A direita envergonhada

Reprodução internet
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Eustáquio José, em Conversas de Esquerda

Alguém conhece uma pessoa que não tenha problemas em se dizer de direita? Alguém que diz que o projeto para melhorar o Brasil é simplesmente seguir uma trilha conservadora, abolir toda a forma de ganho social e de diminuição da equiparação entre classes e que o reacionarismo é aquilo que levará tudo a patamares mais altos? Alguém conhece uma pessoa que afirme categoricamente que o problema social pode ser resolvido com os mecanismos neoliberais ou mesmo com a política toda pautada no capitalismo e nos ditames do grande mercado de consumo? Se você conhece pessoas assim é um privilegiado.

Essas pessoas não costumam ser tão claras e transparentes, apesar de defenderem tudo isso, e costumam negar serem de direita. É como uma etiqueta nada nobre e opressora. Uma pessoa minimamente esclarecida na história tende a fugir para várias linhas: liberalismo, bem estarismo, centrismo, até mesmo apelam para o ente mor que é fordismo/macartismo, mas ninguém admite com força efusiva: eu sou de direita.

Temos casos clássicos: partidos políticos, até mesmo religiosos fundamentalistas, canais de televisão e demais veículos de imprensa. Ninguém admite ser de direita. Com o assistencialismo barato (nos programas de televisão que distribuem dinheiro, casas, reformam carros, realizam sonhos) ou com a plataforma de dizer que você tem que fazer por onde conquistar os seus objetivos (porém ninguém diz que esses objetivos não estão disponíveis para todos, mas sim para quem já pertence a uma classe minimamente abastada) ou tem que sobreviver à selvageria da competição de mercado. Liberdade só há no mercado. Os indivíduos são reféns da alienação e do consumismo (o capitalismo parasitário como diria Zygmunt Bauman) e nada podem fazer a não ser se endividar no crédito e/ou pertencer à grande classe de consumo.

Porém, mesmo defendendo todas essas posturas, as pessoas costumam negar qualquer vínculo com a direita. A direita historicamente é ligada ao fascismo, ao nazismo, aos totalitarismos que assolaram o mundo. A direita é ligada a um governo de “mão invisível”, todavia de poder completamente visível, um monstro garantidor de seu patrimônio e de seus patrícios que se ancora no conservadorismo da lei para angariar mais e mais força. Eis a verdadeira face do capitalismo que tem como ideologia mor a direita que todos têm vergonha de assumir. Por que será?

O discurso de anacronismo da esquerda pós-URSS, com a “desolação de Cuba” (sic), com a queda do muro de Berlim, o anacronismo no Brasil por causa do pífio governo petista e do colapso dos partidos ditos de esquerda que insistem em dizer que “governar é maior do que manter ideologias” está na boca dos colunistas da Veja, está na boca dos noticiários da Bandeirantes, da Record, da Globo, entre outros, porém ninguém se assume direitista. Talvez porque alguns apontamentos de uma gestão mais social sejam inquestionáveis e quem se opor perca força eleitoral. Chegou a tal ponto que o PSDB, representante mais forte dos partidos de direita, mesmo com o colapso do DEM e os demais partidos nanicos trabalhando incansavelmente pela direita no Brasil, na última campanha presidencial com José Serra tentar um populismo forçado e se corromper ideologicamente. Por que não assumir algo que seja mais direitista? A direita causa vergonha e apreensão. O povo não se sente à vontade com a direita e, no sistema atual de votos, é preciso que se seja aparentemente popular para poder se ganhar algo.

Estar com o povo não é atributo do esnobismo e do elitismo de uma direita como concebida no Brasil. Ninguém que seja genuinamente de direita aceitará de bom grado rolezinhos nos Shopping Centers de alto padrão nem em ruas e condomínios de luxo, logo vandalizarão e ridicularização todo e qualquer movimento. Um dileto filho da direita sempre irá dizer ser absurdo cotas em universidades particulares porque acha um absurdo conviver com alguém que seja de classe inferior frequentando o mesmo espaço que ele ou ela. Aqui a face preconceituosa e elitista da direita ganha contornos radicais. A realidade é que o direitista não pode assumir, sob pena de linchamento social, que acata essas ideias. O que seria de um cidadão de direita que assumisse que o que mais incomoda a ele no governo do PT é que ele tenha que ver pessoas “de classes inferiores, sem berço” – sim a direita no Brasil, apesar de envergonhada, não perde a oportunidade de ser de “sangue azul” – nos mesmos locais que ele frequenta. Clubes, shoppings, lojas, restaurantes, todos esses locais agora têm os “outros” e costumam aceitar esses porque deixam dinheiro por lá. A direita não pode aceitar essa desfeita.

Essa reflexão, bem superficial e ainda não madura, chega a um desfecho: ser de direita causa certa vergonha pelos elementos que estão subjacentes em se ser de direita. Quem se diz de direita tem que assumir a herança histórica desse lugar que nem sempre é bem vinda, a não ser em tempos de autoritarismo e totalitarismo. A despeito da ditadura de Stalin, as de Mussolini, Franco e Hitler são igualmente descabidas e causam igual repulsa. A direita vive nauseada. A despeito da grande traição da esquerda e da venda de alguns integrantes supostos esquerdistas ao capital, a direita não se vendeu e continua sendo o que sempre foi.

Porém, o que a direita sempre foi tem uma face horrenda, ofensiva e extremamente preconceituosa. Aí mora a grande sacada para todos caírem de boca em cima dos desmandos dos ditos comunistas, mas serem incapazes de sair da zona de conforto que criam em cima do muro. Todo direitista começa o seu discurso dizendo que a direita e a esquerda são lugares ultrapassados e que ele não é refém nem de uma nem de outra. Todo direitista desqualifica Marx, Engels, Paulo Freire e qualquer um que os defensa, porém não assumem os teóricos clássicos da direita mundo afora. O liberal se acha liberal demais numa posição própria e mal se percebe como palrador do discurso do conservador (sob qual aspecto o liberal se reduzir ao conservadorismo é algo ainda a se pensar).

Mas como esse post tem a dimensão de um ensaio, de livres pensamentos, eu acho oportuno acabar por aqui com a seguinte constatação: ser de direita ainda causa temor e tremor em todos que estão orbitando em seu redor. Mas eu ainda espero que a direita seja menos envergonhada e assuma de forma séria uma postura diante das coisas desse mundo para criarmos um debate sério sem que se cite páginas amarelas nem padrões globais de qualidade e deformação da notícia como fundamentos teóricos.

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