Expropriação de territórios leva violência e insegurança alimentar aos povos indígenas

Latuff agronegócioPor Gilka Resende, para o FBSSAN

Silvio Kaiowá, da etnia Guarani Kaiowá, parecia um pouco nervoso diante das cerca de 130 pessoas presentes à plenária do o 7º Encontro do FBSSAN. Ao microfone, leu uma moção contra o retrocesso dos direitos humanos dos povos tradicionais, documento aprovado por aclamação na última quinta-feira (6). Poucos dias antes de viajar do Mato Grosso do Sul, seu estado de origem, para o Rio Grande do Sul, onde o evento ocorreu, compareceu ao enterro de Oziel Gabriel, que morreu aos 35 anos.

Esta liderança foi vítima de um conflito fundiário em Sidrolândia. Oziel foi assassinado durante ação da Polícia Federal para retirada dos indígenas de uma fazenda na região, ocupada desde o dia 15 de maio. Na terça-feira (4), dia em Silvio chegava ao Encontro do FBSSAN, outro indígena era baleado na região. Josiel Gabriel Alves, primo de Oziel, ficou com poucas chances de voltar a movimentar pernas e braços.  

Mas o texto lido por Silvio informava que estes não seriam  casos isolados: “ao longo dos últimos oito anos foram registrados mais de 250 homicídios contra indígenas” no Mato Grosso do Sul.  A moção aponta que os modos de ser e viver dos povos tradicionais contrapõem os padrões do atual modelo de desenvolvimento no país, que “estão estruturados nos valores capitalistas, na apropriação privada dos recursos naturais, na concentração de riqueza, terra e na mercantilização da vida”.

A partir de agora, o FBSSAN vai trabalhar com Comissões Temáticas. Entre elas, uma de Povos e Comunidade Tradicionais, em que a questão indígena ganha um Grupo de Trabalho (GT). Nesta entrevista, Silvio, que integra o Conselho Distrital de Saúde Indígena do MS e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), relaciona a luta pelo território à busca pelo direito humano à alimentação.

Silvio, que denúncias você trouxe para este Encontro?

Hoje estamos num momento bastante crítico em relação à demarcação de terras indígenas. Isso traz uma insegurança total à nossa alimentação, nos tira a dignidade, os nossos direitos. Além disso, nos deixa em situação de conflito constante com fazendeiros.

O que a terra significa para um indígena?

Para os indígenas, ela é a vida. Para os grandes produtores rurais, ela é riqueza de ganância.  E a gente vê que o governo dá mais apoio para eles do que para a gente. É que eles retornam lucro. E nós estamos muito mais ligados às nossas danças, nossa cultura. Isso nos traz vida em consonância com a natureza. O território onde nós vivemos é o de ensinarmos nossas crianças. Essa terra se liga à espiritualidade indígena, e a gente quer ensinar isso a elas.

Você integra o Consea. Como esta sendo o diálogo com o governo, Silvio?

Pelo Consea encaminhamos várias recomendações. No entanto, a presidenta Dilma Rousseff não nos recebeu e nem deu previsão de quando nos receberia. Ela recebendo, poderia haver uma esperança de diálogo entre o governo e os povos indígenas. Foram vários avisos contra os retrocessos aos direitos indígenas, como a PEC 215, que dá autonomia para o Congresso Nacional tratar da demarcação das nossas terras. O Congresso abriga muitos representantes das fazendas, mas os indígenas não têm a sua representatividade.  Como resultado, está ocorrendo a violência no campo.

Poderia nos contar sobre a realidade do seu território?

Estamos em um território de 3 mil e 500 hectares, onde vivem mais de 13 mil indígenas de diferentes etnias. Diante da não demarcação das terras, estamos vivendo uma situação de confinamento. Em 2010, a Justiça reconheceu a terra indígena, mas até agora não houve acordo para nos dar a posse. Então, os indígenas ocuparam essa terra. Isso não é invasão, como a mídia fala. Não estamos entrando em um território que não conhecemos, mas estamos reocupando nossos territórios tradicionais. Infelizmente, na ocasião, presenciamos mais uma liderança indígena tombar. Oziel Gabriel foi brutalmente assassinado. Ele era da aldeia Buriti, da etnia Terena.

O que os indígenas pretendem fazer agora?

No velório dele, nós falamos sobre isso. Vamos continuar resistindo, chamando organizações e movimentos sociais do Mato Grosso do Sul e de todo o país. Depois, vamos fazer um relatório sobre o genocídio contra os povos indígenas para levar até a ONU. Se o governo quisesse, ele poderia resolver a situação. A questão da Lei da Copa resolveu em uma semana. A hidrelétrica de Belo Monte também avança. A gente vê que o governo se reunido com os produtores rurais e não recebe os indígenas. Então, vamos denunciar o governo brasileiro internacionalmente por omissão.

Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional – Fbssan – Via Auridenes Matos.

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