Riot* de favelado não tem bala de borracha

Renata Corrêa – A semana passada foi um momento de intensa movimentação política pelo País. Chegou ao ápice a movimentação das passeatas pelo passe livre. Milhões de brasileiros foram as ruas no que muitos chamaram de “Primavera Brasileira” ou “Mobilizações de Junho”.  Foi e está sendo, um momento histórico, cheio de meandros interessantes e análises espertas.

Uma das coisas que mais mobilizou a imprensa e os manifestantes foi o crescente da violência policial. Jornalistas e amigos enfrentaram balas de borracha, cacetete, gás de pimenta. Isso causou uma enorme comoção popular, arrisco dizer que a grande virada dos protestos foi quando a população revoltada com a selvageria institucional resolveu sair às ruas.

Só que de lá pra cá não foram só os manifestantes de Classe Média que resolveram ter a sua voz ouvida. A periferia começou a se articular. Em São paulo M’Boi Mirim, Guaianazes e Itaquera tiveram grandes manifestações locais. No Rio, Rocinha, Cidade de Deus, Bonsucesso e Madureira também. Mas com eles, a cobertura da mídia não foi tão generosa: estava eu com a tv ligada acompanhando uma pequena e ruidosa  passeata que tinha ocupado algumas vias da Zona Oeste do Rio e conversando no facebook com um amigo que trabalha na emissora de tv que transmitia a manifestação – perguntei pra ele por que afinal  cobertura ao vivo, aérea, non stop de um ato tão pequeno quando as mobilizações dos dias anteriores tinham colocado milhões de pessoas nas ruas. Bom, aqui vai meu mea culpa branco e classe medista: eu realmente achava que pela quantidade de pessoas aquela manifestação não merecia tanta atenção. No que ele me responde: Renata, essa galera saiu da Cidade de Deus e tá indo pra Barra, estamos mantendo a cobertura ao vivo pois senão a polícia senta o dedo sem dó!

Pausa. Respira.

O diretor de uma tv, em um lampejo de solidariedade, decide manter uma manifestação no ar com medo de que ao apagar da cobertura aquelas pessoas pudessem ser, no mínimo, agredidas. Pois é.

Esse foi o start para que eu prestasse atenção às movimentações e articulações de periferia dentro das manifestações. Uma amiga reclamava dos saques na passeata que saiu da Sé de quinta feira e falou em um grupo: isso não é manifestação, é Riot, e peço aqui ajuda da wikipedia para definir o termo “*A riot is a form of civil disorder characterized often by what is thought of as disorganized groups lashing out in a sudden and intense rash of violence against authority, property or people” . É. podia até ser, mas historicamente, na nossa sociedade, em Riot de branco tem arma não letal, em Riot de favelado não tem bala de borracha. Tem bala de verdade. Não tem gente cegando. Tem gente morrendo assassinada pela polícia, e em última instância, se formos pensar que ROTA (SP) ou BOPE (RJ) prestam contas ao secretário de segurança, essas pessoas estão sendo assassinadas pelo Estado.

E a situação só se agrava. Ontem, durante uma manifestação dos moradores de Bonsucesso, um grupo de jovens envolvidos com o crack aproveitou o momento para fazer um arrastão. A polícia foi chamada e entraram na favela. Um tenente do Bope foi morto em serviço, mais uma perda lamentável nessa Guerra Particular  que polícia e tráfico travam no Rio de Janeiro há mais de vinte anos. Com isso o Bope ocupou as favelas de Nova Holanda e Maré durante a noite e já foram treze mortes confirmadas. Uma delas pelo menos de um inocente que estava em um bar – e aqui faço uma ressalva – mesmo que os outros doze estejam envolvidos com o tráfico local (coisa que eu duvido), não há justificativa para que sejam executados. Quem julga é o judiciário, e no Brasil pelo que sei ainda não existe formalmente pena de morte, a despeito das diversas penas capitais que a polícia militar vem distribuindo a torto e à direito de forma extraoficial.

Estamos diante de uma chacina promovida pelo Estado. Cidadãos, Civis estão sendo mortos por força policial militar. É urgente que repensemos a existência de uma polícia militar no Brasil e o uso da força do Estado contra os cidadãos, principalmente os cidadãos invisíveis que são achacados, aterrorizados e mortos diariamente por terem nascido pretos e pobres. Sim, é por isso que as mortes deles dão menos likes no facebook e causam menos comoção do que a jornalista da folha com um olho roxo – eles são pretos, eles são pobres, eles estão longe do cartão postal, eles são a lembrança da desigualdade acachapante que esse País ainda sustenta.

Hoje meu coração está na Maré, pois o BOPE ainda não recebeu ordens do secretário de Segurança do Rio para sair de lá. Meu coração está com as mães da Nova Holanda, com os jovens do curso pré vestibular comunitário, meu coração está sangrando. Assim como sangram as favelas do Rio de Janeiro e as periferias do Brasil todos os dias.

Deixo vocês com o vídeo do deputado Marcelo Freixo que fala sobre a situação na Maré. Que as nossas mobilizações possam ser também para que os invisíveis possam finalmente serem visibilizados, ganharem seu crachá de cidadão e poderem viver com menos medo.

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