Alemães premiam plano contra remoção por causa das Olímpiadas no Rio

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Deutsche Bank destaca projeto dos moradores da Vila Autódromo, na Zona Oeste da cidade, como exemplo de cooperação entre várias entidades.  Apesar da iniciativa, retirada de casas pela prefeitura deve acontecer

Mariana Santos* – Deutsche Welle

Deutsche Bank destaca projeto dos moradores da Vila Autódromo, na Zona Oeste da cidade, como exemplo de cooperação entre várias entidades.  Apesar da iniciativa, retirada de casas pela prefeitura deve acontecer.

“É uma derrota ao projeto olímpico elitista do governo do Rio de Janeiro”, afirma o urbanista Carlos Vainer sobre a conquista do prêmio Deutsche Bank Urban Age Award de 2013, pelo Plano Popular Vila Autódromo.  O projeto, que Vainer ajudou a coordenar, prevê a urbanização e o reassentamento da comunidade dentro da mesma área que ocupam atualmente, na zona oeste do Rio de Janeiro.

O estudo desenvolvido pelos próprios moradores surgiu com o intuito de servir como alternativa a uma polêmica proposta da prefeitura do Rio, que pretende retirar mais da metade das quase 600 famílias de baixa renda que vivem no local, próximo ao nobre bairro da Barra da Tijuca.  Os moradores deverão ser transferidos para apartamentos construídos pelo programa Minha Casa, Minha Vida.

Segundo o júri, que escolheu o vencedor em meio a outros 170 projetos no Rio de Janeiro, o Plano Popular “é um exemplo de parceria” entre diferentes entidades e mostra “como uma comunidade pode ser adaptada para melhorar os padrões de vida de todos os moradores”.  Pelo trabalho desenvolvido, a Associação de Moradores e Pescadores da Vila Autódromo (Ampava) recebeu na última terça-feira (03/12) 80 mil dólares – dinheiro que os moradores esperam poder aplicar no plano que criaram.

Prefeitura insiste 

No que depender da prefeitura no Rio, no entanto, esse recurso precisará ter outra destinação.  As autoridades insistem em um projeto de expansão viária e na construção do acesso ao futuro parque olímpico exatamente no local.  A prefeitura alega ainda que uma faixa de 25 metros em torno de uma lagoa precisa ser desocupada.

Apresentado para a prefeitura no ano passado, o Plano Popular chegou a ser considerado “mais adequado” do que o projeto oficial em avaliação do Grupo de Trabalho Acadêmico Profissional Multidisciplinar – formado por entidades civis – em agosto passado por considerar a implantação de infraestrutura básica, urbanização e por manter a coesão social.  Professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que apoia os moradores, Vainer ressalta ainda que a proposta sairia 25% mais barata aos cofres públicos.

Para descartar o Plano Popular, a prefeitura reafirma que a proposta leva em consideração apenas questões ambientais – sem resolver o problema das obras que atenderão aos Jogos Olímpicos, que deverão passar por áreas ocupadas atualmente por moradores.

As remoções devem começar a partir de fevereiro.  A prefeitura garante que, das 278 famílias que precisam ser retiradas, apenas 30 ainda não concordaram com a transferência para o Parque Carioca.  E, entre as que não receberam o ultimato do governo, 130 teriam procurado as autoridades voluntariamente em busca de um apartamento na nova área ou mesmo pedindo indenização para deixarem sua casa.

Remoções

Vainer acredita a conquista do prêmio concedido pelo banco alemão poderá dar um novo impulso ao movimento contrário à remoção dos moradores.  “Chegamos a um limite”, diz o pedreiro Altair Guimarães, presidente da Associação de Moradores e Pescadores e Pescadores da Vila Autódromo (AMPVA).  O prefeito quer fazer uma limpeza social aqui”, acusa.

Guimarães conta orgulhoso que a comunidade era um modelo de resistência para a população de localidades sob risco de remoção.  A luta pela legalização dos terrenos onde vivem era antiga, ele lembra, já durava mais de 20 anos.

Carlos Vainer ressalta ainda que a área para onde a comunidade está sendo levada oferecerá uma série de dificuldades a seus futuros moradores.  “Lá não tem infraestrutura de escola, de postos de saúde, a de transporte é pior do que a do local onde eles vivem atualmente, afastando-os de seus locais de trabalho”, avalia.  “Haverá uma grande degradação das condições de vida.”  [Obras da Copa e das Olimpíadas têm impactos sociais no país]

Obras da Copa e das Olimpíadas têm impactos sociais no país

Guimarães, morador há 17 anos da vila, afirma que parte dos moradores já se mostra arrependida de ter concordado em sair.  Alguns chegaram a alegar não ter compreendido bem que, consultados pela prefeitura, deram sua anuência pela remoção.  Um abaixo-assinado recolhido pela associação já conta com 270 assinaturas de moradores da Vila Autódromo que afirmam querer permanecer em suas casas.

“A estratégia da prefeitura neste caso vem sendo convencer os moradores de que eles precisam sair, e ainda invertendo a ordem das coisas, pois, de acordo com o papel que eles assinaram, é como se eles mesmos estivessem se propondo a deixar a Vila Autódromo”, explica a defensora pública Maria Lúcia de Pontes, do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

De acordo com Maria Lúcia, que vem acompanhando a situação junto à Ampava, a retirada dos moradores só é definida por lei no caso da desocupação da faixa de proteção da lagoa.  Ela diz que não haveria motivo para ninguém sair por enquanto.

Carlos Vainer critica o que chama de “enorme intransigência” da prefeitura, a qual ele acusa de exercer uma pressão ilegal sobre a comunidade.  “Os últimos meses de negociações se mostraram uma farsa”, acusa o urbanista.  Ele diz que o governo chegou a ceder parte do espaço que precisaria para alargar as avenidas para a construção de calçadas e jardins de bairros nobres próximas – e agora quer compensar esse trecho retirando casas no bairro de classe baixa.

*Edição Rafael Plaisant

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Mayron Borges.

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