Aty Guasu: a força e a revolta dos filhos da Terra Vermelha, por Egon Heck

 

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Termina mais uma Grande Assembleia (Aty Guasu). Inverno rigoroso, com geada e vento cortante. Nada melhor que um fogo aconchegante e um bom chimarrão. Nada fez as centenas de lideranças, caciques, nhanderu e nhandesi (Tekoa’ruvixa), desistir da realização mais um grande momento de reza, de fortalecer a esperança e reafirmar a decisão da dura luta pelos tekohá, terras originárias, tradicionais.

Dourados, cidade e aldeia. É incrível que mundos tão diferentes coexistam há tantas décadas. Os Guarani-Kaiowá com sua cultura e religiosidade inquebrantáveis, conseguem fazer mundos com valores e formas de vida tão diversos sobreviverem. Isso só é possível graças à força cultural e profunda religiosidade desse povo, aliados a eficazes estratégias de resistência. Da fecunda terra vermelha brotam seus heroicos filhos, que nela lutam, gritam e pedem socorro, pois querem viver com dignidade e em paz em suas terras tradicionais, sagradas, em seus tekoha. Por isso não se cansaram de agitar suas principais palavras de ordem: “Terra, vida, justiça e demarcação”.

Muita reza e ritual. Batizado de mais de uma dezena de crianças e aliados

Como em todas as Grandes Assembleias Kaiowá Guarani (Aty Guasu), a dimensão ritual religiosa é fundamental. Os rezadores(as), voltam a ter uma função de centralidade nas comunidades e no movimento. Voltam a ser reconhecidos como “Tekoa’ruvixá”, aqueles que dão vida às crianças.

No documento dos rezadores, deixam claro suas angustias, sofrimento e esperanças:

“Nós estamos preocupados em não ver acontecer o nosso sonho de ao menos morrer em nosso tekoha terra tradicional. Queremos entrar na nossa terra e morrer nela. Nosso sonho é esse e não dá mais pra esperar.

Para toda essa cultura continuar viva nós precisamos da terra. Essa cultura funciona com a terra. Não temos como viver assim na beira de uma estrada nem num canto de uma fazenda. Enquanto não tiver a terra, não tem como viver.

A terra é a sobrevivência da nossa cultura, da nossa nação. Essas são as principais coisas. Isso não interessa para os brancos. Para os brancos isso não é nada. Os Tekoa’ruvixa mais velhos estão envelhecendo e morrendo e queriam que já tivessem voltado tudo no tekoha. Querem entrar na terra, ainda vivo, para morrer no tekoha deles, onde morreram os nossos avôs. Não dá mais para esperar”.

Fim da impunidade, memória das vítimas

Um dos momentos fortes foi o da solidariedade a todos os guerreiros(as) que morreram na luta pela terra e os direitos dos Kaiowá Guarani e Terena. Essa memória foi também um grito de basta de assassinatos e de impunidade. Por isso nos documentos deixaram claro:

“Exigimos justiça nas dezenas de casos de assassinatos de lideranças, professores e jovens indígenas no contexto dos conflitos e da falta de terra. Nenhum dos assassinos dos Guarani e Kaiowá está preso e suas famílias estão desassistidas. Exigimos punição aos culpados e respeito às comunidades atacadas!

Chega de perseguição contra movimentos e entidades apoiadoras do movimento indígena. Somos autônomos e independentes e estabelecemos nossas próprias relações políticas como bem entendermos e isso não é crime”.

Recado jovem

Enquanto uma comitiva de Terena e Kaiowá Guarani, estava no Rio de Janeiro, no Encontro Mundial da Juventude, grande número de jovens participou ativamente da Aty Guasu, redigindo uma carta na qual expõem suas exigências:

“Nós jovens estamos vendo o sofrimento na questão da luta de nosso tekoha. Precisamos urgente que demarquem as nossas terras tradicionais. Nós somos o futuro e a raiz da terra.

Queremos nossas terras de volta. Estamos na luta pelo nosso direito. Passamos precários problemas e obstáculos por causa das nossas terras. Nos preocupa as nossas lideranças que já foram várias vezes ameaçadas, e continuam sendo ameaçadas por estarem lutando pelo que é nosso”.

Depois do dia 5, outra história

A questão central foi novamente a falta de providências na demarcação e devolução de seus territórios tradicionais. Não aguentam mais. Em coerência à luta e exigência de soluções urgentes e definitivas, estão cumprindo o prazo estabelecido na mesa de negociações, dia 5 de agosto. Se até então nenhuma solução for implementada, eles têm seus planos determinados para a questão da terra:

“Cumprimento, até o dia 5 de agosto, da promessa do governo federal de resolver o problema da demarcação de todas as terras indígenas de todos os povos do Mato Grosso do Sul. Nós estamos respeitando o acordo com o governo e aguardando alguma solução, e até agora o governo não fez nada. Nós não aceitaremos outro prazo. De norte a sul do país, nós indígenas estamos juntos na luta contra a perda de direitos, contra a perda de nossas terras, e pela demarcação de nossos territórios tradicionais” (Documento da Aty Guasu).

Houve vários depoimentos contundentes, relatando que o sofrimento é o mesmo, e que muitas vezes estão chegando à beira da desesperança: “Estamos assinando a homologação com o nosso sangue”.

Da parte da Funai, apesar do apoio, foi cobrado, principalmente agilização da demarcação das terras. A presidente do órgão, Maria Augusta, reconheceu que a Funai erra e muito, mas está aí presente ouvindo os clamores e exigências dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul. “Vou sair daqui com o coração preocupado”, disse ela. Porém, ressaltou que não vai prometer coisas que não vai poder fazer por não depender da Funai.

No decorrer das falas, muitas denúncias foram feitas, especialmente de violências, ameaças e desmatamento da pouca mata que ainda existe nas terras já demarcadas.

Todos se declararam em estado de alerta e total disposição de retornar às suas terras tradicionais, caso não haja solução até o dia 5 de agosto, conforme prometeu o ministro Gilberto Carvalho.

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