Outra explicação sobre a origem do mundo e seus habitantes

João Paulo Barreto, Amazônia Real

Os estudiosos sobre os povos indígenas apontam várias diferenças existentes entre a sociedade envolvente e as sociedades indígenas. Aqui quero evidenciar a concepção Tukano sobre a origem do mundo terrestre, para além das clássicas como criação de Deus e Big-Bang.

Os Tukano explicam que o mundo foi construído por demiurgos chamados de Yepaoãku e Yepalio, ambos filhos de  Buhpo, um ser não criado que vivia no domínio para além da matéria que constituem como natureza.

Yepaoãku e Yepalio primeiro fixaram um eixo central, chamado yagu entre os dois domínios primordiais, domínio superior e domínio inferior. Segundo, a partir de um ponto equidistante estabeleceram pequena plataforma de esteira, a partir de seu próprio escudo. Vendo sua instabilidade, resolveram fixar quatros colunas nos quatro pontos cardeais. Feito isso, amarraram a plataforma que finalmente ficou fixa e estável. Próximo passo foi colocar terra. Depois fizeram floresta e rios, até que finalmente tudo ficou na forma atual.

Entretanto, como o mundo foi construído em função do surgimento dos humanos, resolveram povoá-lo com todas as espécies de animais para garantir a alimentação dos futuros humanos. Tudo isso eles fizeram por meio de Bahsesse, um repertório de palavras e expressões especiais que possibilitam a comunicação como oswai-mahsã, e formação de elementos. O Bahsessé é também, a habilidade de um homem especialista em invocar elementos e princípios curativos, contidos nos tipos de vegetais e animais.

A partir disso, os Tukano organizam o mundo terrestre em quatro grandes espaços: Água, Terra, Floresta e Céu. Cada um desses espaços é dividido por espaços menores. Por exemplo, o espaço aquático (ahkópati) é formado por três grandes tipos de ambientes, que são: mariakã (igarapé), dihtara (lago) e mari (rio). Cada grande ambiente, por sua vez, é subdividido em partes menores, menos inclusivas, identificadas de acordo com suas características ecológicas. Assim, no igarapé existem purinti weseri, lugar em que há concentração de folhas; ñeri wiseri, onde há grande quantidade de raízes; uhtã wiseri, lugar com significativa presença de pedras. O lago, por sua vez, é o lugar onde encontramos as seguintes ambientes: nuhkuporó wiseri, uhtã wiseri, wiásistiri wiseri warrapamori, caracterizadas, respectivamente, pela concentração de areia, de pedra, de barro do tipo tabatinga e de macrófitas aquáticas. Os rios são: pahsi wiseri, evu wiseri, pahsi ñise wiseri, ou seja, espaços onde há presença, respectivamente, de tabatinga, amarela e preta. Nos rios também existem ambientes de nome poya, identificadas pelas corredeiras e cachoeiras.

Assim cada quatro grandes espaços são ordenados em espaços menores de acordo com o ambiente. A diferença fundamental é que nesses ambientes, cada um deles é habitada por waimahsã. Os wai-mahsã são seres que possuem as mesmas qualidades e capacidades dos humanos, inclusive sua morfologia, mas que não são visíveis pelas pessoas comuns e/ou na vida cotidiana.  Eles só podem ser vistos por um especialista, isto é, yai ou kumu, conhecidos como xamãs. Esses seres são, por fim, a própria extensão humana, devendo sua existência e reprodução ao fenômeno do devir, isto é, a continuidade da vida após a morte, sendo assim a origem e o destino dos humanos, seu início e seu fim. É com estes waimahsã habitantes de diferentes ambiente que os especialistas indígenas se comunicam e adquirem conhecimentos, isto é, os Bahsesse.

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