Líder do Pinheirinho diz que é preciso lei para evitar despejo violento

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Moradores do Pinheirinho visitam terreno onde serão suas moradias

por Lúcia Rodrigues, especial para a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo – Viomundo

O advogado dos moradores do Pinheirinho, Antonio Donizete Ferreira, o Toninho, afirmou em seu discurso nesta quarta-feira, 22, durante o ato que marcou os dois anos da desocupação violenta do terreno em São José dos Campos onde viviam as famílias, que é necessário uma lei para evitar despejos violentos em ocupações irregulares.

“É preciso acabar com essa história de que quando pobre ocupa terra, se manda a polícia pra bater, dar tiro de borracha e (lançar) gás lacrimogêneo pra colocar o pessoal pra fora, e quando é o rico quem invade a terra, vira comendador, como o Bentinho (Benedito Bento Filho, empresário do ramo imobiliário de São José dos Campos)”, enfatiza.

A afirmação foi feita em frente ao terreno onde serão erguidas 1.700 casas que vão abrigar as famílias que viviam no Pinheirinho.

Para Toninho, a realização de manifestações para recordar o massacre é fundamental para evitar novos Pinheirinhos. “Não relembramos porque somos masoquistas e gostamos de sofrer, mas exatamente para dizer às autoridades que a gente não quer que isso volte a acontecer nunca mais em nenhuma ocupação.”

CPI sobre repressão

O deputado Adriano Diogo (PT-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo concorda com Toninho que é preciso estancar a violência contra os pobres. Ele também compareceu ao ato que marcou os dois anos da desocupação do terreno.

O parlamentar reivindica que a Câmara Municipal de São José dos Campos instaure uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para responsabilizar os culpados pelo massacre, quando milhares de pessoas perderam suas casas e duas pessoas faleceram em decorrência do ataque da PM.

Ivo Teles morreu em função das agressões sofridas de policiais militares durante a desocupação e Antonio Dutra, ao ser atropelado por uma motorista que fugia das bombas e dos tiros disparados pela PM. Vários moradores também entraram em depressão após terem perdido suas moradias e seus pertences, segundo relatos.

“O mínimo que a Câmara de São José pode fazer por essas pessoas é uma CPI que apure o que ocorreu. O que aconteceu no Pinheirinho foi gravíssimo. Não me conformo que esses fatos ainda não tenham sido apurados”, lamenta.

Tucanos barraram investigação

Assim que a Assembleia retomar os trabalhos legislativos, Adriano Diogo pretende realizar uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos, para debater a responsabilidade dos culpados pela desocupação violenta.

O deputado recorda que à época do massacre foi pedida a abertura de uma CPI na Assembleia, mas que esta não avançou porque o governo tucano tem maioria absoluta no Parlamento e barrou a apuração. O então prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury, também era do PSDB.

“Aqui tem a grande muralha dos tucanos. Nós somos 24 (deputados) oposicionistas em 94. Mas a configuração política da Câmara de São José, hoje, é completamente diferente da Assembleia. A Câmara deve ao povo brasileiro uma espécie de pequena Comissão da Verdade, para trazer à tona o que ocorreu no Pinheirinho”, frisa o parlamentar, que também preside a Comissão Paulista da Verdade.

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GCM reprimiu

O parlamentar também lamenta que a GCM (Guarda Civil Metropolitana) tenha agido de forma dura na desocupação do Pinheirinho. “Foi uma atuação desastrosa”, critica.

O pedreiro David Washington Castor Furtado foi atingido nas costas por uma bala disparada por um guarda municipal dentro do centro desportivo da Prefeitura, para onde eram levados os moradores após serem expulsos de suas casas. O trabalhador ficou com sequela em uma das pernas.

Adriano considera que o resultado eleitoral favorável ao Partido dos Trabalhadores na região do Vale do Paraíba se deveu em grande medida à violência com que foi conduzido o despejo por representantes do PSDB.

“Foi uma consequência da tragédia do Pinheirinho. Portanto, já que aquele povo sofreu tanto e resistiu, então que sejam apurados os responsáveis pelo massacre. A reposição das casas é importante, mas os crimes que foram cometidos precisam ser esclarecidos”, ressalta.

Minha Casa, Minha Vida

Segundo o secretário da Habitação de São José dos Campos, Miguel Sampaio, o início das obras está previsto para fevereiro. “O mais tardar, em março.” A construtora contratada foi a Elglobal, empreiteira de Uberlândia que já constrói para o Minha Casa, Minha Vida, de acordo com Sampaio.

O custo total da obra está orçado em pouco mais de R$ 195,4 milhões, R$ 163,2 milhões serão repassados à empreiteira e R$ 32,2 milhões ao dono do terreno de 645 mil m².

Cada unidade com dois quartos, sala, cozinha e banheiro terá 46,5 m² de área construída distribuídos em um terreno de 160 m². No Pinheirinho, os lotes eram de 250 m² e as casas eram maiores. O secretário antecipa que a Prefeitura de São José vai expedir planta com aprovação prévia para ampliação até 60m² de construção.

Ele informa também que os ex-moradores do Pinheirinho serão contratados para trabalhar na edificação das residências. “Vamos chamar os moradores que têm qualificação em construção civil. Tem mais de 300 pessoas inscritas”, ressalta o secretário.

Cada unidade habitacional sairá por R$ 96 mil, R$ 76 mil serão repassados pelo governo federal por meio do programa Minha Casa, Minha Vida. O governo do Estado vai entrar com R$ 20 mil.

A vereadora petista Amélia Naomi, presidente da Câmara Municipal de São José, que é casada com o prefeito Carlinhos Almeida (PT), relata que a Prefeitura vai investir na parte de infraestrutura do novo bairro. “Vai construir os equipamentos sociais: escola, creche, UBS. As obras começam assim que a empresa fizer os arruamentos”, destaca.

Ela conta que desde que o prefeito assumiu o governo da cidade foram realizadas 23 reuniões com representantes dos moradores, da Caixa Econômica Federal, da Prefeitura e dos governos federal e estadual. Amélia também participou do ato promovido pelos moradores.

PM acompanha à distância

O coordenador da ocupação, Valdir Martins, o Marrom, promete não dar trégua aos órgãos públicos. O novo bairro está distante do centro da cidade aproximadamente 20 quilometros. “Vamos buscar nossos direitos. Aqui vai ter 10 mil pessoas, vai ser um bairro maior do que muita cidade do Estado de São Paulo. Precisamos de infraestrutura.”

Toninho Ferreira também pede que sejam construídas avenidas que liguem o bairro ao centro de São José e que linhas de ônibus sejam estendidas para o local. “Os moradores precisam de mobilidade para se locomover.”

Ao final do ato, ele colocou em votação entre os moradores a ocupação simbólica do terreno onde serão erguidas as novas moradias. A proposta foi aprovada por unanimidade.

Três viaturas da PM, com nove policiais, acompanharam o ato à distância.

Esperança

A costureira Gorete Alencar, 55 anos, comemora a nova casa. Ela foi uma das moradoras que perdeu tudo no despejo. “Hoje estou feliz e vou ficar ainda mais, quando conseguirmos vir pra cá. Há dois anos eu tava chorando”, recorda.

O mesmo aconteceu com a operadora de telemarketing Jaciara Bispo, 32 anos. Ela vivia com o marido e o filho no Pinheirinho. “Agora a gente tá mais tranquila sabendo que vai sair a nossa casa. Lá a gente pensava que era nosso e fizeram o que fizeram… Estamos ansiosos para poder vir morar aqui logo”, comemora ao lado do filho de 11 anos que também participou da manifestação.

Luiz Viana Araújo foi recepcionar os novos vizinhos. Ele mora na comunidade ao lado onde serão construídas as novas moradias. “Vim dar uma força, porque eles merecem. Moro aqui há quase 30 anos.” Desempregado, ele pretende arrumar trabalho quando as obras começarem. “Estou parado. Quando chegarem as máquinas, posso tomar conta.”

Fotos: Douglas Mansur/Celeiro da Memória

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