Pela liberdade, contra a ditadura

Ariane Leitão* – Sul 21

O ano de 2014 marcará os 50 anos do golpe militar no Brasil. Foram 21 anos de ditadura civil-militar que, para sempre, serão lembrados na história do estado brasileiro. Na memória e no corpo de quem viveu intensamente os anos de chumbo estas lembranças permanecem vivas, especialmente para as mulheres, que assumiram o papel de agentes políticos de resistência, ao mesmo tempo em que rompiam com os padrões tradicionais impostos a elas na época.

Um movimento de reconhecimento da participação feminina no processo de construção da democracia, que marcou os anos de ditadura, precisa ser intensificado. Ainda sem nenhum levantamento oficial sobre a participação das mulheres, dados da Comissão Nacional da Verdade chegaram a cogitar que 11% das pessoas que estiveram na luta contra a ditadura eram do sexo feminino.

Neste processo, as mulheres representam parte significativa da memória histórica brasileira. Lideraram organizações clandestinas e movimentos de resistência, denunciando as barbáries cometidas nos porões da ditadura brasileira, atuando também, ainda que de forma discreta, nas frentes armadas.

A ação das forças repressivas adquiriam caráter ainda mais perverso quando se tratava da tortura feminina, com violações sexuais, mutilações, insultos e ameaças baseadas na condição gênero. Não são raros os casos de militantes que engravidaram de seus algozes e situações de torturas concomitantes de mães e filhos. Ser mulher, para o regime militar, significava, mais um elemento que acrescia aos requintes de crueldade capitaneados pelos militares, com participação ativa de civis que além de financiar o regime, faziam questão de assistir às sessões de tortura.

Identificar o papel e a participação das mulheres durante a ditadura pode contribuir para entender a construção social da identidade feminina a partir daquele período. E especialmente as transformações na busca pela garantia dos direitos humanos e no processo de libertação feminina. Rompendo com o estereótipo de que o papel da mulher deveria estar restrito ao espaço doméstico, atuando como mãe, esposa ou dona de casa, vivendo de forma subjugada à supremacia cultural masculina.

O enfrentamento à ditadura sob a perspectiva feminina ainda é um aspecto pouco abordado. O comportamento “transgressor” de mulheres militantes contribuiu significativamente para mudanças dos padrões comportamentais femininos da época.  O resgate sociocultural dos anos de chumbo está sendo publicizado através de testemunhos de quem vivenciou a história, como os de Ignez Maria Serpa, a Martinha, e Nilce Cardoso, lideranças torturadas pelos representantes do regime. Os depoimentos compuseram a primeira edição dos Diálogos Feministas, onde a Secretaria de Políticas para as Mulheres do RS em parceria com o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social  proveram o painel: “Protagonismo Feminino na Luta contra a Ditadura Civil-Militar”.

A atividade, que ocorreu no Museu de Direitos Humanos do Mercosul, contou com o apoio das  organizações Coletivo Feminino Plural e Comitê Carlos de Ré  e teve como principal objetivo iniciar a construção do acervo da luta feminista contra a ditadura no Mercosul. Apresentando as interfaces das mulheres latino americanas e o papel protagonista que tiveram para a construção da democracia em seus países. Além disto, implementar políticas públicas de memória e verdade no estado é fundamental para que toda a sociedade gaúcha conheça a verdade histórica de nosso país, passando necessariamente por um recorte de gênero.

Paralelamente, verificamos mais ações no sentido de identificar locais de tortura como forma de denúncia, mas também de construção de políticas públicas. O antigo Dopinha, já identificado como local clandestino de tortura, através da articulação do movimento social deverá se transformar em um sítio de memória, fruto da ação permanente dos movimentos de direitos humanos que cobram ações mais enérgicas dos governos para fazer com que a nossa memória não seja esquecida, ainda que ela nos remeta à prisões, torturas e mortes.

Neste sentido estamos trabalhando para dar notoriedade à mulheres, até hoje, anônimas, mas que entregaram à sua vida em nome da liberdade. É por estas mulheres que a SPM-RS apoia e articula iniciativas, denunciando a ditadura e os torturadores, enfrentando um legado violento deixado pelos anos do regime autoritário. Para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça! Memória, verdade e justiça!

*Secretária de Políticas para as Mulheres, além de Militante e fundadora do comitê Carlos de Ré.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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