Vítima de racismo enfrenta barreira para denunciar agressor

Fábio Lira, 33, procurou a delegacia, mas os policiais se recusaram a tipificar o crime como racismo
Fábio Lira, 33, procurou a delegacia, mas os policiais se recusaram a tipificar o crime como racismo

Maíra Azevedo – A Tarde Online

Desde 1989 que a prática de racismo é crime no Brasil. Conforme a Lei Federal nº 7.716/89, conhecida como Lei Caó – em homenagem ao seu autor, o ex-deputado Carlos Alberto Oliveira dos Santos -, quem for pego ao cometer ato racista pode ser preso por até cinco anos e será obrigado a pagar multa, definida pelo juiz.

Ainda que seja um crime inafiançável (não pode ser relaxado a favor de quem comete o ato) e imprescritível (quem cometeu o delito pode ser preso a qualquer tempo, mesmo que se passem anos), levar casos de racismo adiante requer paciência e conhecimento jurídico.

O músico Fábio Lira, de 33 anos, sabe muito bem disso, após ter sido discriminado em um grande shopping de Salvador, ao ser xingado por outro cliente de “preto, f… e cabelo rasta podre”.

Ao chamar a segurança do shopping, foi transformado de vítima em agressor. Ao chegar à delegacia para prestar queixa, os policiais se recusaram a fazer um boletim de ocorrência em que o fato fosse tipificado como racismo.

“O cara gritava e perguntava quem eu era. E quando eu disse que ele ia pagar pelo que fez, ele disse: ‘Vá chamar quem você quiser, eu trabalho em um banco e isso não vai dar em nada, seu otário’. E de fato não deu”, relatou o músico.

O fato foi enquadrado como “vias de fato”, e Fábio foi orientado a fazer acordo com seu agressor, pois suas testemunhas já não poderiam mais depor a seu favor, já que também entraram no mesmo processo e, se desse prosseguimento ao caso, teria de arcar com os custos de um advogado e pagar dez cestas básicas, no valor de R$ 1.200.

“Eu não tinha condições. Tive que pagar R$ 300 ao advogado e, mesmo assim, estava fora do meu orçamento. Com o ocorrido, aprendi que tenho que ficar mais ligado. É um sentimento de revolta e tristeza. Agora já sei o que fazer, me rebelo mesmo contra qualquer ato racista”, diz.

Segundo Samuel Vida, professor de direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e advogado, a falta de condições formais, como provas e testemunhas, são os principais entraves para transformar casos de racismo em processos judiciais.

“O racismo é um crime muito fácil de ser cometido sem deixar vestígios. Muitas vezes acontece sem a presença de testemunhas ou de pessoas que são facilmente neutralizadas”, diz.

“Crimes de racismo só podem ser julgados se forem movidos por meio de ação penal pública, cujo autor  é o Ministério Público. Portanto, se  o MP entender que não houve racismo, o inquérito é arquivado e a vítima não pode fazer mais nada. O racismo no Brasil se aproxima do crime perfeito. Não deixa vestígios e é a vítima que fica constrangida”, explica o professor.

Resistência

Atual titular do Grupo de Atuação Especial de Combate à Discriminação – Gedis, do Ministério Público, a promotora Grace Campelo Apolonis orienta que, mesmo encontrando dificuldades para prestar queixa em alguma delegacia, devido à resistência dos policiais, é fundamental que a vítima não desista e procure a sede do MP, em Nazaré, para formalizar a denúncia.

“É fundamental prestar a queixa, para que o fato seja apurado e o responsável seja punido. Trata-se de uma violação dos direitos humanos. Mas, infelizmente, o racismo institucional está presente nas próprias delegacias, que tentam amenizar a situação dizendo que foi discriminação social ou injúria”, reconhece a promotora.

Secretário estadual de Promoção da Igualdade, Elias Sampaio reconhece as dificuldades de denunciar o racismo, mas afirma que a implantação de uma delegacia especial para o assunto está sob análise do governo.

“Essa é uma demanda antiga do movimento negro. Ainda este ano, vamos inaugurar o Centro de Referência ao Combate ao Racismo e Intolerância Religiosa. A obra está em fase final, mas isso não descarta a criação da delegacia”, afirma.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.

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