Hoje é o Dia Internacional d@s Defensor@s dos DHs: “Defender os que defendem os direitos humanos deve ser uma prioridade”

Laisa Sampaio, defensora dos direitos humanos brasileira, recebe mensagens de solidariedade à seu caso no escritório da AI Brasil. Foto: Renata Neder - Anistia Internacional
Laisa Sampaio, defensora dos direitos humanos brasileira, recebe mensagens de solidariedade no escritório da AI Brasil. Foto: Renata Neder – Anistia Internacional

Por Nancy Tapias Torrado*

Kouraj é uma organização haitiana que trabalha em favor dos direitos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgênero e intersexuais (LGBTI). No último dia 21 de novembro, por volta das 13h, três homens armados com facões e pistolas entraram à força em seu escritório em Porto Príncipe. Os agressores proferiram insultos homofóbicos contra as pessoas que se encontravam no escritório, as agrediram e as amarraram, roubaram importantes informações e saquearam o local.

O ataque contra o escritório da Kouraj é apenas uma amostra da onda de agressões e ofensas públicas contra as pessoas LGBTI e aos que defendem seus direitos que ocorrem desde o mês de julho no Haiti. É, também, apenas um exemplo das graves agressões e ameaças enfrentadas pelos defensores e defensoras dos direitos humanos em todo o mundo. Não há um dia em que a Anistia Internacional não atue para contribuir e prevenir ou deter estas graves situações.

Há um ano, a Anistia Internacional publicou o informe Transformar a dor em esperança: Defensores e defensoras dos direitos humanos na América. O documento faz uma breve, mas alarmante análise de centenas de atos de perseguição e ataques contra aqueles que com suas corajosas ações tentam romper ciclos de injustiça, discriminação e impunidade na América. É também um apelo aos Estados do continente para que reconheçam a inestimável contribuição que defensoras e defensores dos direitos humanos fazem à construção de uma sociedade mais justa e igualitária, e assegurem mecanismos efetivos para proteger suas vidas, sua integridade e seu trabalho.

Um ano depois, nos vemos obrigados a repetir esse apelo.

Em 2013, os abusos e violações contra defensoras e defensores dos direitos humanos continuaram e, em alguns casos, se intensificaram. Os que se seguem são apenas alguns exemplos.

No último dia 30 de setembro, dois desconhecidos assassinaram Adelinda Gómez Gaviria e feriram gravemente seu filho de 16 anos no município de Almaguer, estado de Cauca, Colômbia. Adelinda era líder da organização Processo de Mulheres Maciceñas, que se opõe ativamente a uma exploração mineradora na região.

O escritório da associação salvadorenha Pro-Búsqueda, dedicada à busca de vítimas de desaparecimento forçado, foi atacado no último dia 14 de novembro. Três homens armados subjugaram com violência o motorista, o vigilante e o presidente da diretoria da organização. Depois, remexeram nos arquivos e queimaram documentos.

Quando estive na Guatemala, em agosto deste ano, foi muito preocupante ver como tem aumentado os comentários públicos negativos contra defensores e defensoras. Um dos últimos foi proferido pelo ministro da Governança no último dia 26 de novembro. Mauricio López Bonilla qualificou o trabalho de defensores e defensoras de “chantagem e extorsão como a de membros de gangue”.

Em Honduras, após ter visitado o país em maio e ao longo dos meses posteriores, confirmei que os abusos contra os que defendem os direitos humanos continuam aumentando. Em julho, uma defensora e dois defensores (a juíza Mireya Efigenia, o ativista LGBTI Herwin Alexis Ramírez Chamorro e o dirigente indígena Tomás García) foram assassinados em apenas 10 dias. Os membros do Comitê de Familiares de Detidos Desaparecidos em Honduras (COFADEH), organização que há mais de 30 anos busca justiça para centenas de casos de violações dos direitos humanos, sofrem frequentemente intimidações e ameaças. Em 4 de novembro, em um debate televisionado entre candidatos a deputado, um deles acusou a organização de tentar “desestabilizar as eleições”, referindo-se a suas ações para dar visibilidade à crise de direitos humanos que vive o país.

A impunidade continua sendo a regra nestes casos. Às vezes, falamos de impunidade sobre impunidade. Dia 21 de novembro foi o segundo aniversário do assassinato de Nepomuceno Moreno Núñez, em Hermosillo, estado de Sonora, México. Destacado membro do Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade, Nepomuceno pedia justiça para seu filho, desaparecido à força em julho de 2010. Os dois crimes continuam impunes.

Nem tudo é negativo. Em alguns casos houve avanços importantes ao longo do ano. No Paraguai, após três anos enfrentando um processo injusto e infundado, o juiz decidiu extinguir a ação penal contra quatro membros da Iniciativa Amotocodie. No entanto, o impacto nas vidas e no trabalho destes defensores do povo indígena ayioreo foi de grande proporção.

No Brasil, em 4 de abril de 2013 foram condenados os pistoleiros envolvidos no assassinato da irmã e do cunhado da defensora Laísa Santos Sampaio. Eles eram, como ela, ativistas do meio ambiente que se opunham ao corte ilegal de árvores na floresta brasileira.

Em nível global também houve avanços para a proteção de quem defende os direitos humanos. O Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou uma resolução que exorta aos Estados a estabelecer garantias processuais que impeçam a continuação de causas penais infundadas contra eles. A Assembleia Geral da ONU aprovou no final de novembro outra resolução reconhecendo a importante contribuição das mulheres defensoras de direitos humanos à sociedade e instando os Estados a adotar medidas para a sua adequada proteção.

No entanto, declarações, resoluções e leis estabelecendo mecanismos de proteção não servirão de nada se não vierem respaldas pela vontade política das autoridades de nosso continente, refletidas em medidas e recursos concretos.

As defensoras e os defensores têm feito contribuições cruciais para o avanço dos direitos humanos na América tentando cerrar a brecha entre a promessa de justiça e igualdade em dignidade e direitos formulada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e a realidade. Todos, mas em especial as autoridades, devemos reforçar nossos esforços para defender os que defendem nossos direitos.

*Pesquisadora da Anistia Internacional sobre a situação dos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos na América.

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