Sistema prisional brasileiro é o primo pobre da segurança pública. Entrevista especial com Luís Flávio Sapori

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“Quando o crack cresce numa região, a probabilidade é que cresça o índice de homicídio. Estes são fenômenos sociais bastante associados”, diz  o ex-secretário adjunto da Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais

IHU On-Line – O aumento da violência urbana brasileira está amparado em dois fatores básicos: “a consolidação e o crescimento do tráfico de drogas no Brasil nos últimos dez anos – principalmente do crack, que tem criado um mercado muito lucrativo – e, associado a isso, os homicídios e assaltos”, avalia Luís Flávio Sapori, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.

Ao comentar os dados do Fórum Brasileiro de Segurança, Sapori contrapõe as informações  relacionadas ao aumento da violência com o número de presos. Segundo ele, a prisão de traficantes é “muito mais fácil do que a de outros criminosos, como homicidas, estupradores, assaltantes. (…) Acontece que isso tem sido insuficiente na contenção da violência urbana. Os dados que o Fórum Brasileiro de Segurança divulgou revelam nitidamente que o crescimento do aprisionamento desse tipo de criminoso, pequeno traficante, não foi suficiente para conter a incidência de homicídios e assaltos no país como um todo. Minas Gerais é um estado exemplar, considerando os dados de 2012: é o estado que mais prendeu traficantes neste período, mas, por outro lado, é um estado onde cresceram muito o assalto e os casos de homicídio”. E dispara: “Esse é um dado que serve para repensar a maneira como as polícias e os governos estaduais têm lidado com a repressão do tráfico de drogas”.

Para o ex-secretário adjunto de Segurança de Minas Gerais, o enfrentamento da violência no país depende de mais investimento na abertura de novas vagas no sistema prisional e na construção de novos presídios. “Isto não significa que o Brasil tem de fazer uma política de encarceramento em massa; não é isso. Não se trata de adotar a política que os Estados Unidos adotaram em décadas anteriores, de ampliar e massificar o número de presos. Mas é um dado real que o número de vagas existentes é muito abaixo do que se precisa, porque existe, na prática e no mundo real brasileiro, um número muito elevado de criminosos”.

Luís Flávio Sapori é doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ e foi secretário adjunto de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais no período de janeiro de 2003 a junho de 2007. Atualmente é professor do curso de Ciências Sociais e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública – CEPESP da PUC Minas. Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que análise o senhor faz do dado de que a superlotação das prisões brasileiras aumentou 20% no último ano? O que isso significa?

Luís Flávio Sapori – Significa que, mesmo de forma ineficiente, as polícias brasileiras continuam prendendo criminosos em flagrantes, com prisões provisórias, mas não tem havido o correspondente investimento na abertura de novas vagas prisionais, ou seja, a inauguração de novos presídios. Então, o aumento da atuação policial tem se refletido em colocar esses criminosos nas unidades prisionais existentes, que já estavam superlotadas. Isso significa que o sistema prisional brasileiro continua sendo o primo pobre da segurança pública.

IHU On-Line – Nesse sentido, o senhor declarou recentemente que no Brasil se prende muito e mal, porque as cadeias estão superlotadas de usuários de drogas e pequenos traficantes, ao passo que a polícia não investiga casos mais graves como latrocínio e homicídio. Por que há uma tendência de a polícia agir desta maneira?

Luís Flávio Sapori – Entendo que a prisão do traficante seja muito mais fácil do que a de outros criminosos, como homicidas, estupradores, assaltantes. A prisão do traficante depende muito da ostensividade do policial, principalmente o militar, que faz patrulhamento nas periferias urbanas e, com certa facilidade, identifica aquele indivíduo que está vendendo droga irregularmente. Então, é fácil detê-lo no dia a dia. Além disso, o policial é estimulado a conseguir produtividade na prisão desse tipo de criminoso. Acontece que isso tem sido insuficiente na contenção da violência urbana. Os dados que o Fórum Brasileiro de Segurança divulgou revelam nitidamente que o crescimento do aprisionamento desse tipo de criminoso, pequeno traficante, não foi suficiente para conter a incidência de homicídios e assaltos no país como um todo. Minas Gerais é um estado exemplar, considerando os dados de 2012: é o estado que mais prendeu traficantes neste período, mas, por outro lado, é um estado onde cresceram muito o assalto e os casos de homicídio. Esse é um dado que serve para repensar a maneira como as polícias e os governos estaduais têm lidado com a repressão do tráfico de drogas.

IHU On-Line – Como compreender que os estados do Norte e Nordeste registram mais casos de homicídios (Alagoas, com 61,8 casos por 100 mil habitantes, apesar de estar no primeiro lugar no ranking) e são os estados com menos presos, cerca de 1,7 mil em Roraima, 3,5 mil no Acre e 4,1 mil em Sergipe?

Luís Flávio Sapori – O Nordeste é um caso grave e sintomático de crescimento da violência urbana. O crescimento dos homicídios na região é algo impressionante. Na última década, os casos quase que duplicaram e tudo leva a crer que parte deste problema está relacionado com a ineficiência da polícia local, porque o sistema prisional do Nordeste é o pior do Brasil em termos de qualidade, de salário dos profissionais. Mas, além disso, o tráfico de drogas cresceu muito na região. O comércio do crack está presente em quase todas as cidades do Nordeste, e é impressionante que isto tenha acontecido no bojo de um processo socioeconômico bastante virtuoso, ou seja, o Nordeste se tornou uma região menos pobre e a região do país que mais cresceu economicamente.

IHU On-Line – Este cenário está relacionado com qual fator? É só ineficiência policial?

Luís Flávio Sapori – Em parte sim, porque a região tem as polícias mais capitaneadas pelas elites políticas e oligarquias econômicas locais, ou seja, são polícias com baixíssimo grau de investimento. Para você ter uma ideia, os estados do Nordeste não têm boas delegacias de investigação, as perícias criminais são completamente sucateadas, e tudo isso compromete a eficiência do trabalho policial na repressão do homicídio. Mas também há de se considerar que esta é uma região onde o tráfico de drogas foi ampliado. Quando o crack cresce numa região, a probabilidade é que cresça o índice de homicídio. Estes são fenômenos sociais bastante associados.

IHU On-Line – De acordo com os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo é o Estado com mais presos no Brasil, são 195 mil pessoas, seguido de Minas Gerais, como 51 mil presos, depois Rio de Janeiro (33 mil), Paraná (31 mil), Rio Grande do Sul (29 mil) e Pernambuco (28 mil). A que atribui essa desproporção entre os estados?

Luís Flávio Sapori – São Paulo, desde o ano de 1996, vem investindo muito na abertura de novas unidades prisionais. Isso se acentuou muito na virada dos anos 1990 para os anos 2000, no final do governo Mário Covas, governo Geraldo Alckmin. Este último investiu muito em um sistema penitenciário, com construção de novas unidades, abertura de vagas. Essa foi uma das políticas que norteou a ação do governo estadual no controle da violência, a qual teve relativo sucesso, já que o governo conseguiu, com esse grande investimento no sistema prisional, ajudar na redução dos homicídios no estado.

Mas São Paulo também padece de um grande problema hoje: quase 40% dos presos do estado são por tráfico de drogas. Ou seja, o sistema está superlotado, e São Paulo já não consegue mais reduzir o número de assaltos. Os crimes de assaltos e latrocínios continuam muito elevados em São Paulo, ou seja, o estado está em uma encruzilhada de política prisional, porque tem que priorizar em demasia o aprisionamento de traficantes, com resultados também bastante duvidosos.

IHU On-Line – As pesquisas apontam um déficit de 211 mil vagas no sistema prisional. Como avalia esse dado? Como resolver este problema das prisões brasileiras?

Luís Flávio Sapori – A única maneira de resolver isso é, em boa medida, aumentando investimento na abertura de novas vagas. Isto não significa que o Brasil tem de fazer uma política de encarceramento em massa; não é isso. Não se trata de adotar a política que os Estados Unidos adotaram em décadas anteriores, de ampliar e massificar o número de presos. Mas é um dado real que o número de vagas existentes é muito abaixo do que se precisa, porque existe, na prática e no mundo real brasileiro, um número muito elevado de criminosos. E não são criminosos de baixa periculosidade; nós não estamos falando mais de ladrão de galinhas. O perfil do criminoso brasileiro hoje é violento, que usa arma de fogo, que mata, que assalta, que estupra. É esse o criminoso que tem dominado o cenário urbano brasileiro cotidiano, e esse criminoso, ao ser condenado, tem de ficar preso de acordo com a própria legislação penal. Então a única maneira de resolver ou minimizar o problema é construindo novas unidades prisionais, e infelizmente isso não acontece em um ritmo razoável.

O Ministério da Justiça no Brasil não investe mais de 200 milhões de reais por ano no Sistema Penitenciário Brasileiro, o que não dá para construir dez unidades prisionais; é muito pouco. É uma realidade de quase completo abandono do Sistema Prisional por parte do governo federal e de muitos governos estaduais, que, na prática orçamentária, efetivamente não têm dinheiro para fazer esse investimento. Esta é uma área que precisa de muito apoio financeiro do governo federal.

IHU On-Line – Quanto o Estado brasileiro tem investido em segurança pública nos últimos anos? É possível fazer uma comparação com anos anteriores? E, considerando os investimentos, quais os resultados?

Luís Flávio Sapori – Os dados do Fórum Brasileiro de Segurança têm revelado ano a ano, desde 2007, um crescimento nesse investimento. De 2011 para 2012, esse crescimento superou 10% do montante bruto. Mas o que está cada vez mais claro? Que esse investimento está muito focalizado em pagamento de inativos policiais, por conta do número de policiais aposentados. Isso consome quase metade do dinheiro que os governos estaduais e federal gastam com segurança pública. E isso não se reverte na prática em melhoria da ocupação da polícia, da Justiça ou do sistema prisional. Isso não significa na prática que os carros dos policiais são melhores, que terá gasolina, peças para reposição, que as delegacias vão estar bem equipadas com computadores, que as perícias vão ter equipamentos para a elaboração de laudos. Quando se gasta tanto dinheiro, quase metade com aposentados, de alguma maneira, isso significa que as áreas finalísticas perdem dinheiro. Então, o muito que se gasta, mais de 60 bilhões ao ano, na prática parece muito pouco. O policial, o agente prisional que está na ponta, não percebe esse dinheiro, porque não chega até ele. Esse é um problema complicado que está sendo revelado agora de uma maneira muito clara pelos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

IHU On-Line – Quais são os fatores que favorecem o aumento da violência urbana no Brasil?

Luís Flávio Sapori – São dois fatores básicos: a consolidação e o crescimento do tráfico de drogas no Brasil nos últimos dez anos – principalmente do crack, que tem criado um mercado muito lucrativo – e, associado a isso, os homicídios e assaltos. Segundo, o sistema de segurança pública, entenda-se polícias militar e civil, judiciário, sistema prisional, funciona muito mal. O custo de punir o crime no Brasil é muito baixo, principalmente para homicidas e assaltantes. Então, o crime compensa em alguma medida.

IHU On-Line – Como o crime, a violência e a segurança pública têm sido avaliados estatisticamente após a criação do Sistema Nacional de Estatística de Segurança Pública? Quais os limites da compilação dos dados através do sistema?

Luís Flávio Sapori – Alguns estados brasileiros ainda continuam pecando com a sistematização desses dados, pela baixa qualidade e pela falta de transparência. Muitas vezes o secretário de Segurança Pública prefere manter os dados guardados por medo da repercussão pública. Isso diminuiu, mas ainda existem alguns poucos estados que veem a divulgação com receio.

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