ES – Pescadores de Aracruz querem que Jurong pague indenização retroativa

Foto: EJA
Foto: EJA

Construção do estaleiro impede, há dois anos, que as famílias que vivem da atividade em Barra do Riacho garantam seu sustento

Any Cometti, Século Diário

Os pescadores de Barra do Riacho, em Aracruz (norte do Estado), prejudicados pela instalação do Estaleiro Jurong em sua antiga área de pesca, pretendem enviar um novo pedido ao Ministério Público Estadual (MPES), para que sejam indenizados por todo o período de instalação do empreendimento. A informação é do presidente da Associação dos Pescadores da Barra do Riacho e da Barra do Sahy, Vicente Buteri.

A decisão judicial da última semana, em caráter liminar, que obriga a empresa de Cingapura a indenizar 200 famílias prejudicadas pelos impactos, só considera o período da data do julgamento para frente, ou seja, não é retroativa.

Desde janeiro de 2012, quando o empreendimento se instalou na localidade, os pescadores são impedidos de realizar suas atividades. Além do pagamento retroativo, os pescadores querem que a verba arrecadada com a venda do calcário que será extraído nas escavações do estaleiro seja completamente revertida à comunidade. Segundo Buteri, a própria Jurong estimou o valor em R$ 350 mil. Ele também expôs que a indenização, no valor de um salário mínimo (R$ 678), não é suficiente para indenizar os pescadores por tamanha perda.

As famílias da região perderam toda a sua área de pesca com a instalação do estaleiro. A área, que antes tinha uma rica biodiversidade e ampla disponibilidade de lagostas, camarões e diversos outros animais marinhos, hoje se encontra completamente devastada. A ação civil pública que deu origem à decisão sobre o pagamento de indenizações, destaca trecho do Processo Administrativo n.º 46181938, no qual o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) reconheceu que o impacto decorrente das intervenções e operações marinhas, no que tange à perda de ambientes naturais, será “(…) negativo, direto, real, permanente, de prazo imediato, irreversível, com extensão local e de magnitude grande”.

O documento ainda qualifica a exclusão de área pesqueira e a instalação de estruturas do empreendimento sem qualquer compensação/indenização prestada aos pescadores como dois fatores que afetam diretamente as comunidades locais. Até mesmo a navegação no entorno foi impedida com a instalação do quebra-mar, “que afeta diretamente a navegação na localidade, o modo de vida da comunidade e a sua geração de recursos, frise-se, sem que tenha havido até a presente data qualquer compensação para este impacto financeiro”.

No processo, é detalhado, ainda que o Estaleiro Jurong Aracruz (EJA) reconheceu a necessidade da indenização às comunidades pesqueiras pelo impacto negativo que causa à região, tendo em vista a inviabilidade da aplicação de medidas mitigatórias para todos os impactos socioeconômicos e ao ambiente marinho e costeiro.

No Relatório de Impacto Ambiental (Rima), o estaleiro ainda reconhece que no Estado há uma das faunas de peixes mais ricas do país, com um total de 39 espécies, e detalha a atividade pesqueira mais expressiva nas comunidades da Barra do Sahy e Barra do Riacho, justamente a área de impacto do empreendimento. Mas afirma, “categoricamente, que haverá exclusão de área de pesca e que deve compensar os danos ambientais decorrentes de sua interferência na atividade pesqueira”. No entanto, nenhuma contraprestação foi apresentada pela empresa como forma de compensação aos prejuízos.

Favorecimentos

O EJA é um empreendimento da Jurong do Brasil, empresa que recebeu apoio dos órgãos públicos para garantir sua participação no processo de licitação de empresas construtoras de sondas e navios de perfuração para a Petrobras. A Licença Prévia (LP) do empreendimento foi obtida com o apoio do Conselho Regional de Meio Ambiente (Conrema III), em uma análise recorde de seu Estudo de Impacto Ambiental (EIA) por parte do Iema, cuja diretoria foi acusada de ter revertido o indeferimento da LP, recomendado pelo corpo técnico responsável pela análise dos impactos que serão gerados pelo empreendimento na região.

A Associação Capixaba de Proteção ao Meio Ambiente (Acapema) denunciou, em 2010, que o estaleiro não realizou Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) para o licenciamento do empreendimento, como determina a lei.

O acordo para a implantação do estaleiro Jurong em Aracruz foi firmado em 2008 entre a Jurong do Brasil e o governo do Estado. A instalação é composta de plataformas de petróleo, de sondas e de reparo naval e atividades de intenso impacto ambiental, que podem provocar colapsos na biodiversidade local, uma vez que parte do terreno onde o estaleiro é instalado é Área de Preservação Permanente (APP) e próximo ao terminal da Portocel, que pertence à Aracruz Celulose (Fibria), e já gera inúmeros impactos à pesca local.

Além de degradar a unidade de conservação, dos impactos socioambientais com a migração de trabalhadores e da restrição da área de pesca e navegação, o empreendimento poderá causar danos às populações indígenas e de pescadores, que já têm grande limitação de atuação na área, principalmente por conta dos intensivos plantios de eucalipto da Aracruz Celulose.

Apesar dos danos que serão levados ao local pela empresa, a prefeitura do município fez a doação da área onde será instalado o estaleiro, que tem 825 mil m² e foi estimada em R$ 25 milhões. A doação aponta para a criação de uma lei municipal, que entrou em vigor simultaneamente aos interesses da construção do estaleiro, em 2009. Como tentativa de legitimar a doação de área pública ao empreendimento, o ex-governador Paulo Hartung (PMDB) já havia decretado o estaleiro como de utilidade pública.

Desde 2010, a região recebe trabalhadores de diversas partes do País, atraídos pelas falsas promessas de emprego oferecidas pela Jurong e pela Petrobras na região. Os que não foram contratados pela Petrobras ficaram, como uma população flutuante, aguardando os serviços da Jurong. Enquanto isso, após a fase de obras, esses trabalhadores não são absorvidos, o que gera um grande problema social.

No mesmo ano, o Conrema III aprovou a supressão de vegetação de restinga para a construção do estaleiro. Anteriormente, a Jurong já havia sido multada por desmatar mais do que o autorizado na região e por manejar animais da fauna local sem autorização do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Em 2012, um documento da ONG Amigos de Barra do Riacho foi protocolado na empresa e no Iema solicitando a suspensão total do processo, que não prioriza as comunidades diretamente afetadas e vizinhas ao empreendimento. Nesse documento, era relatado que a empresa dava “preferência para apadrinhados políticos que nem de perto sofrerão os impactos diretos”.

Em novembro, o EJA requereu ao Iema as licenças de Instalação (LI) e de Operação (LO) para dragagem de aprofundamento de calado na área onde será instalado o estaleiro. As autorizações foram requeridas ao mesmo tempo, sendo que a LI define condicionantes a serem cumpridas para que a LO seja obtida. Já nessa segunda-feira (2), foi publicado no Diário Oficial que o EJA requereu, novamente do Iema, a Licença de Operação (LO) para sua oficina de cascos provisória.

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