Governo estadual impõe condições e mobilização indígena segue em Pernambuco

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Por Renato Santana, de Brasília (DF), no Cimi

Mesmo sem cumprir prazos determinados pelo Ministério Público Federal (MPF) e não erguer 15 escolas com recursos enviados pelo Ministério da Educação há seis anos, o governo estadual de Pernambuco se negou a atender as reivindicações dos 600 indígenas que desde terça-feira, 30, ocupam as Gerências Regionais de Educação nos municípios de Arcoverde e Floresta, sertão pernambucano.

Pela postura do governo, a decisão dos indígenas é de manter as ocupações. De acordo com lideranças da Comissão de Professores e Professoras Indígenas de Pernambuco (Copipe), o secretário Estadual de Educação Ricardo Barata disse que se reuniria com os indígenas nesta sexta, 2, mas apenas se os manifestantes voltassem para as aldeias. Do contrário, a reunião só ocorreria na próxima terça.

“Nossa pauta é clara e não vamos deixar o protesto porque não confiamos na palavra do secretário, que já furou duas reuniões conosco. Então decidimos permanecer nas ocupações até terça-feira”, declara Francisca Kambiwá. A alimentação dos indígenas está sendo garantida pelas aldeias mais próximas aos locais do protesto. O clima é de inquietação, apesar da decisão de esperar.

A pauta do movimento é enxuta: pagamentos de salários atrasados, cumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Educação, firmado entre governo estadual e MPF, vencido em 2010, e a construção das 15 escolas cujo recurso está liberado há seis anos pelo MEC. “O que reivindicamos já era para estar feito. Então não admitimos que o Barata imponha condições para a reunião. Ele tem de nos respeitar”, afirma Francisca.

Em Brasília, a liderança Pretinha Truká denunciou a situação vivenciada pelos povos indígenas de Pernambuco no Fórum Nacional de Educação (FNE): “Anunciei que enquanto estávamos debatendo, no meu estado os povos ocupavam as gerências. Um representante da secretaria estadual de educação estava presente. Queremos saber que fim levou o dinheiro que o MEC repassou para o governo estadual”, diz.

As verbas para a construção das escolas foram liberadas pelo Ministério da Educação, via Plano de Ação Articulado (PAR), em 2007. Pretinha explica que o governo estadual justificou, há alguns meses, que abre licitação para a construção das 15 escolas, mas nenhuma empresa se inscreve. “Existem outros caminhos para se erguer as escolas. A própria comunidade pode fazer”, sugere a liderança.

Mesmo com verbas liberadas há seis anos para a construção das escolas, no povo Tuxá os professores ensinam na casa de farinha da aldeia. Durante encontro da Copipe em junho de 2011, o professor e liderança Aguinaldo Xukuru já denunciava problemáticas vividas pelos Tuxá. “Pelo estado não implementar na prática a educação diferenciada, vivenciamos as dificuldades”, afirmou à época.

Há seis anos com verbas liberadas

O sertão de Pernambuco amanheceu nesta terça-feira com o candeeiro do movimento indígena acesso. Cerca de 600 integrantes de 12 povos do estado ocuparam as Gerências Regionais de Educação dos municípios de Arcoverde e Floresta. As reivindicações são antigas e a paciência das comunidades acabou.

“A mobilização é contra o descaso do governo estadual, que não cumpriu com suas obrigações. Existem verbas para 15 escolas há três anos e nenhuma delas foi erguida. Outras dezenas de escolas têm apenas os professores e professoras e nenhum funcionário administrativo”, afirma a liderança Francisca Kambiwá. As ocupações ocorreram de forma pacífica e os povos dançam o Toré nas gerências.

Em abril deste ano, o movimento indígena do estado realizou o Abril Indígena – Acampamento Terra Livre, em Recife (PE), puxado pela Copipe. Os povos denunciaram o não cumprimento do TAC da Educação, vencido em 2010, firmado entre o MPF e a Secretaria Estadual de Educação.

Manifestações no centro do Recife, audiência pública na Assembleia Legislativa e uma carta – leia aqui na íntegra – forçaram o governo a receber os indígenas e negociar. O secretário de Educação Ricardo Dantas marcou para o último dia 17 de junho uma reunião com respostas para as reivindicações. Porém, Dantas remarcou o encontro para seis dias depois e mais uma vez não compareceu.

“Então só saímos das gerências com nossas reivindicações. Como pode um governo ter a verba para construir escolas há três anos e não levantar nenhuma?”, denuncia Francisca. A Kambiwá afirma que motoristas estão com os salários e por isso deixam de ir buscar os alunos e alunas, causando evasão escolar. “É assim em todos os povos, por isso estamos unidos nessa luta”, encerra.

Na gerência regional de Arcoverde estão 300 indígenas Kambiwá, Tuxá, Xukuru e Kapinawá. Para o município se dirigiram também 12 dirigentes da Copipe, representando cada povo do estado. Na ocupação da gerência de Floresta, alto sertão pernambucano, estão outros 300 indígenas Pipipã, Pankararu, Entre Serras Pankararu, Atikum e Pankará.

“A escola é na casa de farinha”  

Uma das situações mais difíceis é a do povo Tuxá. Na comunidade, não há nenhuma estrutura escolar, professores contratados ou corpo administrativo. “Somos um povo sofrido, menino. É tanta luta. Fomos reconhecidos, mas ainda nossa escola funciona na casa de farinha. Ocupamos aqui para ver se melhora, não tem outro jeito”, explica o cacique Tuxá, Geraldo Pajeú.

A educação diferenciada é um direito dos povos indígenas, porém esbarra nas secretarias estaduais de educação, conforme o cacique Kambiwá José Pereira da Silva, o Zuca. Se por um lado existe dificuldade de conseguir ao menos condições de funcionamento, por outro as escolas são constantemente questionadas quanto aos currículos desenvolvidos pelas organizações de educação dos povos.

“Nosso caso não está sendo tratado. Há seis anos esse governo está aí e nada foi resolvido. A gente já vem a um tempo tentando sentar com o governo para resolver a questão do transporte, do corpo administrativo, porteiros, salários atrasados e o concurso. Tivemos a necessidade de fazer as ocupações para forçar essa conversa e resolver os problemas”, enfatiza o cacique Zuca.

As comunidades, de acordo com os indígenas, é que garantem aquilo que o Estado não oferece – mesmo com recursos liberados. Em muitos povos, as mulheres fazem a comida dos alunos, os caciques improvisam escolas e os professores e professoras suprem as demais necessidades. A precariedade, porém, preocupa as lideranças e faz com que as mobilizações em busca dos direitos ocorram.

“O governo estadual não trata a educação dos povos indígenas como necessária. Percebemos que não. Em abril fizemos um grande movimento, o MPF pediu explicações e disse que ia agir se a secretaria de educação não tomasse providências e mesmo assim nada foi feito. É uma vergonha”, salienta Pretinha Truká.

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