“Martírio”: vamos apoiar Aty Guasu e Vicente Careli a viabilizarem essa denúncia internacional sobre a história e a realidade Guarani e Kaiowá

“Aty Guasu solicita mais esse apoio fundamental de todos(as);, contamos com a participação inesquecível de senhores (as) na construção desse importante registro audiovisual”. 

O Vídeo nas Aldeias integra a rede de apoio e solidariedade aos Guarani Kaiowá propondo ações de formação audiovisual nos acampamentos indígenas e a finalização do longa-metragem Martírio.

Os Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul vivem um cotidiano de guerra civil. São o lado frágil de um conflito que vem se arrastando por décadas, e que tem no início do processo de construção da política indigenista brasileira sua origem. Nos últimos dez anos, as degradantes condições de vida e o confronto entre índios e grandes proprietários de terra se acentuaram de tal forma que a taxa de assassinatos dos Kaiowá, somente na reserva indígena de Dourados, ultrapassa a de países em guerra e é 495% maior que a média brasileira. Associado a essa paisagem de violência, está o massacrante lobby ruralista, em defesa da manutenção dos grandes latifúndios, incorporado pela mídia e promovido por seus representantes no Congresso Nacional e por autoridades do governo. Tentando minar os direitos garantidos aos índios pela Constituição Federal, disseminam um discurso racista, anti-indígena, e fazem deste um embate de forças cada vez mais desiguais.

Diante deste cenário de genocídio, o Vídeo nas Aldeias resolveu propor duas ações, de curto e médio prazo, em parceria com a Aty Guasu, grande assembléia dos povos Kaiowá e Guarani:

1. Concluir o longa-metragem Martírio. Já em fase de produção, o filme contrapõe o discurso dos ruralistas – “vítimas da invasão de suas propriedades pelos índios” – com registros de despejos de aldeias inteiras, em imagens históricas das décadas de 1980 e 90. Os relatos, daquela época e os atuais, do processo de deportação e confinamento ao qual foram submetidos os Kaiowá, elucidam a origem do problema presente, os equívocos dos primeiros anos da política indigenista do governo brasileiro, e a relação de pertencimento e responsabilidade que os Guarani mantêm com seus territórios sagrados.

2. Realizar oficinas de formação audiovisual e equipar com câmeras de vídeo os acampamentos e áreas sob ameaça. Dessa forma, os Kaiowá poderão retratar a rotina de desamparo a que foram relegados e alimentar as redes sociais com denúncias e flagrantes dos abusos sofridos. De porte desses equipamentos, terão oportunidade de propagar informação livre dos interesses da grande mídia, inibindo futuros atos de violência e ajudando a pressionar (em parceria com a ação do Ministério Público Federal) o governo para que assuma as suas responsabilidades.

A tomada de posição e a colaboração da sociedade civil é fundamental local de resistência neste processo. Para pôr essas ações em prática de maneira independente e eficiente, o Vídeo nas Aldeias integrou a plataforma de financiamento coletivo Catarse.

O filme: utilizando um vasto material de arquivo produzido por Vincent Carelli nas décadas de 1980 e 1990, com 70% das filmagens do momento presente já realizadas e o processo de tradução iniciado, o documentário Martírio será concluído a partir da arrecadação via Catarse. O financiamento coletivo vai custear as últimas etapas de filmagem e tradução do guarani para o português; a pesquisa de acervo de noticiários de TV e pronunciamentos na Câmara Federal e no Senado; todo o processo de edição e a fase de finalização.

As oficinas de formação audiovisual: a arrecadação via Catarse vai financiar a compra de seis kits de produção de vídeo para equipar os Kaiowá que vivem em áreas sob ameaça. As oficinas serão realizadas em parceria com a UFMG, num processo de imersão e formação contínua aos moldes do Vídeo nas Aldeias. Essa formação prevê um módulo de mídia livre e redes sociais que será realizado em parceria com a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

Criado em 1986, o Vídeo nas Aldeias (VNA) é um projeto precursor na área de produção audiovisual indígena no Brasil. O objetivo do projeto foi, desde o início, apoiar as lutas destes povos para fortalecer suas identidades e seus patrimônios territoriais e culturais, por meio de recursos audiovisuais. Inicialmente colocando a câmera como ferramenta de comunicação entre comunidades indígenas e não-indígenas, aos poucos o projeto transformou-se em uma escola de cinema para índios. A trajetória do Vídeo nas Aldeias, além de formar a primeira geração de cineastas indígenas, permitiu criar um importante acervo de imagens dos índios do Brasil e produzir uma coleção de mais de 70 filmes (35 deles de autoria indígena), premiados nacional e internacionalmente, transformando-se em uma referência nesta área.

EQUIPE DO FILME MARTÍRIO:

Vincent Carelli (co-diretor): documentarista com 40 anos de indigenismo, fundou em 1986 o projeto Vídeo nas Aldeias. Produziu desde então 18 documentários sobre os métodos e resultados dos trabalhos desenvolvidos em colaboração com comunidades indígenas. “A Arca dos Zo’é” recebeu o primeiro prêmio do 16º Tokyo Video Festival e do Cinéma du Réel, em Paris. A trilogia “O Espírito da TV”, “A Arca dos Zo’é” e “Eu já fui seu Irmão” foi exibida pelo Canal+, na França, e por uma série de TVs públicas pelo mundo. “Corumbiara”, longa-metragem sobre sua trajetória junto aos índios isolados no sul de Rondônia, foi o grande vencedor do 37º Festival de Gramado. Em 1999, Carelli recebe pelo Video nas Aldeias o Prêmio UNESCO na 6ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico por respeito à diversidade cultural e de busca de relações de paz interétnicas e, em 2009, a Ordem do Mérito Cultural, prêmio oferecido pelo Ministério da Cultura.

Ernesto de Carvalho (co-diretor): documentarista e antropólogo, em 2003 iniciou com Tiago Campos Torres o coletivo audiovisual Zumbayllu, que produziu o documentário “No Palácio da Rainha”, sobre a guarda de Congo Feminino Nossa Senhora do Rosário, de Belo Horizonte. Em 2004 coordenou com Tiago uma oficina de vídeo no Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua inspirada no Vídeo nas Aldeias; desta, resultou o vídeo “Procurando Aroldo”. Em 2005 dirigiu, com Carlos Henrique Romão de Siqueira, “Sob o signo da Justiça”, sobre a luta pelas cotas para estudantes negros na UnB. Doutorando do departamento de antropologia da New York University, no programa de “Cultura e Mídia”, dedica-se atualmente à realização de oficinas de formação audiovisual promovidas pelo Vídeo nas Aldeias.

Tonico Benites (consultor): Kaiowá, membro do Conselho Aty Guasu, é doutorando em Antropologia pelo Museu Nacional (UFRJ) e professor da UFGD.

Oriel Benites (consultor e tradutor): Kaiowá, membro do Conselho Aty Guasu e Secretário Geral do Conselho Continental da Nação Guarani, é professor, graduado em Matemática pela UFGD, e aluno das oficinas de formação audiovisual do Vídeo nas Aldeias.

Tita – Tatiana Almeida (editora): montadora de cinema e vídeo, colabora com o Vídeo nas Aldeias desde 2009, realizando oficinas de edição e tradução. Além dos trabalhos feitos em parceria com o VNA, foi montadora dos filmes “Avenida Brasília Formosa” e ”As Aventuras de Paulo Bruscky” (dirigidos por Gabriel Mascaro); “Pacífico”, “4.000 disparos” e “O Levante” (do artista plástico Jonathas de Andrade) e “Balsa” (dividindo a montagem com o diretor, Marcelo Pedroso).

As terras dos Guarani Kaiowá começaram a ser ocupadas pelos brancos no início do século XX. Entre 1915 e 1928, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI, órgão federal criado em 1910) demarcou pequenas reservas destinadas ao recolhimento de milhares de Kaiowá que viviam em seus territórios tradicionais, no sul do estado de Mato Grosso do Sul. Enquanto eram confinados na pequena área demarcada, suas terras sagradas eram expropriadas por fazendeiros e comercializadas pelo Governo Federal, num processo que acarretou a dizimação de centenas de comunidades indígenas. Era prática comum aos novos fazendeiros, apoiados pelos militares doSPI, deportar os Guarani Kaiowá para o confinamento sempre que estes davam continuidade às caminhadas sagradas de seus ancestrais, em seus territórios tradicionais (progressivamente desmatados para dar lugar à criação de gado e à monocultura).
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Frente à falta de perspectivas, enclausurados num pedaço de terra sem qualquer relação com sua ancestralidade, em meio a uma natureza degradada, sem condições para a manutenção de sua cultura e de seu modo de vida, os Kaiowá iniciaram uma penosa sequência de suicídios. Os sobreviventes indígenas ficaram sem terras, abrigados em acampamentos nas margens das rodovias, ameaçados pelos pistoleiros das fazendas. Isolados nesses pequenos espaços, os idosos estão morrendo, as crianças encontram-se desnutridas e doentes, as lideranças foram assassinadas e os que restaram continuam a viver sob ameaças.

É nesse contexto de absoluto colapso da existência, e impulsionados pela prática dos rituais religiosos Jeroky Guasu, que os pajés e líderes políticos Guarani Kaiowá resolvem lutar, de forma sistemática, pela retomada de uma parcela de seus territórios sagrados. Nos últimos 30 anos, eles passaram a investir em táticas pacíficas de reocupação das terras, mas, até os dias atuais, apenas mil hectares foram recuperados, enquanto quarenta lideranças Guarani Kaiowá foram assassinadas e os mandantes e autores dos crimes continuam impunes.

Em outubro de 2012, após receber uma ordem judicial decretando que seriam expulsos mais uma vez de seu território tradicional Pyelito Kue, os Guarani Kaiowá redigem uma carta, na qual declaram que vão ficar e morrer todos, encomendando à justiça brasileira um trator para cavar o grande buraco onde seriam enterrados, nas terras onde também estão enterrados seus antepassados. O anúncio de resistência e morte coletiva é interpretado como suicídio e a carta passa a circular nas redes sociais, deixando estarrecidas a sociedade brasileira e a comunidade internacional. A partir de então, começam a vir à tona as condições às quais estão submetidos os indígenas de Mato Grosso do Sul e cria-se uma corrente de solidariedade em torno da causa, pressionando o Governo Federal a agir até a derrubada da liminar e a garantia de permanência, mesmo que temporária, dos Kaiowá em suas terras.

A circulação da informação via internet e a tomada de posição da sociedade civil foram essenciais para a continuidade da luta indígena pela retomada de seus territórios. As atrocidades cometidas pelos fazendeiros e seus pistoleiros apoiavam-se na total invisibilidade midiática dos Guarani. Estando os interesses dos grandes proprietários de terra em plena consonância com os da grande mídia, sentiam-se assegurados para agir impunemente. Agora, precisam considerar que as denúncias vão percorrer as redes sociais e chegar ao conhecimento de uma parcela considerável da população brasileira.

Num momento em que a ofensiva ruralista contra os direitos dos índios, respaldada por um governo refém do processo eleitoral (quando não, abertamente favorável aos interesses dos latifundiários), pretende chamar para si o controle sobre os territórios indígenas, trazendo para suas mãos a decisão acerca dos processos de demarcação, a sociedade civil se torna imprescindível local de resistência. Vítimas de um complô midiático, político, policial e judicial, em que são tratados como “invasores”, os índios se sentem completamente desvalidos, só lhes restando o apoio do Ministério Público Federal, das ONGs favoráveis à sua causa, e da rede Guarani Kaiowá que se formou em revolta pela violência praticadas contra os povos indígenas. O financiamento coletivo se configura, então, como o meio mais adequado, independente e eficiente para alavancar ações de contestação e urgência deste porte.

O Vídeo nas Aldeias investiu R$ 90 mil de recursos próprios em:

– Duas etapas de filmagem no Mato Grosso do Sul.
– Primeira etapa de tradução do guarani para o português.
– Digitalização do material de arquivo (Umatic, S-VHS, Betacam)
– Organização e consolidação do material filmado na plataforma de edição.
– Início da pesquisa de acervo de noticiários de TV e pronunciamentos na Câmara Federal e no Senado.

Os R$ 80 mil do financiamento coletivo serão utilizados da seguinte forma:

Acesse a campanha e, se puder, contribua: http://catarse.me/pt/kaiowa.

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