Povos indígenas e o debate sobre politicas públicas

SEMINÁRIO de Políticas Públicas e Povos Indígenas aconteceu no Acre 5 a 7 de novembro - Foto: Nilson Tuwe Huni Ku?
SEMINÁRIO de Políticas Públicas e Povos Indígenas aconteceu no Acre 5 a 7 de novembro – Foto: Nilson Tuwe Huni Ku?

Gleyson de Araujo Teixeira – Página 20

Notáveis acontecimentos dominaram o cenário acreano e os povos indígenas este mês de novembro. Coroado com o resultado da premiação, em que a CPI/Acre levou o 1º lugar do Premio Tecnologias Sociais da Fundação Banco do Brasil, o mês começou com a realização do Seminário de Políticas Públicas, entre os dias 5 a 7 de novembro, no Centro de Formação dos Povos da Floresta. O que se assistiu no seminário e resultou em uma solicitação ao Ministério Público Federal, foram depoimentos que mostraram desencontros entre as políticas públicas e sua realização. Se avanços significativos foram alcançados nas políticas propostas a partir de 1999 incorporando demandas indígenas, a execução das mesmas, hoje, exigem consertações imediatas. Para mostrar isso, as lideranças destacaram os casos da educação e do apoio produtivo no âmbito da gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas.

Lideranças indígenas representativas de 22 associações solicitaram ao Ministério Público Federal, através da Procuradoria da República no Acre, que acompanhasse e mediasse o diálogo com os governos. A maior parte da carta entregue aos procuradores, referiu- se a setores, programas e ações dos governos, em especial ao do Acre, avaliando sobre a insuficiência do diálogo presente, detalhando e questionando a efetividade e sustentabilidade de muitas ações e a ausência de outras vinculadas, por exemplo, a realização de direitos sociais como a educação.

Dirigiram críticas também às prefeituras e órgãos federais como a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). A situação mais grave e persistente refere-se à assistência à saúde indígena, sobre a qual essas lideranças solicitaram a realização de audiência pública e investigação sobre a gestão dos distritos sanitários especiais indígenas do Alto Purus e Juruá, justificada pela precariedade dos serviços prestados pela SESAI em articulação com as prefeituras no interior do estado. Sobre a FUNAI é seu enfraquecimento que acarreta lentidão nos processos para demarcação e revisão das terras indígenas e a baixa eficácia no monitoramento e avaliação dos programas sociais e de infraestrutura dos governos. São críticas aos órgãos de governo que “cuidam” das políticas indígenas e que repercutem, obviamente, na inoperância e na disfunção da Assessoria de Assuntos Indígenas do Governo do Acre e da própria FUNAI.

A decisão de envolver o Ministério Público Federal ocorreu após uma avaliação dos oito meses que se seguiram ao encontro de março, realizado também no Centro de Formação dos Povos da Floresta, em Rio Branco, reunindo lideranças de muitas Terras Indígenas que debateram as políticas públicas para os povos indígenas no Acre. Na ocasião, foi elaborado um documento intitulado “Carta das Lideranças Indígenas para os Governos e Sociedade”, recebido por assessores e secretários estaduais e pela então presidente da Funai, que até hoje não encaminharam os assuntos em pauta.

É importante dizer que desde 2010, eventos como seminários, oficinas e reuniões em Rio Branco e Cruzeiro do Sul foram promovidos para esse fim com o apoio e assessoria direta do Programa de Políticas Públicas e Articulação Regional da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/AC). Em todos os encontros, um número expressivo de lideranças e associações indígenas compareceu. Portanto, a falta de avanços no diálogo, sua gradual descontinuidade e, a ausência de resposta à carta de março e de esforços para o atendimento das recomendações, justificaram a manifestação junto ao Ministério Público Federal para que interviesse nesse contexto, cobrando dos órgãos governamentais a implantação de direitos garantidos pela Constituição de 1988, pela legislação infraconstitucional subsequente e o que declara a Convenção 169 da OIT.

Não se pode estancar as conquistas. Elas devem evoluir. O destaque antes conquistado pelo Acre no país a partir de práticas educacionais interculturais conduzidas por comunidades e organizações indígenas e indigenistas desde os anos 1980 e que foram orientadoras de políticas educacionais no estado, estão se perdendo. A educação escolar indígena encontra-se hoje estagnada, depende não apenas de uma institucionalidade que não se realizou depois de todos esses anos, como também de ações estruturantes que deixaram de ocorrer e essa ausência teve repercussão no trabalho realizado pelos professores nas escolas em suas aldeias. Para citar exemplos: 4 anos sem realizar cursos de magistério indígena; e, a criação da categoria escola indígena, assegurando a especificidade do modelo de educação intercultural e sua regularização junto aos seus sistemas de ensino, não ocorreu por aqui.

Para completar, a Secretaria de Estado de Educação anuncia um concurso público para o cargo de professor em escolas não indígenas e não considera a situação da grande maioria de professores indígenas que continuam todos os anos a trabalharem com contratos provisórios. Se para isso, é preciso antes a criação da categoria escola e professor indígena, por que isso não ocorreu? Como falar em valorização e profissionalização do professor indígena nessas condições? Algumas iniciativas pedagógicas interessantes propostas pela equipe da Coordenação de Educação Escolar Indígena da SEE encontram-se inclusive ameaçadas pela pouco investimento realizado em ações estruturantes, como as destacadas anteriormente.

Outra área debatida pelas lideranças foi a produção sustentável, um dos eixos do que foi o Programa de Inclusão Social e Desenvolvimento Econômico Sustentável do Estado do Acre (PROACRE), pensado na relação que deveria ter com a gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas (PGTI-PROACRE). O problema não está na falta de investimentos, mas na capacidade de fazer aquilo que é o certo para se alcançar os objetivos propostos, escolhendo os melhores meios e eficiência na aplicação de recursos para isso. Já existem políticas adequadas que devem ser executadas. Demandam para isso um diálogo contínuo, consultando as comunidades em momento oportuno, com procedimentos acordados com elas e com tempo suficiente, como previsto na plenitude do direito de consulta.

Outro ponto do debate diz respeito ao reconhecimento, valorização e profissionalização dos agentes agroflorestais indígenas (AAFIs) e o estabelecimento de parcerias com organizações indígenas e indigenistas que os apoiam.

Os agentes agroflorestais indígenas conquistaram em suas comunidades, reconhecimento pelo importante trabalho que realizam não apenas sobre o ponto de vista do que assumem como mediadores interculturais de práticas de manejo da agrobiodiversidade, de processos educativos, mas também pelo papel que desempenham como novas lideranças a apoiar as tradicionais, agindo como interlocutores para execução de políticas que conciliem conservação dos recursos naturais, controle político sobre seus territórios e valorização cultural.

Boas condições para o pleno exercício das atividades desses profissionais, sua remuneração efetiva e recursos para sua formação no ensino médio intercultural profissionalizante, ainda carecem de investimentos do poder público.

As inúmeras colocações e análises das lideranças mais uma vez deixam uma lição: insistir no trato das questões e projetos indígenas no varejo, não articulando-as em planos e políticas consensuadas com as representações indígenas e sociedade civil não mudará o quadro preocupante e nem trará para o debate os principais atores e instituições que, contrários a isso, se manifestaram. Não dá para vencer o déficit na ação pública, pensando de maneira fragmentada. Cada setor citado aqui deveria repensar suas práticas e apresentar planos, da mesma forma como são apresentados pelas comunidades e associações, que estão discutindo internamente, se redefinindo na maneira que desejam dialogar. O desejo expresso por todos os presentes ao mencionado seminário é esse de estarmos juntos, em diálogo sempre e nas condições necessárias para isso.

*Coordenador do Programa de Educação e Pesquisa Indígena – CPI/AC.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.