Os confins de Buriti de Inácia Vaz

Por Mayron Borges, em Combate Racismo Ambiental

Ele não se importará com esse breve comentário, mas é um comentário que magoaria muita gente. Ele não sabe ler e nem escrever. Iniciou-se no bê a bá e na tabuada sem, contudo, prosseguir nos estudos. Deslocava-se com extrema dificuldade de seu povoado, na zona rural de Buriti, à sede do município. Não havia outro jeito, senão andar muito. Vicente se lembrou, deveras, desse tempo inusitado quando visitou a moradia do Jandy e da Das Dores, na comunidade da Bacaba. Quando pisaram na varanda da casa, a Das Dores conversava com seus afilhados.

Antes de se dirigirem à Bacaba, o Vicente confirmara que trafegar pela Chapada se dificultara porque o senhor Gilson impedira que os caminhões de uma empresa de soja passassem próximo a sua propriedade à beira do riacho Feio. Definir um riacho como feio soava incongruente, mas o Vicente explicou que o riacho Feio é lugar de cobra Surucucu de larguras e comprimentos de botar medo em qualquer um. Cansei de ver essa baixa ai encher de água em uma época que os invernos irrompiam rigorosos, contou Vicente.

O Baixo Parnaíba maranhense presenciara chuvas impenetráveis, de gente se recolher cedo porque a chuva engrossava. Eles rumavam em direção à Bacaba e notaram que naquela parte da Chapada, diferente do lugar onde o Vicente reside, a chuva alagara vários trechos. Nesses trechos moravam o seu Zé Branco, o seu Manoel e seu Madalena. Sobre o seu Madalena, sabe-se que ele expulsa qualquer representante de plantador de soja assim que põe os pés em sua propriedade. Isso se deve em parte ao fato de que os plantadores de soja o puseram na cadeia por conta de disputa de terras.

A família do ex-prefeito de Buriti, Nenem Mourão, vendera cinco mil hectares sem possuir um palmo de terra na Chapada. A SLC comprou os cinco mil hectares na época e documentaram dez mil hectares. Assim que a empresa aportou em Buriti prometeu empregos para todo mundo com a clara intenção de cooptar as comunidades situadas no entorno da área grilada.  Havia comunidades dentro da área vendida pelo pai do Nenem Mourão? Segundo Vicente, não havia comunidades ou um morador que seja.

Naquela época, só uma dose de atrevimento ou de loucura empurraria alguém para morar sozinho numa Chapada desprovida de qualquer infraestrutura e afastada de Buriti, Mata Roma, de Anapurus e de Chapadinha. Era difícil, não era impossível, que alguém fincasse morada naquele pedaço solitário do mundo. Para algumas pessoas quanto mais sozinho melhor. A monocultura da soja atrapalhou o sentido dessa existência com seus defensivos e com seus fertilizantes.  Pelo que se sabe, antes de 2007, a SLC expulsara um morador ou o forçara a vender sua posse a custa de muitos litros de agrotóxicos despejados por seu avião pulverizador.Um fato como esse passa batido em razão da supremacia que uma atividade econômica como a soja inaugura.

Os agricultores que possuíam áreas na Chapada movimentavam de maneira muito primária e muito precária os recursos contidos nessas áreas. O extrativismo do bacuri auxiliava na renda da família, mas poucos podiam acondicionar a polpa em um freezer pela total falta de recursos para adquiri-lo ou até mesmo pela falta de energia elétrica. A vida de Vicente e de sua família se definia um pouco assim sobre a Chapada e com a imensa possibilidade de que um dia viesse a vender ou a trocar a sua posse para tomar outro destino ali em Carrancas, seu povoado, ou em Buriti.

A chegada da energia em sua residência modificou por completo os rumos daquela prosa de vender ou trocar a sua posse, pois ele comprou eletrodomésticos e equipamentos industriais que facilitam a criação de galinha caipira. Viver sobre aquela Chapada se tornou tão inevitável e tão irrepreensível que ele resolveu compartilhar os projetos de manejo de bacurizeiros e de criação de galinha caipira com seus vizinhos  que a indústria da soja castiga, como são os casos da Maria das Dores e do Jandy, no povoado Bacaba, e do senhor Omar, na região da Laranjeiras.

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