Brasil estuda impacto dos neonicotinoides na apicultura nacional. Europa proibiu produtos por dois anos; EUA analisam impacto nos insetos
Eduardo Carvalho, do G1, em São Paulo
Está em discussão no Brasil a possível proibição de defensivos agrícolas neonicotinoides, produtos sob suspeita de serem nocivos para abelhas, insetos que têm registrado um aumento da taxa de mortalidade em diversas partes do mundo.
O governo alega que não há motivo para pânico no país, mesmo após a decisão da União Europeia em proibir por dois anos a comercialização desses agrotóxicos e receber notícias alarmantes de mortes de abelhas nos Estados Unidos.
No fim de abril, a UE votou por implantar uma moratória de dois anos, valendo a partir de julho, para este grupo químico de inseticidas, que emprega compostos como a clotianidina, a imidacloprida e o tiametoxam. A decisão foi tomada mesmo com manifestações contrárias do setor agrícola, que alega não haver dados suficientes sobre o impacto destes produtos nas populações de abelhas.
Já os Estados Unidos, que também analisam o emprego desses compostos, divulgaram no começo de maio que quase um terço das abelhas de colônias morreu no último inverno (2012-2013) e, nos últimos seis anos, as taxas de mortalidade atingiram 30,5%. A exposição a inseticidas é uma das hipóteses avaliadas pelo Departamento de Agricultura do país.
Colônias em colapso
De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), apesar de preocupante, a situação do Brasil não é alarmante.
Segundo Marcio Freitas, coordenador geral de avaliação de substâncias químicas do Ibama, a possível relação do uso dos neonicotinoides (que tem origem na molécula de nicotina) com as mortes de abelhas começou ser discutida internacionalmente partir de 2008.
Há três anos o instituto investiga o impacto de inseticidas na apicultura nacional. Entre 2010 e 2012, identificou mais de cem casos de mortes em massa de abelhas pelo país, e todas elas estariam relacionadas à pulverização de agrotóxicos.
Investigações científicas publicados em periódicos como a “Nature” sugerem que tais produtos provocam uma intoxicação nas abelhas, um fenômeno chamado de “distúrbio do colapso das colônias”, quando os insetos não retornam às colmeias e morrem fora dela, após o corpo sofrer um “curto-circuito” devido à excessiva exposição aos componentes químicos.
Prejuízo na economia
Em 19 de julho de 2012, uma portaria publicada no “Diário Oficial da União” proibiu temporariamente a pulverização de defensivos com clotianidina, imidacloprida e tiametoxam por via aérea, até que uma reavaliação dos produtos fosse feita.
Porém, explica Freitas, por ser prejudicado com a medida, o setor agrícola do país, incluindo o Ministério da Agricultura, se mobilizou contra a decisão, que foi alterada por uma nova portaria, desta vez publicada em janeiro deste ano. A regra também valia para o fipronil.
Com isso, as culturas de soja, trigo, arroz, algodão e cana-de-açúcar poderiam continuar a pulverização com agrotóxicos neonicotinoides na safra 2012/2013, exceto no período de floração, mas teriam que notificar apicultores ao menos 48 horas antes de as aplicações ocorrerem. “O setor agrícola elencou uma série de prejuízos econômicos se o uso desses produtos fosse interrompido”, disse Freitas.
Ainda segundo Freitas, apesar de o Brasil utilizar os mesmos tipos de agrotóxicos empregados na Europa e nos EUA, a decisão de seguir o caminho da União Europeia, vetando de vez os produtos, causaria um impacto muito maior na agricultura brasileira. Para ele, a Europa tem uma quantidade muito menor de insetos e, por isso, a percepção da redução ficou amplificada.
De acordo com o representante do Ibama, produtoras de defensivos já realizam testes adaptados à realidade brasileira, seguindo metodologias criadas na Europa. “Vamos saber se, de fato, o uso desses defensivos causa a toxicidade crônica das abelhas. Isso pode determinar a alteração na condição do registro desses produtos, levando à proibição ou limitação de uso para determinadas culturas”, explica Freitas.
Resultados sobre a reavaliação dos compostos químicos devem ser divulgados até o fim do ano, segundo o Ibama. Inicialmente, apenas a imidacloprida está em análise. Ao mesmo tempo, o Ministério da Agricultura pesquisa compostos alternativos para substituir defensivos agrícolas neonicotinoides.
Risco para a polinização
Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), estima-se que 73% das espécies vegetais cultivadas no mundo sejam polinizadas por alguma espécie de abelha.
Em termos globais, os serviços de polinização prestados por estes insetos – seja no ecossistema ou nos sistemas agrícolas — são avaliados em US$ 54 bilhões por ano.
De acordo com José Gomercindo Correa da Cunha, presidente da Câmara setorial do Mel no Ministério da Agricultura, a mortalidade de abelhas preocupa várias entidades e os produtores de mel, que são cerca de 350 mil.
“No Brasil temos as abelhas africanizadas (resultantes do cruzamento de abelhas africanas e europeias), além de 150 espécies nativas, que produzem polinização especializada e contribuem com a biodiversidade. Já existem defensivos menos agressivos ao meio ambiente. Essa sinalização da Europa certamente será acompanhada de perto”, disse Cunha.
‘Celeiro do mundo’
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam um aumento no uso de agrotóxicos entre 2000 e 2009, quando a relação de quilos por hectare aumentou de 3 kg para mais de 3,5 kg. Em 2010, o país ultrapassou a marca de um milhão de toneladas, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em 2008, o Brasil se destacou como o maior consumidor do produto no mundo, respondendo por 86% da quantidade de agrotóxico vendida na América Latina.
Entre os agrotóxicos mais usados no país destacam-se os herbicidas (71,1%), os inseticidas (66,4%) e os fungicidas (55,3%).
De acordo com Ricardo Camargo, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, a atual prática agrícola do Brasil oferece risco a todos os animais polinizadores (insetos, aves e mamíferos).
“Não há prática sustentável, mas sim aplicação massiva de defensivos, com muita gente usando doses acima dos limites permitidos e materiais que já foram banidos em outros países”, explica.
“Toda a biodiversidade está sendo prejudicada quando se passa um pesticida, que pode tentar matar um agente, mas pode impactar o seu redor. Usa-se muito a informação de que o Brasil é o celeiro do mundo, mas a que preço estamos nisso?”, complementa o pesquisador.
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Enviada por José Carlos para Combate Racismo Ambiental.