Uma contribuição à análise das mídias e das manifestações

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Foto: SelvaSP

Por Daniel Fonsêca* – Intervozes 

Vivemos novamente um contexto de intensos debates nas mídias sociais, nas organizações políticas, nos espaços públicos. Se em 2013 o que moveu multidões pelo Brasil foram, principalmente, as questões do direito à cidade, da violência do Estado e da atuação da mídia – tudo azeitado com o aumento da tarifa dos transportes e com a realização da Copa das Confederações –, dessa fez é o grande momento da realização do capital do espetáculo que se aproxima: a Copa do Mundo da Fifa 2014.

Igualmente, quase repetindo o script, em vários municípios, a exemplo do Rio de Janeiro, a prefeitura tem ameaçado (e já executado) o aumento das tarifas. O mundo virtual, fabuloso pela seara que estabelece, mas, muitas vezes, descolado da realidade, está em ebulição. Em São Paulo, uma vítima quase fatal da ação do Estado policial e o fusca que pegou fogo depois de o motorista avançar numa barricada já apontaram que o ano começou de vez.

Tal qual 2013, essa conjuntura que se desenha em 2014 só deve ser minimamente consolidada e, mais ainda, escrutinada no médio e longo prazos. Ainda é difícil analisar o que se passou entre junho e julho – no caso particular do Rio, até outubro/novembro, pelo menos – em todo o país. Não foram apenas os 20 centavos de Real, como quiseram apontar os governos municipais e estaduais; não se limitou à “incompetência” ou à “corrupção” endêmicas no Governo Federal, conforme acusou a mídia corporativa; menos ainda significou a ação de “vândalos”, “baderneiros” e “arruaceiros”, como qualificou o Governo Dilma. Os levantes que ocorreram naquele período, tendendo a ser reprisados neste ano da efeméride dos 40 anos do Golpe Civil-militar no Brasil, reposicionaram os movimentos sociais urbanos, fazendo convergir diversas pautas, históricas e urgentes, que se encontravam represadas, mas que nunca deixaram de estar nas ruas.

Naquela intensa ocupação das ruas brasileiras, existiram pelo menos três causas que merecem ser destacadas pelo fato de terem sido, talvez, as mais comuns em todos os protestos realizados:

1) os transportes e a mobilidade urbana, que demonstram, a partir da contestação do aumento das tarifas, o quanto a questão do direito à cidade tem ganhado centralidade nas últimas décadas. Embora tenha focado o preço do acesso ao transporte coletivo, ficou claro para os manifestantes o grau de saturação dos serviços urbanos oferecidos pelos poderes públicos, situação que potencialmente pode ter sido a disparadora final para a massiva adesão às manifestações.

2) a violência estatal que reprime, assassina ou “desaparece” com as pessoas, o que ficou posto às claras, mesmo depois de ter passado o mês de junho, com a violência praticada pelas polícias militares contra os manifestantes, o assassinato de moradores da Maré e o caso do desaparecimento de Amarildo de Souza, morador da favela da Rocinha que nunca mais foi visto após ter sido levado por uma viatura da Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro.

3) o descompasso e a pouca verossimilhança da representação das manifestações na mídia, que foi verificado in loco por praticamente todos os milhões de participantes dos movimentos que agitaram o país naquelas semanas. Isso deu margem para que emissoras, jornais e revistas também fossem lembrados nos atos não somente como potenciais “manipuladores”, mas também como uma pauta em si a partir da afirmação da democratização dos meios de comunicação e do direito à comunicação.

Na verdade, partindo da reivindicação do direito a um transporte coletivo acessível, as mobilizações das “Jornadas de Junho” (de 2013), no Brasil, levaram centenas de milhares de pessoas às ruas. Os manifestantes expressaram seu descontentamento com os lentos avanços na área da saúde pública e da educação, chamando atenção para a corrupção e para os altos gastos com os megaeventos esportivos, reivindicando mais direitos e o fortalecimento da democracia no país.

Não uma democracia qualquer, em que as ações administrativas de governos só podem ser revisadas a partir da “arma do voto” a cada quatro anos para cada nível do governo. Mais do que isso, importa entender a constituição dos poderes como um processo. E verificar que o caráter público dos meios de comunicação e as liberdades políticas mais elementares (direitos de organização e de expressão) são basilares para o próprio conceito de democracia. No Brasil, esses princípios têm sido historicamente violados.

Para contribuir com o debate e com as formulações da sociedade civil em torno desta agenda, o Intervozes, com o apoio da fundação Friedrich Ebert (FES), produziu um artigo, intitulado “Não dá para não ver – As mídias nas manifestações de junho de 2013”, publicado em dezembro passado. O texto busca historicizar e descrever as manifestações que mobilizaram o país e investiga também a postura dos meios de comunicação tradicionais, que oscilaram no tratamento dos manifestantes, e da chamada “mídia alternativa”, que acompanhou os acontecimentos nas ruas ao vivo nas redes sociais virtuais. O artigo está disponível nas versões em português e em inglês.

* Daniel Fonsêca é doutorando em Comunicação na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e integra o Conselho Diretor do Intervozes.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Rodrigo de Medeiros Silva.

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