Photofagia: Modelar o barro, dar forma à vida

Interior do Chile: comunidades vêem em cerâmicas cooperativas (e em formas ancestrais de colaboração) caminho para enfrentar especulação imobiliária e “progresso”?

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Por Letícia Freire – Outras Palavras

O galo começou a cantoria antes do sol. Algumas palavras ainda vagarosas eram trocadas pelos cômodos enquanto o café, preparado pelas mãos de dona Martina, exalava sua fragrância característica. Era hora de despertar, de começar o dia.

Todos da casa, sem exceção, trabalhavam na olaria comunitária. A decisão de unir-se por meio de uma cooperativa veio das sérias dificuldades financeiras que os artesãos estavam enfrentando em decorrência da especulação fundiária em Quinta de Loreto, Chile.

Sem recursos para resistir à voracidade do sistema atual, que engole tradições e costumes originários sem pudor, muitos já haviam vendido suas olarias e casas, abandonado a atividade e se mudado para Valparaíso.

O êxodo, não espantosamente, levou grande parte dos jovens consigo. Em coletivo, contudo, eles conseguiam encontrar certo equilíbrio de forças entre mercados alternativos e mais conscientes.

O bom humor que dava o tom da jornada e amenizava a realidade de luta. Momentos de concentração intensa se mesclavam com piadas, nos intervalos publicitários da rádio local, que tocava músicas folclóricas populares.

A destreza das mãos, ferramenta central do trabalho, produzia peças utilitárias e decorativas. O barro, ao mesmo tempo matéria e fundamento, parecia reconhecer certo destino curvilíneo na prancha giratória. O tempo do trabalho, tão dominador das relações sociais da modernidade, ganhava outros contornos, outro sentido.

A valorização de suas tradições e modos de produção saíam do forno exalando o mesmo perfume do café da manhã.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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