“O sono da razão produz monstros”: o caso da política militarizada no Brasil

Eustáquio José – Um Brasil de Verdade

Não é questão de ser contra a polícia. Não é questão de desconsiderar que dentro de qualquer lugar existem cidadãos de bem e pessoas que merecem o título de “boa gente”. Mas um caso é preciso ser falado, embora nunca o é: o Brasil precisa acabar de vez com a questão de uma polícia militarizada. Não só porque é fonte de desconfiança total e constante da população, mas também pelo que acontece lá dentro, pelo que faz com que soldados da PM se comportem de forma tão agressiva e de forma tão violenta como braço armado e carrasco do Estado. Na antiga união entre Igreja e Estado, durante a Idade Média, produziu-se o assombroso terreno para a Inquisição. Lá, por muitas e muitas vezes vemos relatos de o Estado executar, sob batuta de grandes representantes do clero, ávidos pelo poder, e muitas vezes em “jornada dupla” como clérigos e políticos mão de ferro, as mais diversas torturas, humilhações, penas capitais e coisas do tipo. Dessarte os tempos mudaram, mas a mentalidade pervertida e malévola não parece ter abandonado alguns seres humanos ainda sedentos por poder, mesmo que tenham no canto das bocas sangue inocente escorrendo.

Pois bem. A questão da Polícia Militar não é só o que se vê, mas é bem mais profunda. Por que será que Pm’s agem com tanta virulência contra a sociedade? Por que facilmente se corrompem? Por que são tão vingativos e causam tantos estragos à sociedade que deveriam estar defendendo? A resposta não deve ser jogarmos nossos dedos acusatórios nos “praças”, Pm’s sem patentes superiores, mas deve ser perguntar como alguém que os controla consegue manter táticas e poder comparáveis aos grandes inquisidores medievais. O ex- soldado da PM do Ceará,  Darlan Menezes Abrantes (confira reportagem aqui) parece ter um indicador para a resposta: a formação. Se você é doutrinado para ver no outro um inimigo, e não simplesmente o outro, você não protege ou assegura direitos, mas impõe forçosamente a lei dos mais “espertos” e reproduz com violência a ordem recebida. Se você sofre a lavagem cerebral de quem se comprometeu a te formar e tem seus direitos comparados a uma folha em branco que direitos você irá respeitar em alguém? O mal exemplo vem de cima, sempre vem de cima. A humilhação é reproduzida na futura abordagem que humilha. O passado sem regalia alguma ou mesmo direito respeitado se reproduz na falta completa de paciência, de respeito, de tolerância com que aje diante do outro, do suspeito, que é logo transformado em criminoso. O soldado é, logo, “soldado” para ser ferro que fere e não ferro que assegura a não ferida.

Como se pode falar numa polícia militar treinada para farejar, caçar, matar e violar direitos dos “perseguidos”, polícia essa que treina mal, que remunera mal e que expõe seus praças ao crime organizado, ao bandido, ao julgamento da sociedade? Como não perceber que é dentro da realidade que vemos a política do mais forte que manda e do mais fraco que obedece que a polícia perde totalmente a credibilidade e não pode se manifestar tornando-se máquina de guerra e violência e não proteção social? Quem não ouviu um policial dizer que bandido se trata com ferro e fogo? Mas quem é o bandido exatamente? Amarildo? Os soldados que desobedecem esse comando assassino e violento? Não. Quem é o bandido é justamente o indeterminado, o negro que é perseguido, o jovem da periferia que quer dar um “rolezinho”, que quer ir nos shopping centers, que quer ter o direito pelo menos de ir e vir, mesmo que com seu funk de ostentação. O bandido é sempre o elo mais fraco, porém, o policial praça, o policial subordinado não é sozinho o algoz, já que ele é a criatura, um frankenstein criado pela própria corporação que se torna um elemento nocivo.

E é essa polícia que nós queremos desmilitarizada. Não é crucificar o policial pai de família, cidadão honesto, mas condenar o que manda, o que não aparece fora dos muros das academias e que circulam em altos nichos sociais. Esse cidadão é o que interessa que se pense e que se reproduza. É esse o criador que povoa essa polícia com essas criaturas.

Por isso diga não a uma polícia militar que treine e reproduza pressões e torturas, gêneros militares e militarizantes por natureza. Isso é decididamente trágico! Isso é decididamente abusivo. Eis o grande problema.

Como já nos diria Goya: o sono da razão produz monstros, os monstros também brotam do sono trazido da irrazão de nosso tempo e da inação que temos ao julgar só a superfície. O sono também é o estado de quem não percebe que a política vem de berço e a formação de monstros é por lote e não só por unidade. Aqui nós temos que ver e identificar o perigo que é invisível, aliás, nem tão invisível assim, mas que é bem mais do que uma construção social das esquerdas, ou dos simpatizantes dos movimentos sociais de rua, o que paira por sobre todos nós é bem mais do que isso: nós temos que ver as coisas como elas são! Sem máscaras nem sem conhecermos as origens da história. Eis o ponto.

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