MPF/AM pede a responsabilização da União por atuação militar na terra indígena Waimiri Atroari

Povo Waimiri Atroari - Foto do Blog da Funai
Povo Waimiri Atroari – Foto do Blog da Funai

Em ação civil pública, o MPF aponta a ocorrência de dano moral coletivo ao povo Wamiri Atroari durante atos promovidos por militares da Marinha na Operação Ágata 4, em 2012

Por Camila Gabriel, MPF/AM

O Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) entrou com ação civil pública na Justiça Federal para responsabilizar a União e condená-la a reparação por danos morais coletivos causados ao povo indígena Waimiri Atroari, pela prática de atos abusivos em desrespeito aos seus modos de vida por militares do 9º Distrito Naval da Marinha, durante a Operação Ágata 4.

Na ação, o MPF explica que, no dia 6 de maio de 2012, militares se aproximaram da terra indígena Waimiri Atroari, na região do Posto Mahoa, no Rio Jauaperi, com forte armamento e adotaram postura ofensiva ao indígenas que estavam no local, sem qualquer respeito às peculiaridades socioculturais ou preocupação em estabelecer um relacionamento que respeitasse os seus modos de vida. A abordagem dos militares incluiu questionamentos sobre a colocação de boias e restrições à navegação no rio Jauaperi, situação que está sob análise no Supremo Tribunal Federal (STF).

Relatos por parte dos indígenas e do Comando do 9º Distrito Naval mostram interpretações diferentes sobre os mesmos fatos. Porém,com base na própria versão da Marinha, concluiu-se que houve abuso de sua posição e a inexistência de qualquer preparação diferenciada para lidar com os indígenas, tendo ocorrido violação de preceitos estabelecidos na Constituição Federal.

Para o MPF/AM, o fato de sermos todos brasileiros, como alega a Marinha, não afasta o dever de observar o que manda a Constituição, devendo ser respeitadas as diversas manifestações culturais por todos os agentes públicos, inclusive por aqueles que atuam na defesa da segurança nacional. “Isso porque não existe hierarquia entre direitos fundamentais, de modo que a invocação vazia da soberania ou de um conceito abstrato de interesse público jamais predominará, a priori, sobre direitos fundamentais, ainda mais quando estes possuem relação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana”, afirma o procurador da República Julio José Araujo Junior, na ação.

Ao final, o MPF/AM pede à Justiça que a União seja condenada a reparar os danos causados ao povo indígena Waimiri Atroari com a elaboração de programa de treinamento de militares e produção de cartilhas destinadas aos servidores das Força Armadas que esclareçam sobre as peculiaridades das etnias indígenas, em especial dos Waimiri Atroari, e formas de abordagem adequadas. As ações devem contar com a participação de antropólogos indicados pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

O pedido inclui ainda a proibição de novas incursões na ocupação tradicional dos Waimiri Atroari, independentemente da área demarcada, sem a adoção de medidas diferenciadas quanto às peculiaridades socioculturais daquele povo, o apoio de profissional da antropologia ou prévio treinamento da equipe.

A ação tramita na 1ª Vara Federal no Amazonas, sob o nº 2601-26.2014.4.01.3200.

O povo Waimiri Atroari – Os Waimiri Atroari são um povo que se autodenomina “kinja” (‘gente’) e que fala a língua Karib, ocupando a região que se situa na fronteira entre os estados do Amazonas e Roraima.

Há registros de conflitos envolvendo a etnia, militares e seringueiros da região desde a segunda metade do século XIX, que resultaram na destruição de aldeias e mortes de indígenas, em razão da ‘política de pacificação’ adotada e do grande interesse econômico nas riquezas naturais da terra que habitam.

Outro episódio que marcou a história dos Waimiri Atroari foi a construção da BR-174 (rodovia Manaus-Caracaraí/RR), iniciada em 1967 e inaugurada em 1977. O assunto foi tratado no 1º Relatório da Comissão Estadual da Verdade do Amazonas e vem sendo acompanhado pelo MPF por meio de inquérito civil público em andamento.

O povo foi ainda vítima da grande inundação em seu território decorrente da construção da usina hidrelétrica de Balbina, a qual alagou imensa área na floresta amazônica e afetou pelo menos um terço da população Waimiri. Em meados da década de 1980, este povo havia chegado a pouco mais de 300 indígenas. Atualmente, a etnia conta com mais de 1600 indígenas.

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