O Coletivo Chão e o resgate da experiência das assessorias técnicas

Raquel Rolnik*

Desde outubro do ano passado, os 13 andares do Edifício São Manuel, no número 138 da Rua Marconi, no centro de São Paulo, estão ocupados por 170 famílias. O grupo reivindica que o prédio, abandonado pelos proprietários desde 2009, seja transformado em habitação de interesse social (HIS). A ocupação conta com o apoio do Coletivo Chão – formado por estudantes de graduação e de pós-graduação da FAU USP e por profissionais de arquitetura e urbanismo –, que se dedica ao desenvolvimento de projetos que viabilizem a conversão de imóveis como este em HIS, por meio de aquisição ou de locação social.

O Coletivo Chão desenvolve suas atividades num espaço cedido pelos moradores na própria ocupação Marconi. Alguns integrantes chegam a morar durante um tempo no local. Desta forma, eles acreditam que é possível alcançar uma participação maior dos moradores no projeto, em relação estreita com seus ideais e modos de viver. Ou seja, trata-se de um grupo que não está apenas questionando a realidade e propondo uma intervenção sobre ela, mas que está se confrontando também com seu próprio modo de vida.

Aliás, esta semana, o Movimento de Moradia para Todos (MMPT), que lidera a ocupação, anunciou em seu blog que existe uma ordem de reintegração de posse do imóvel, baseada num laudo de segurança produzido pelo corpo de bombeiros. Espero que nada seja feito sem diálogo com os moradores. É fundamental que o direito à moradia dessas pessoas seja respeitado e é muito importante, também, que o trabalho desenvolvido pelo Coletivo Chão seja considerado.

Este trabalho, inclusive, me lembra um pouco as assessoras técnicas dos movimentos populares que emergiram no final dos anos 1970 e que tiveram um grande impulso nos anos 1990. Naquela época eram muitas. Hoje contamos nos dedos as que ainda existem, herdeiras daquela tradição, como a Usina, Peabiru e Ambiente Urbano. Na gestão da prefeita Luiza Erundina, por exemplo, existiam programas voltados para a autogestão das comunidades que destinavam recursos para a contratação de assessorias técnicas. Hoje a política habitacional tomou claramente outro rumo, e a produção autogestionada é absolutamente minoritária e residual.

Surgido em 2010, em meio às discussões sobre o já extinto projeto Nova Luz, o Coletivo Chão parece resgatar essa experiência, mas de uma forma bem diferente, especialmente pelo fato de o grupo estar presente no local de intervenção, vivenciando com os moradores a experiência do lugar. Aliás, são muitos os coletivos hoje que propõem esta associação entre a forma de organização social e a produção do trabalho. A vida das pessoas e o objeto sobre o qual elas trabalham não se separam. Isso é experimental, é novo, tem acontecido especialmente na área cultural, e nesse momento parece que vai se estendendo também para outras áreas, como a arquitetura e o urbanismo.

*Urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada

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