “é bárbara, mas ei, é meu lar”.

O esteriótipo árabe em Aladdin. (Imagem: reprodução)
O esteriótipo árabe em Aladdin. (Imagem: reprodução)

Tal fala permanece no filme, mas Disney modificou uma fala devido aos protestos: na versão original, o mercador canta sobre um lugar “onde eles cortam sua orelha fora se eles não forem com a sua cara”. Para o lançamento cinematográfico, Disney alterou a letra para “Onde é plano é imenso e o calor é intenso”. A controvérsia levouAladdin a ser incluso na lista da Entertainment Weekly dos 25 filmes mais controversos da história.

Similar em conteúdo, mas sem a controvérsia, é a obra do diretor francês Michael Ocelot, As Aventuras de Azur e Asmar, cujo enredo é composto pela história de dois garotos – um francês e outro norte-africano – criados como irmãos na mesma casa. Posteriormente, separados e devolvidos às suas vidas distintas, os dois tornam-se competidores na busca por uma fada djinn (um gênio da lâmpada) que ambos ouviram nas suas histórias de infância.

Assim como AlladinAs Aventuras de Azur e Asmar é um conto de fadas medieval inspirado em partes por As mil e uma noites. Os visuais são completamente originais e exigem certo tempo para que o espectador se acostume, uma vez que animação computadorizada tridimensional é posicionada na frente de cenários pintados de forma bidimensional. Quando a audiência se acostumar ao estilo visual, As Aventuras de Azur e Asmar oferece uma experiência cinematográfica mais rica e efetiva do que Aladdin.

“As Aventuras de Azur e Asmar”. (Imagem: reprodução)
“As Aventuras de Azur e Asmar”. (Imagem: reprodução)

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.

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