Drogas são toleradas. Desde que isso te torne um bom e dedicado trabalhador, por Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Álcool tem sido um excelente instrumento de controle social para arrefecer ânimos de trabalhadores que estão sob condições de estresse. Qualquer colega que tenha produzido reportagem sobre os problemas sociais relacionados à construção civil ou à agropecuária, por exemplo. se deparou com a questão. Sem álcool, seria muito mais difícil para alguns administradores de canteiros de obras explicar para os trabalhadores porque a vida deles em confinamento e com pouco contato com a família, sem opções de lazer e baixa remuneração, com condições de risco à sua saúde, segurança e vida não é a titica do cavalo do bandido.

Quantas vezes, acompanhando operações de resgates de trabalhadores escravizados, não ouvi que o contratador de mão de obra a serviço do fazendeiro, quando colocado contra a parede com relação ao salário que nunca chegava ou à qualidade da comida, entregava aguardente. Ela, que dissolve reclamações,  tinha poderes mágicos de enviar as pessoas para um lugar melhor do que aquele.

A verdade é que o uso de álcool ou psicoativos faz parte da política empresarial em muitos setores econômicos. Pode não estar escrito, mas o Brasil real é aquele cuja narrativa passa ao largo do que diz a letra dos contratos.

Daqui a 100 anos, nossos netos vão olhar parar trás e sentir perplexidade por conta de nossa estúpida política antidrogas e vergonha pela maioria de nós aceitar bovinamente tudo isso, sem refletir sobre o tema, apenas repetindo preconceitos que ouviram na TV como um papagaio maluco. Política que justifica a intervenção em outros países, que enche prisões com quem vende maconha, que fomenta o comércio ilegal de armas, que sustenta a corrupção policial. Uma política que vê a dependência química como ato criminoso e não uma questão de saúde pública e mantém uma ditadura sobre o corpo do indivíduo.

Portanto, não estou criticando o uso dessa ou daquela substância. Mas de como aceitamos ou até incentivamos que elas sejam utilizadas para garantir a produtividade e a lucratividade de determinado empreendimento e, ao mesmo tempo, condenamos seu uso recreativo, social ou espiritual.

Ficamos com pena de quem fuma crack para dar uma relaxada após cortar o equivalente a 15 Fuscas de cana no braço, contudo nos indignamos ferozmente com aqueles que ficam doidões e não geram riqueza. E, ainda por cima, estragam minha noite de ópera na Sala São Paulo.

Ou achamos bizarro e revoltante pessoas que usam anfetaminas e demais produtos que ajudam a atingir outros estados de consciência em festinhas. Mas achamos extremamente normal e até incentivamos que um exército de “homens e mulheres de bem” tomem bolinhas para se concentrar e trabalhar. Dia desses, uma amiga contou, como se fosse a coisa mais normal do mundo, que sua própria chefe a incentivou a usar ritalina para terminar a campanha a tempo do cliente não surtar.

Isso sem contar aquele “incentivo” para conseguir finalizar aquele pescoção na redação ou o plantão médico. Quantos profissionais liberais não dependem de carreiras para as suas carreiras? (Desculpem, mas o desejo de usar esse trocadilho foi mais forte do que meu senso de ridículo.)

Isso ainda está longe de você? Quantos maços de cigarro você fuma por dia quando o trabalho lhe consome mais do que o normal?

“Ah, mas tabaco é diferente de cocaína.” O princípio ativo, sim. Agora, o princípio social é o mesmo: Drogas são toleradas. Desde que te ajudem a ser aquilo que a sociedade espera de você: uma engrenagem produtiva.

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