Rogerio Almeida – FURO
30 mil famílias moram no Assurini, destas 20 mil são famílias assentadas pela reforma agrária em inúmeros projetos de assentamento, entre eles, Sol Nascente, Morro dos Araras, Itapuama. Existem ainda sítios e fazendas, além de áreas de garimpo, e proximidade com territórios indígenas e um modal de reservas ambientais, entre elas Riozinho do Anfrisio e Verde Para Sempre. A guerra dos mapas ocorre no município de Altamira, sudoeste do Pará, região irrigada pelo rio Xingu, e que é impactada pelos grandes empreendimentos, como a construção de Belo Monte e o projeto de mineração da canadense Belo Sun.
A população de Assurini começou a ganhar musculatura quando a área indígena entrou em refluxo, idos da década de 1970, marcada por políticas de integração econômica da região e a construção de rodovias, entre elas a Cuiabá-Santarém (BR 163) e a Transamazônica (BR 230), que serpenteia a região. A União tutela boa parte do território, graças ao Decreto Lei 1.164, de 1971, onde a federação passou a controlar 100 km de cada lado das rodovias federais, em seguida incentivou a colonização com a criação dos Projetos Integrados de Colonização (PIC´s). Medidas realizadas sob a doutrina de segurança nacional, que efetivou ainda institucionalidades como o Grupo Executivo de Terras do Baixo Amazonas (Gebam) e o Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (Getat), uma espécie de Incra de gandola.
Antes dos planos militares, a seca no Nordeste nos anos 1950 provocou a migração, e cimentou mão de obra barata para o extrativismo da seringa, da castanha e da extração ilegal de madeira. A atividade ilegal de madeira persiste, e tem pressionado as áreas de reservas ambientais da região. O migrante nordestino ajuda a conforma a multifacetada forma camponesa do Xingu.
A precariedade na condição de subsistência, a rotatividade dos “donos” dos lotes, a qualidade do solo, a flutuação dos preços e a distância da sede das cidades influenciam para a permanência ou não do colono ou assentado ainda hoje. Soma-se ao cenário a incerteza se o local poderá ou não ser afetado pelos empreendimentos intensivos em capital, que hegemonizam o processo de redefinição dos territórios xinguanos.
Assurini por dentro
Os cinco quilômetros no rio Xingu que separam a zona rural da sede do município é percorrido de balsa em 45 minutos. Entre outras externalidades o aumento do custo de vida é um dos rebatimentos que marca a implantação dos grandes projetos na região. Alimentação, aluguel de casas, diária de hotel, condução e o preço do translado pela balsa sofreram incremento. No caso da balsa em mais de cem por cento.
No começo do ano a tarifa paga para o deslocamento de uma moto era de R$3,00, no fim do ano alcançou a casa dos R$7,00. Uma casa simples em Altamira em área que será deslocada pode custar até mil reais. As cidades vizinhas vivem realidade semelhante, que tem desdobramentos no campo social, tais como: desagregação familiar, aumento da violência doméstica, do alcoolismo, do uso de drogas e de homicídios.
A via terrestre de acesso à comunidade, Transassurini, passa por reforma, mas mantém pinguelas – precárias pontes feitas de madeira. No percurso é possível avistar castanheiras e açaizais. Entre a paisagem empoeirada de fim de verão avista-se o gado. Babaquara e Conradinho são considerados os principais igarapés. O reparo da estrada se deve ao avanço das obras de Belo Monte e das prospecções da Belo Sun. Existe a promessa de asfaltamento. Moradores atestam que a ideia é viabilizar a comunicação terrestre com o município de São Félix do Xingu, conhecido pela bacia leiteria. O vizinho do sul do estado experimenta passivos de projetos de mineração da Vale.
Em setembro o projeto de energia rural alcançou perto de 300 famílias no Assurini. No entanto os agricultores reclamam da péssima qualidade do serviço da Rede Celpa. Já ocorreram casos da queda de energia ultrapassar a casa dos vinte dias. Outro descontentamento é o preço da tarifa, alguns moradores receberam conta de até R$1.200,00, sem ter com quem reclamar. Cacau, castanha, pesca, caça, criação de pequenos animais garante a sobrevivência da população.
Mobilização por direitos
O Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) e segmentos da Igreja Católica, entre outros sujeitos do campo democrático mobilizam as comunidades no sentido de garantia de direitos. Nesta semana realizaram uma reunião que contou com a participação de perto de 60 pessoas. A comunidade será afetada pelo empreendimento de Belo Monte.
Os moradores elaboraram uma pauta para diferentes setores públicos e privados, e convidaram os mesmos para a efetivação de um diálogo. Ibama, Norte Energia, Rede Celpa, INCRA e EMATER foram convidados. Destes somente INCRA e EMATER compareceram. Populares queixam-se que omitir e sonegar informações tem sido prática recorrente da Norte Energia, que as vezes não recebe nem pesquisadores.
A pauta de reivindicações para o consórcio exige o cumprimento do Plano Básico Ambiental (PBA) e do Termo de Compromisso firmado com o INCRA em 2010. Em tese as obras só poderiam ter iniciado após o reassentamento das populações atingidas. Entre outras questões a pauta dirigida para a Norte Energia trata do reassentamento das famílias, subsídio do translado da balsa, manutenção do preço do pé de cacau em R$98,00 e a responsabilização sobre a manutenção de 100 operários da empresa Naturasul, que deve em breve ocupar área no projeto de assentamento Sol Nascente. A população teme pela acentuação da desagregação e insegurança da comunidade.
Para o INCRA os moradores exigem a desapropriação de grandes áreas. A questão fundiária é a mais delicada. Nos assentamentos há casos de lotes terem sido negociados várias vezes, apesar da proibição em lei. O local conhecido como Paial sofrerá com a construção da barragem. Os agricultores temem perder a terra. O representante do INCRA garantiu que o morador que comprou terra de forma ilegal, mas que tem vocação para o trabalho rural será reconhecido. A presença de fazendeiros é outro ponto a ser equacionado.
Na quebra de braço entre o grande capital e as populações locais, a Norte Energia tem tomado como base jurídica legislação da década de 1940, que concede ao setor privado o poder em desapropriar. O remanejamento da população de Santo Antônio no Xingu tem sido o caso mais emblemático da assimetria de força entre os envolvidos da disputa pelo território.
Como metodologia para o afetado que optar por indenização o consórcio concede uma carta de crédito. Em meio a um caos fundiário e grilagens de terras, o impactado fica obrigado em conseguir encontrar uma terra com título legítimo, para que o processo encerre.
Outro ponto nebuloso é a não remuneração das áreas verdes dos lotes. A empresa indeniza somente áreas que possuam plano de manejo, apesar do serviço ambiental prestado e o respeito à legislação, que obriga a manutenção de 80% de reserva da floresta. Moradores lembram que por conta das obras ocorreu um esvaziamento da população mais jovem para a cidade de Altamira, e consequentemente para os canteiros da barragem. O campo de futebol ficou relegado ao abandono. E não se encontra gente disposta ao penoso trabalho na roça.
Pará grilado
6.102 títulos de terra registrados nos cartórios estaduais possuem irregularidades. Somados, os papéis representam mais de 110 milhões de hectares, quase um Pará a mais, em áreas possivelmente griladas. Os dados resultam de três anos de pesquisa dos órgãos ligados à questão fundiária no estado, através da Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas à Grilagem (Tribunal de Justiça, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Advocacia Geral da União, Ordem dos Advogados do Brasil, Federação dos Trabalhadores na Agricultura, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, Comissão Pastoral da Terra e a Federação da Agricultura do Estado do Pará). O documento foi apresentado em 30 de abril de 2009 no auditório do Ministério Público Federal (MPF)
Conforme o site do MPF, a magnitude dos problemas nos registros – que abrangem de fraudes evidentes a erros de escriturários – levou a um pedido, dirigido à Corregedoria do Interior do Tribunal de Justiça, para que iniciasse imediatamente o cancelamento administrativo de todos os títulos irregulares, já bloqueados por medida do próprio TJ. Na época a desembargadora Maria Rita Lima Xavier, corregedora do interior, negou o pedido no último mês de março.
O cancelamento dos títulos vai evitar a criação de seis mil processos para o cancelamento dos títulos que podem durar infinitos anos no tribunal já sobrecarregado. Com o indeferimento da desembargadora Maria Rita Lima Xavier, a comissão recorreu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o mesmo defira pelo cancelamento dos títulos falsos.
Felício Pontes Jr, procurador da República e representante do MPF na comissão, argumenta que os indícios de fraude são evidentes demais para ficarem esperando processo judicial. O pedido de cancelamento dos títulos é subscrito pelo Ministério Público do Estado, Instituto de Terras do Pará (ITERPA) e a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e foi enviado ao CNJ através dos Correios no mesmo dia de apresentação dos dados.
Entre os episódios de grilagem mais famosos do Pará está o do “fantasma” Carlos Medeiros, ente jurídica e fisicamente inexistente que acumula 167 títulos de terra irregulares. Todos os títulos de Medeiros que somam 1,8 milhões de hectares estão bloqueados. As terras se espraiam em dez municípios paraenses. A mesma situação nubla os empreendimentos da Agropecuária Santa Bárbara Xinguara S/A., no sudeste do estado, do banqueiro Daniel Dantas.