O intragável direito de participação popular

Thatiany Nascimento, O Estado

Eles bradam nas ruas. Ocupam vias, parques, praças, câmaras, e até a rua do chefe do executivo. Registram e mostram ao mundo, em tempo real, o real mundo. Eles resistem, propõem rupturas e dialogam alternativas. Eles, “os jovenzinhos, ecochatos, favelados, pirangueiros, sem terras, vândalos, gigolôs do meio ambiente, maconheiros e desocupados”, estão (não de forma simples), aqui e acolá, desestabilizando a feroz ordem, de que, o povo (brasileiro) tem de ser refém de seus gestores.

“Quem são eles? Quem eles pensam que são?” Eis, a pergunta que acho que, ora ou outra, passa pelas cabeças pensantes das mais altas cúpulas da gestão pública daqui e dacolá. É o detestável e inconveniente direito de participar sendo cobrado a luz do dia. A cultuada democracia representativa, da qual somos subordinados, sendo questionada e incomodando aos tais “representantes do povo”. Ora, se é prerrogativa da democracia, que o povo tenha voz e vez, porque tanta ojeriza a quem se recusa a ser espectador da construção da própria Cidade, Estado ou País? Porque o “despertar” da população causa tanto ranço e ataques raivosos daqueles “seres iluminados” aclamados nas urnas? Porque é uma afronta aos gestores que o povo exija uma gestão horizontalizada?

A participação popular ainda provoca a ira de gestores que, acostumados ao domínio “desenfreado”, não foram avisados, que a manutenção no poder requer “jogo de cintura” para lidar com as vozes dissonantes. Mais ainda, que prejuízo maior que perder a próxima eleição ou não fazer sucessor, é tornar-se obsoleto, deslegitimado e desacreditado por não conceber que não há favor algum prezar pela construção coletiva na gestão daquilo que é público.  Aqui e acolá, esses gestores bebem das mesmas fontes.

Rechaçam quem questiona e ponto. A ordem é amparar-se na desqualificação do argumento alheio, ou melhor, na desqualificação do alheio, para que os argumentos opostos sequer ganhem luz.   Embora as legislações atuais roguem a participação popular como prerrogativa, torna-la hábito, requer (além do esforço para convencer o próprio povo sobre seus direitos), um árduo enfrentamento com os “esclarecidos” representantes políticos. Do acesso a informações públicas a realização de plebiscitos e referendos. Da conversa com o grupo de manifestantes a disposição para a realização de reuniões, audiências e consultas públicas. Tudo emana sacrifícios.  Não fossem “os jovenzinhos, ecochatos, favelados, pirangueiros, sem terras, vândalos, gigolôs do meio ambiente, maconheiros e desocupados”, acredito que a democracia representativa continuaria certinha, porque do jeito que está, agrada, a certa (poderosa) minoria. Embora torça, não creio na derrocada do atual modelo nos próximos anos. O processo é longo. Mas, afirmo que a intensificação da resistência popular, tem oxigenado o direito de participação. E o povo, diferente dos tais gestores, não se incomoda que este mérito seja coletivo.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Rodrigo de Medeiros Silva.

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