20 de novembro: Dia da Consciência “Branca”?

protestomascarasCENPAH* – A data de 20 de novembro, como Dia Nacional da Consciência Negra, foi regulamentada pelo projeto lei número 10.639¹, no dia 9 de Janeiro de 2003. A data foi escolhida, como um dos marcos histórico dos movimentos sociais negros, pelo fato de: em 20 de Novembro de 1695, ter sido assassinado Zumbi – líder do Quilombo dos Palmares, considerado por muitos historiadores do Movimento Negro, como o maior e o mais importante líder das Américas. As explicações são muitas para o reconhecimento deste feito histórico, dentre elas: o fato de Zumbi dos Palmares ter liderado a luta de resistência à dominação/exploração e a escravidão colonial português no Brasil, ao criar uma República livre e democrática – com a participação de negros livres, ex-escravos, escravos fugidos, perseguidos pela justiça, indígenas e brancos pobres. Num estado escravocrata e elitista, controlado por uma minoria branca, Zumbi, assim como tantos negros que na atualidade  ameaçam o poder dominador, passou a representar um perigo à dominação branco-cristã na “América portuguesa”.

Para os que descendem desta minoria, ainda hoje privilegiada, o Brasil é “paraíso racial”, de “mistura das raças” e de muitas cores. Na contramão desta posição está a militância negra, que vê com prioridade esta data comemorativa e coloca na mesa de discussão a temática racial, isto é, as falas e posicionamentos do Movimento Negro sobre o Dia Nacional da Consciência Negra.

Entre os questionamentos mais corriqueiros, sempre aparecem as seguintes perguntas: “para que falarmos em consciência negra, se aqui todos somos irmãos”? Ou então trazem a tônica, frases como: “não venha com essa coisa de querer dividir, isto é racismo ao contrário”. No entanto, para além da constatação e das pesquisas feitas por ONGs e órgãos governamentais, negra é a cor da negação e do extermínio no Brasil. Para elucidar tal fato, em meio a centenas de tantos outros que podem ser salientados, citamos o recém caso da cidade de Curitiba, vista por muitos como a “Europa” no Brasil, que revogou o feriado do dia 20 de Novembro, por ser considerado prejudicial à economia da cidade, como se quem carregou nas costas  a economia paranaense, dando sangue, suor, lágrimas e a própria vida, não merecesse um dia para celebrar seus heróis.

A revogação do dia nacional da consciência negra em Curitiba

Pois bem, este acontecimento nos leva a pautar os seguintes questionamentos :

  • Por que será que qualquer expressão de valorização da identidade negra, se torna prejudicial?
  • Por que será, que ainda hoje, nos espaço televisivos (como novelas, jornais, etc..) os artistas negros sempre tem, quando tiverem, um papel ínfimo, inexpressível ou insignificante?
  • Será que negra (o) só é lindo ou tolerado (a), quando serve de objeto sexual, costumeiramente ridicularizado nos programas televisivos de humor racista, como está acontecendo hoje na escolha da “globeleza 2014” que, justo no mês da consciência negra, recalca o papel da mulher negra como  a da “mulata sensual do carnaval”?
  • Ou será que fomos educados em aceitar que o lugar do negro neste país é tolerado (a), quando fica parado na porta dos shoppings, garantindo a segurança das criancinhas de famílias de forte poder aquisitivo, enquanto as suas estão à mercê do descaso, da violência nas ruas e periferias abandonadas deste país?

Nesta situação histórica de aniquilamento racial, de manipulação sócio-educativa, qual é a consciência que deve ser celebrada neste dia 20?

Para quem trabalha o tema da africanidade e da identidade afro-brasileira a resposta parece ser unívoca, estamos ainda celebrando uma consciência “embranquecida” e os sinais desta artrose identitária aparecem em todo e qualquer lugar, especialmente nos nossos adolescentes que, através dos seus corpos, sabem muito bem reproduzir os sinais de uma sociedade doente e racista. Poucos parecem se importar com esta parte da população que é alvo de agressões midiáticas e religiosas, de ameaças e ataques diários em nome de uma suposta “segurança pública” – aos negros, ainda resta o confinamento em áreas de riscos, com total abandono do poder público. Todos os dias negros(as) são mortos, encarcerados, violentados, abordados pela policia, assustados, diminuídos, entalados em ônibus decadentes, abusados, despojados de direitos mínimos, refém da consciência desviada, imposta e sem perspectiva, frente à ameaça niilista que os ronda.

Uma consciência a ser reconstruída: outro caso emblemático na arquidiocese de São Salvador

Celebrar o dia do Zumbi deveria ser um momento para que a sociedade toda reflita e promova uma reflexão séria sobre o lugar da população negra no Brasil. Porém, em lugar de acolher e promover, ou deveríamos dizer: devolver esta consciência a este país, nos encontramos diante de escolhas institucionais, religiosas e midiáticas retrógradas, colonialistas e reacionárias.  Um exemplo, que pode ser definido como gritante, está muito perto dos baianos. Na arquidiocese de São Salvador (Ba), composta na sua maioria de fieis e padres afrodescendentes, o jornal oficial da arquidiocese, o jornal São Salvador,  neste mês da consciência negra  não menciona e  nem tão pouco cita uma linha sobre a identidade dos negros/as e de suas contribuições no interior da Igreja. Ao contrario, as escolha editoriais dos últimos boletins parecem realçar a invisibilidade da cor das “ovelhas negras” que constituem o rebanho católico soteropolitano.

Estes fatos nos dão a impressão  que o dia da Consciência Negra, tornou-se uma opção eleitoreira, folclórica e genérica, feita para “inglês vê”, que enfraquece, desvia e destorce a luta do povo negro.

Enfim, celebrar o dia da Consciência Negra e a morte Zumbi dos Palmares deveria ser o dia, em que toda a sociedade brasileira, refletisse sobre toda a situação exposta, pois, refletir sobre esta temática, é repensar nossa a trajetória como cristãos negros ou não.  Afinal, “Você sabe a cor de Deus? Quem sabe não revela”. (…)

O que esperamos, é que neste dia, a mediocridade cultivada nas consciências do povo brasileiro, possa ser quebrada pelos que ainda vão para as ruas celebrar ZUMBI, cientes que este dia é uma oportunidade de devolver a verdadeira cor/etnia a milhões de consciências adormecidas, silenciadas pelas máquinas ideológicas que não querem abrir mão dos seus privilégios adquiridos com o sangue e a vida dos negros (as) deste país.

Viva Zumbi!

*Autores: Pe. Arturo Bonandi, Professor Renato Soares

Nota:

(1) Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, em todos os níveis, no âmbito de todo o currículo escolar. Por uma questão histórica e de mérito, é importante enfatizar, que todas as lutas políticas que antecedem a Lei 10.639/2003, faz parte de uma luta maior do povo negro e, particularmente, de lideranças negras, ampliada o com a Lei 11.645/08 que inclui o legado e estudos atuais das populações nativas, equivocadamente chamados de indígenas.

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