“Esperamos que o Congresso ouça o clamor das ruas”

130825-FNDC4-e1377468034544

O que pode mudar com o projeto de lei da mídia democrática e o que ele tem a ver com as mobilizações de junho

Por Cibelih Hespanhol – Outras Palavras

Na última quinta-feira (22/8), às nove da manhã, cartazes coloridos gritavam em Brasília por “pluralidade e diversidade”. A capital federal era acordada para um assunto urgente – porém ocultado há décadas. Ao lançarem o projeto de lei da mídia democrática, de inciativa popular, dezenas de organizações sociais frisavam que não é “natural” viver num país cuja comunicação de massas é controlada por um punhado de empresas; e que, portanto, este quase-monopólio pode (e precisa) cair.

Coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a socióloga Rosane Bertotti, avalia que a mobilização nascida semana passada tem tudo a ver com as manifestações que sacudiram o país em junho. Primeiro, porque ela recorrerá diretamente à sociedade: o objetivo do FNDC é reunir 1,4 milhão de assinaturas de eleitores – o que obrigará o Congresso a examinar a lei. Mas, além disso, porque sugere resgatar um direito esquecido: “O tema da comunicação sempre foi tratada como tabu, não se podia debater”. Por décadas, a liberdade de expressão tem sido tratada, interesseiramente, como “um direito de quem detém o meio e gere uma concessão pública”.

Como isso mudará, caso a lei da mídia democrática seja aprovada? O site “para expressar a liberdade”, criado pela FNDC, explica que o projeto trata especificamente da chamada “comunicação social eletrônica”: TV aberta e por assinatura; rádio; canais empresariais de rádio e TV na internet. Esse sistema pode viver uma revolução. Em seus seis capítulos e 33 artigos, a proposta estabelece, por exemplo, que ao menos 1/3 dos canais de TV aberta existentes em cada cidade devem ser destinados a emissoras públicas (porém, independentes de governos) e comunitários (sem fins lucrativos, ligados a grupos sociais).

Acaba o domínio das redes verticalizadas de TV nacionais. Ninguém poderá ter mais de cinco canais; nem possuir simultaneamente numa cidade, mais de um meio de comunicação: ou se tem jornal, ou rádio, ou TV. Criam-se requisitos – válidos para qualquer emissora – sobre a natureza da programação. Ela deve prever ao menos duas horas de noticiário; 70% dos programas têm de ser produzidos no Brasil; 30% de produção cultural, artística e jornalística regional; 10% originários de produtores independentes.

No site da campanha, há vasto material de estudo e divulgação: a íntegra do projeto de lei; a explicação didática sobre o significado de cada artigo; listas para coleta de assinaturas dos eleitores; material de difusão (panfletos, bâners, adesivos etc). Leia, a seguir, a entrevista de Rosane Bertotti a Outras Palavras.

Rosane Bertotti fala ao 3º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas
Rosane Bertotti fala ao 3º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas

FNDC nasceu em 1991, ainda como movimento social. Como vocês avaliam a trajetória do Fórum até hoje?
Nós tivemos uma participação forte em todos os debates da questão da TV digital, e na ideia da realização da primeira Conferência Nacional da Comunicação. A pauta do Fórum tem sempre sido no sentido da elaboração da política pública da comunicação, tratando-a como um direito humano, realizando este debate da construção da política e do diálogo institucional. Hoje a essência do Fórum é a junção entre o caminho de estratégia e elaboração, e a possibilidade de se dar uma capilaridade com o debate de rua, articulado com esse projeto de mídia democrática.

As manifestações de junho deste ano influenciaram as discussões sobre a democratização da comunicação?
Sem dúvida nenhuma. Pena que a chamada “velha mídia”, além de primeiro querer criminalizar o movimento, e depois querer se utilizar dele, escondeu esse detalhe. Eu acho que o debate pela democratização da comunicação foi colocado no debate das ruas, porque estavam pedindo por mais saúde, mais educação, mais transporte público. Ou seja, a rua pediu o papel do Estado, garantidor da política pública.

Por que as regulações feitas pelo Estado, como a Constituição de 88, não satisfazem plenamente a democratização nos meios midiáticos?
Primeiro, porque foi uma luta muito árdua para pôr esse item em debate na Constituição brasileira. E depois, não se conseguiu regulamentar vários artigos da Constituição, no decorrer dos anos. Então, apesar de possuirmos uma Constituição que aponta para alguns princípios, ela não é regulamentada. Além disso, nós tivemos hoje uma transformação tecnológica e é preciso pensar a comunicação nesses novos aspectos, nessa nova realidade.

Quais são as principais mudanças previstas no projeto de lei da mídia democrática? E este projeto segue algum modelo ou tendência de outros países da América Latina?
Quando fomos elaborar o nosso projeto, estudamos tanto os projetos da América Latina como os da Europa. Então, há sim alguma similaridade. Nós bebemos destas fontes, porque sentimos que era importante ver o que já se vivenciava em outros países. O que baseou o nosso projeto foi esse primeiro princípio da liberdade de expressão. A segunda coisa, que dialoga inclusive com a regulamentação da Constituição, é a questão do monopólio. Se você quer liberdade de expressão, você não pode ter monopólio. Eu acho que essa é uma questão que dialoga com vários exemplos do Uruguai, da Argentina, e da Europa. Outros temas que também consideramos importantes nesse projeto são o debate da diversidade, da pluralidade; e a criação de um Conselho Nacional da Comunicação. E um tema também relevante é o que nós chamamos de plano de negócios, gestão, transparência: a questão de que quem produz conteúdo não pode ser o transmissor de conteúdo. Eu citaria esses cinco quesitos, que considero os temas fundamentais desse projeto.

A senhora acredita que o Congresso está preparado para discutir esse projeto de lei?
Eu acho que esse tema é muito delicado e que talvez nem o Brasil como um todo esteja preparado para debatê-lo. O tema da comunicação sempre foi tratado como tabu, não se podia debater, não fazia parte do direito das pessoas, é tratado mais como direito de quem detém o meio e gere uma concessão pública. E eu acho que o Congresso brasileiro deve muito à sociedade brasileira e precisa estar atento a este processo. Esperamos que ele se prepare, ouça o clamor das ruas que veio no mês de junho, ouça o clamor dos movimentos sociais. Esperamos que ele não faça o debate da comunicação apenas a partir do lobby de quem detém uma concessão pública. O Legislativo tem muito medo de enfrentar a mídia brasileira, porque ela tem um papel muito preponderante de dar voz a quem ela acha que deve dar. E eu espero que o Congresso escute a sociedade civil organizada, e garanta os direitos da liberdade de expressão através desse projeto e através do debate púbico, aberto e transparente com a sociedade brasileira.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.