Dilemas do movimento negro com a Seppir

seppirCENPAH* – Esta semana acontece a III Conapir (Conferência Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) em Brasília. A conferência foi convocada pela Seppir (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e constituiu-se de um longo processo com conferências em âmbito municipal e estadual, com a participação de representantes do Estado e da sociedade civil.

Já dissemos em outro momento que este modelo de conferências temáticas, intensificado nos governos de petistas e aliados, faz parte de uma concepção de políticas públicas em que os sistemas de controle social são um marco importante. As conferências temáticas, inclusive, se transformaram em um novo espaço político em que nascem propostas de novas leis e normas.

Entretanto, o sistema ainda enfrenta problemas.

O primeiro deles é de caráter institucional. Segundo estudos apresentados pelo professor Marco Antonio, da UFMG, no XII Encontro Nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social (Abrapso) realizada em outubro em Florianópolis, apenas 6,1% dos projetos aprovados no Congresso foram oriundos de conferências. Ainda há uma resistência em se reconhecer a legitimidade de tais espaços no cenário político-institucional brasileiro.

O segundo deles refere-se a relação entre os movimentos sociais e o Estado. Este problema agravou-se, principalmente, após os governos petistas, pois os movimentos sociais, muitos deles com lideranças que apoiam o atual governo, ainda não conseguiram resolver o dilema entre o apoio político ao governo e a necessidade de preservar a autonomia do movimento social.

Terceiro problema: fortaleceram-se algumas práticas complicadas como uma relação promíscua por meio de convênios entre o poder público e entidades, transformando os espaços de diálogo entre Estado e sociedade civil, como as conferências, fóruns e conselhos participativos em balcões de negociação de financiamento de projetos.

No caso do movimento negro que apresenta uma fragilidade institucional e organizativa grande por representar um segmento social excluído socialmente, estes problemas são ainda mais graves. A alternância entre a radicalidade e a cooptação é comum neste movimento.

A gestão atual da Seppir

Luiza Bairros, doutora em Sociologia pela Universidade de Michigan, é uma antiga militante do movimento negro. Suas credenciais acadêmicas e políticas a fez participar como consultora do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) na temática racial, bem como ser Secretária de Promoção da Igualdade Racial da Bahia, no governo de Jacques Wagner. Desde o início do governo de Dilma Roussef é a ministra chefe da Seppir.

A Seppir, criada no governo Lula, enfrenta uma série de problemas. Tem uma estrutura pequena, não possui funcionários próprios (vive, portanto, de funcionários emprestados de outras pastas) e seu orçamento é limitado. Além disto, como o enfrentamento do racismo exige ações transversais, o papel de um órgão como este necessariamente passa por articulação com outras pastas. Um exemplo, é a implementação da Lei 10639/03 nas escolas, cuja gestão passa, necessariamente, pelo Ministério da Educação. Por esta razão, a força da Seppir está justamente nesta capacidade de articulação política, na qual a mobilização do movimento anti-racista é fundamental.

Para tanto, a Seppir deve ter um quadro de técnicos altamente capacitados política e tecnicamente para o exercício destas tarefas, o que não é possível sem ter um quadro próprio. Este problema começou a ser superado recentemente com a entrada dos primeiros técnicos concursados para tanto. Até pouco tempo, esta lacuna era preenchida com consultores contratados via Unesco e/ou PNUD, o que gerava problemas de ordem política e institucional uma vez que a seleção de tais consultores era definida pelos próprios gestores do ministério a partir de acordos políticos.

Outro problema da Seppir refere-se a relação com o movimento negro. As organizações do movimento, fragilizadas por conta do que foi dito acima, relacionam-se com o órgão na busca de financiamento de projetos. Isto traz dois problemas, o primeiro é a terceirização das ações do Poder Público para entidades e o segundo é a transformação do espaço político em um balcão de negócios. A atual gestão procurou enfrentar este problema instituindo, de forma mais sistemática, as “chamadas públicas” ou “editais” que propicia, em tese, que as propostas apresentadas por organizações sejam submetidas a uma concorrência pública. Uma experiência que foi instituída, com relativo sucesso, no Ministério da Cultura na gestão Gil/Juca. Evidente que tal proposta desagradou organizações que estavam já acostumadas a negociar diretamente no órgão convênios diretos com o ministério.

Por esta razão, parte significativa dos ataques de setores do movimento negro à atual gestão da Seppir decorre muito mais de interesses privados contrariados por conta destas mudanças da forma de gestão que de divergências de cunho político-ideológico. Daí observa-se uma certa despolitização do debate que precedeu esta Conappir, agravado também pela ausência de uma avaliação das conferências anteriores e mesmo da demora da publicização do documento base por parte do ministério.

*por Dennis de Oliveira – Fonte: Quilombo

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