Regulamentação da Consulta: Riscos e Oportunidades

logo cpispComissão Pró-Índio de São Paulo

A iniciativa da regulamentação preocupa uma vez que o Estado Brasileiro tem um histórico de ignorar a consulta ou realizá-la por meio de procedimentos pouco adequados que não possibilitam um processo livre de construção de acordos conforme preconiza a Convenção 169 – fato é constatado pelos próprios peritos da OIT em seus informes. Assim tem-se o receio que a regulamentação possa trazer uma interpretação restritiva do direito a consulta livre, prévia e informada e dos seus efeitos de forma a facilitar a implementação de grandes projetos e obras.

Mas, por outro lado, uma norma adequada pode ser estratégica para fortalecer o exercício da autonomia das comunidades indígenas e quilombolas na gestão de seus territórios e ser um instrumento para abrir espaço ao diálogo e tentar influenciar as decisões sobre tais empreendimentos.

Confira a avaliação dos entrevistados pela CPI:

Foto: Valter Campanato/ABr
Foto: Valter Campanato/ABr

A condição é a revogação da Portaria 303 da AGU

Sônia Bone Guajajara é vice-coordenadora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) desde 2009. Confira a entrevista que Sônia concedeu à Comissão Pró-Índio de São Paulo sobre a regulamentação dos procedimentos da consulta prévia.

O governo brasileiro decidiu regulamentar os procedimentos para consulta prévia prevista na Convenção 169 da OIT. Na sua opinião quais são os riscos dessa iniciativa?

Criar um padrão único de procedimentos de consultas poderá facilitar o processo de licenciamento e comprometer a ampla participação dos povos no processo. Os procedimentos e mecanismos de consultas devem atender as especificidades e as realidades locais de cada povo.

E quais são as oportunidades?

A Convenção 169 é um instrumento que por si só já garante esse direito portanto já é uma oportunidade, basta cumpri-la.

Regulamentar os procedimentos apropriados, poderá acontecer desde que considere as distintas realidades e regiões, considerando o tempo necessário e as etapas para se definir padrões adequados e condizente às distintas realidades.

O problema é que há uma Portaria do Executivo que é totalmente contraditória ao que preconiza a Convenção 169. E a condição para se continuar essa discussão é a revogação da Portaria 303 da AGU (Advocacia Geral da União)!

julianaRegulamentação: solução pacífica, dialogada e negociada

Juliana Gomes Miranda é secretária-adjunta da Secretaria Nacional de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, um dos órgãos que coordena o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) responsável por elaborar proposta de regulamentação dos procedimentos para consulta prévia. Confira sua avaliação sobre o processo de regulamentação.

Qual a importância da regulamentação?

A Consulta Prévia é o instrumento previsto para a garantia de direitos, pois oportuniza a esses segmentos sociais a manifestação democrática nos casos previstos, de forma estruturada e legítima; e possibilita ao Estado aprimorar as suas ações. É um processo e não um ato em si, que busca salvaguardar um conjunto de direitos substantivos e coletivos desses povos e comunidades. E para a sua implementação de forma harmonizada e coerente no âmbito governamental faz-se necessária a sua devida regulamentação.

Ciente da importância dessa temática e tendo como princípio a garantia da participação social, o governo brasileiro, por meio do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), criado em 2012, promove o diálogo com os povos interessados para definir e orientar o processo de regulamentação. Os resultados desse processo irão contribuir, sobremaneira, na garantia de direitos em nosso país, ao definir os princípios que irão orientar a consulta livre, esclarecida, de boa-fé e democrática.

Quais podem ser os riscos?

O risco de não regulamentarmos é o desencadeamento de processos infindáveis, sem solução pacífica ou dialogada e negociada que, geralmente, deságuam no judiciário por não haver um diálogo próprio, com procedimentos de consulta prévia, livre e informada. Outro risco é deixarmos de construir, governo e sociedade, um conjunto de balizadores, princípios e diretrizes, que de forma coordenada e articulada direcionem procedimentos válidos para esses processos de participação.

VerdumRegulamentar mas não efetivar a consulta

Ricardo Verdum, doutor em Antropologia e pesquisador da questão indígena na Universidade de Brasília falou à Comissão Pró-Índio sobre a regulamentação dos procedimentos da consulta prévia iniciada pelo governo federal. Conheça a opinião do antropólogo.

Quais são os riscos dessa iniciativa?

As decisões das políticas públicas ainda estão nas mãos de ferro do Estado. Não quero dizer com isso que as instituições do Estado devam se ausentar e abrir mão das suas responsabilidades sociais e atribuições. Antes, o que se requer é uma readequação (de fato) desse modelo de Estado, à luz do quadro de direitos estabelecidos na Convenção 169 e na Declaração da ONU.

Esse quadro estabelece que aos povos indígenas deva ser garantido o direito de controlar as suas instituições, de controlar seus territórios e os recursos naturais ali existentes, de definir suas prioridades de desenvolvimento, e de participar com o Estado na elaboração, aplicação e avaliação dos planos, políticas e programas que os afetam.

É necessário haver uma mudança na cultura política e jurídica de funcionários e de operadores do direito, de forma que os povos indígenas sejam ouvidos e que os seus interesses e necessidades sejam considerados nessa readequação do modelo de Estado.

O risco principal é a iniciativa alcançar o seu objetivo, que é regulamentar, mas não efetivar justiça.

Quais são as oportunidades?

De recriar e fortalecer as capacidades e potencialidades do poder constituinte das sociedades indígenas, juntamente com as comunidades quilombola e tradicionais. O mesmo que em outros momentos foi fundamental para não permitir retrocessos, e que deve ter como horizonte a transição para um estado onde a plurietnicidade e a interculturalidade estejam na raiz das suas instituições jurídicas e políticas.

Leia as entrevistas anteriores clicando no link abaixo:

Regulamentação da consulta prévia. Quais os riscos e quais as oportunidades da regulamentação?

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