Injustiças não acontecem no Brasil. Mas vamos fazer de conta…, por Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Suponhamos que um acampamento indígena fosse atacado no Mato Grosso do Sul ou na Bahia por milícias de fazendeiros e indígenas acabassem sendo assassinados. É claro que um país onde crianças se lambuzam de tinta guache e se enchem de pena de galinha e tangas de cartolina para ficarem “parecidas” com populações tradicionais a cada 19 de abril não teria coragem de fazer tal atrocidade. Mas suponhamos, como mero exercício de retórica.

Certamente representantes do governo federal repudiariam fortemente o ocorrido, demandariam a rápida investigação sobre as causas do atentado e a devolução do território aos indígenas caso, até porque a ditadura militar e o discurso dos grandes “desertos verdes”, que justificaram genocídios pelo interior do país, não mais existem. Da mesma forma, ficou para trás, nos Anos de Chumbo, o desejo do crescimento a qualquer preço.

Portanto, se por uma dessas impossibilidades estatísticas, fosse descoberto que a incompetência do próprio Estado brasileiro em devolver terras ocupadas ilegalmente pela agropecuária fosse a principal causa, não tenho dúvidas de que o governo indenizaria os índios com o dobro do valor que foi emprestado pelos bancos públicos a essas fazendas.

Da mesma forma, se funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego, durante uma fiscalização de rotina, fossem emboscados e chacinados em um Estado pujante, como Minas Gerais, os envolvidos seriam descobertos e julgados imediatamente.

E a Assembleia Legislativa nunca condecoraria os réus pelo crime com uma de suas mais altas comendas. Pelo contrário, repudiaria fortemente o ocorrido e os condenaria ao esquecimento. Uma injustiça dessas não aconteceria na terra de Tiradentes, nunca.

Outro ponto: como sabemos, ricos e pobres vão para a cadeia pelo mesmo tempo e nas mesmas condições quando cometem os mesmos crimes. Nunca uma pessoa que assaltou uma casa teria uma pena desproporcionalmente grande em comparação a um ex-diretor de um grande veículo de comunicação que matou a namorada, por exemplo. Afinal, no Brasil, toda a Justiça é cega e não vê conta bancária.

E também sábia e justa. Nunca a Justiça mandaria uma pessoa para a cadeia por ter furtado um xampu e um condicionador. Afinal os custos  para o sistema público seriam enormes e isso seria enviar a pessoa a uma escola de crime por algo que talvez se resolvesse com um emprego. E se, uma vez presa, essa pessoa perdesse um olho envolvida em uma briga, seria imediatamente solta porque o Estado reconheceria que não teria sido capaz de garantir a integridade de alguém sob seus cuidados.

A Justiça brasileira também não mandaria ninguém para a prisão por roubar dois pacotes de biscoito e um queijo minas a fim de saciar a fome. Que covil de lobos seria nossa sociedade se isso acontecesse?

Ou ainda, se uma pessoa roubasse coxinhas, pães de queijo e um creme de cabelo em um supermercado de uma grande rede e seguranças da empresa terceirizada espancassem essa pessoa até a morte, no mínimo, a rede seria responsabilizada pela contratação dos jagunços.

Até porque se um desembargador espancasse um homem inocente, ao confundi-lo com um assaltante, seria condenado e preso por aqui.

E quando uma mulher condenada a dois anos de prisão por roubar uma caixa de chicletes pedisse revisão da pena ao Supremo Tribunal Federal, a corte certamente lhe daria um habeas corpus. Se ela garante isso a empresários envolvidos em crimes muito piores que envolvem milhões sob a justificativa do direito à dignidade, por que não daria para alguém que roubou algo mais barato que a conta da lavagem da toga do magistrado?

Ainda bem que o Brasil não é assim. Durmam tranquilos.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.