Yvy Katu: famílias Guarani retomam área homologada em 2005

Aldeia Yvy Katu

Ruy Sposati, de Campo Grande (MS), no Cimi

Cerca de 30 famílias Guarani Ñandeva retomaram, na manhã desta quarta-feira, 14, parte da Terra Indígena Yvy Katu, no município de Japorã (MS), fronteira com o Paraguai. No mesmo local, no último dia 2, cerca de 30 famílias ocuparam outra área de 600 hectares, abandonada pelos proprietários há ao menos quatro anos, mas fora da posse dos indígenas. Com processo de demarcação praticamente finalizado, onde até os marcos físicos que limitam a área já foram colocados, eles aguardam há 10 anos que a presidência da República assine o decreto de homologação da terra.

Segundo lideranças das duas ocupações, a situação permanece tranquila. Os proprietários já estão retirando o gado do local. “Nós não aguentamos mais esperar. Já são 10 anos que estamos aqui, está tudo parado”, explicam os Guarani. Expulsos de seus territórios pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) na primeira metade do século vinte, os indígenas da região foram confinados na reserva Porto Lindo, onde hoje vivem mais de 4 mil indígenas em 1,6 mil hectares.

Iniciada há 29 anos, a demarcação da Terra Indígena Yvy Katu, na qual Porto Lindo está incorporada, foi interrompida diversas vezes por recursos judiciais. Em 2003, para pressionar o governo e o judiciário, os indígenas realizaram a primeira retomada de seu território tradicional, expulsando não-indígenas de 14 diferentes fazendas na área reivindicada.

Em junho de 2005, o Ministério da Justiça editou uma portaria declarando a terra como de posse permanente do grupo, com área de 9,4 mil hectares. A demarcação física já foi realizada, faltando apenas a homologação pela Presidência da República, ato final da demarcação. Os 309 indígenas ocupam, atualmente, 10% do total da área demarcada, por força de decisão judicial.

Em março deste ano, a Justiça considerou nulos os títulos de propriedade incidentes sobre a Terra Indígena Yvy Katu, atestando a validade do processo demarcatório da área.

Uma das novas áreas retomadas pelos indígenas é um trecho de reflorestamento, também abandonado pelo proprietário. “Aqui tem lenha, água, tatu, formiga, coró, minhocão, pindó”, contam. As outras áreas, utilizada por fazendeiros para a criação de gado, estão desmatadas. “Mas aqui é nosso, nós vamos ficar”.

Indenização

Em novembro de 2011, o Ministério Público Federal ajuizou ação contra a União e a Funai, pedindo indenização de R$ 86 milhões. O valor é uma medida compensatória por danos morais e materiais sofridos pela comunidade, expulsa de seu território tradicional no processo de colonização do estado. O MPF baseou-se no valor anual do arrendamento da área, desde 1928 – quando iniciou-se a expulsão dos índios – até 2012. Com os juros, o valor chega a R$ 43.029.884,84. O MPF pede o mesmo valor pelos danos morais impostos aos indígenas, após a expulsão da área. A quantia deverá ser revertida em políticas públicas destinadas à comunidade indígena de Yvy Katu.

História

A expulsão dos indígenas de suas áreas originalmente ocupadas começou com a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1911. O esbulho de terras indígenas era permitido em um dos artigos que determinava as funções do novo órgão indigenista: “promover a mudança de certas tribus (sic), quando fôr conveniente e de conformidade com os respectivos chefes”. Esses chefes, conforme apontado em levantamento histórico realizado pelo Ministério Público Federal, “jamais emitiram qualquer aprovação para serem retirados de suas terras tradicionais, ao contrário, recusavam-se a sair, sendo assim tidos por selvagens”.

Criadas as normas legais, o governo federal passou a retirar os indígenas de suas terras, confinando-os em pequenas reservas escolhidas pelo SPI. A União, então, trouxe imigrantes para a região, conferindo-lhes títulos de propriedade. Este modelo adotado para a colonização de Mato Grosso do Sul é a gênese do conflito fundiário atual.

A ação do MPF desvenda a sistemática utilizada: “Quando alguém adquiria uma terra e descobria que ela era habitada por índios, simplesmente reunia alguns homens armados e os expulsava, ou (…) comunicava o chefe do posto do SPI, que ele mesmo trataria da transferência dos índios para a reserva”.

A reserva de Porto Lindo, em Japorã, para onde foram transferidos os indígenas de YvY Katu em 1928, foi definida em 3,6 mil hectares mas sofreu seguidas reduções em função de arranjos entre agentes do governo e interesses de colonos e empresas regionais, sendo demarcada com 2 mil hectares. Atualmente, mede 1,6 mil hectares. A reserva deveria ser às margens do Rio Iguatemi, tradicionalmente ocupada pelos índios, mas com a existência de reservas de erva-mate na região, que era escoada pelo rio, os índios foram deslocados para outra área distante.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.