Proprietário andava armado e obrigava grupo a produzir carvão em condições degradantes em Marabá, no Pará. Advogado minimiza flagrante e diz que irá recorrer
Por Daniel Santini, Repórter Brasil
O fazendeiro Vivaldo Rosa Mariano foi condenado a cinco anos e quatro meses de prisão em regime semiaberto por escravizar dez homens e uma mulher na produção de carvão em Marabá, no Pará. A pena é resultado de denúncia feita pelos procuradores Tiago Modesto Rabelo e Luana Vargas Macedo, do Ministério Público Federal (MPF), com base em operação conjunta de fiscalização realizada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, pelo Ministério Público do Trabalho e pela Polícia Federal, entre 20 e 31 de janeiro de 2009.
De acordo com as autoridades, os trabalhadores eram subjugados pelo fazendeiro, que andava armado, sofriam humilhações constantes, viviam em condições degradantes e cumpriam jornadas exaustivas. A produção de carvão era feita na fazenda Novo Prazer, de propriedade do fazendeiro, sem equipamentos de proteção e os trabalhadores não tinham folga. ÀRepórter Brasil, Walteir dos Santos Vieira, advogado de defesa, minimizou o flagrante e as acusações, e afirmou que irá recorrer da sentença. Vivaldo não foi localizado para comentar a condenação.
O juiz federal João César Otoni de Matos baseou sua decisão no artigo 149 do Código Penal, que define trabalho escravo contemporâneo, e destacou que o fazendeiro, “em pleno século 21, adotou práticas de tratamento desumano a trabalhadores rurais”. Ele ressaltou ainda que “os motivos do crime baseiam-se no desejo de obter o maior lucro possível em detrimento de trabalhadores pouco escolarizados e pobres”. Clique aqui para baixar a decisão da 1ª Vara Federal em Marabá em documento tipo PDF (processo número 133-28.2011.4.01.3901).
Trabalho forçado
Segundo a equipe de fiscalização, coordenada pelo auditor fiscal Cláudio Secchin, os trabalhadores não eram registrados e não havia recolhimento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Eles eram obrigados a trabalhar de domingo a domingo, sem terem certeza de quanto receberiam no final do mês. Os libertados deram depoimentos relatando que tinham de cumprir longas jornadas todos os dias, e sofriam humilhações e ameaças se reclamassem.
No flagrante, o fazendeiro chegou a ser detido pela Polícia Federal por portar armas sem registro ou documentação. Nos depoimentos, empregados relataram que, além de fazer humilhações constantes, Vivaldo não permitia que eles saíssem. O advogado de defesa Walteir dos Santos Vieira nega as ameaças e alega que o porte de armas, ainda que não seja permitido, é comum na região. “Em qualquer fazenda do sul do Pará você vai encontrar arma. De terceiro, de assentado, isso não foge à regra. Mesmo entre as armas que foram encontradas, se for ver, uma delas era do rapaz que trabalhava com o trator”, diz o advogado, que afirma que os trabalhadores exageraram nos depoimentos.
“É uma coisa absurda, um diz que saía para trabalhar às 3h, em um lugar que não tem energia elétrica. Como?”, questiona. “Entendo que existem violações à legislação do trabalho, mas existe também muita fantasia. Às vezes, você pega um pequeno fazendeiro. O cara tem a renda mínima de R$ 5 mil reais. Sendo que o próprio contratante vive do trabalho que tem nessa terra. Não nego que existam grandes propriedades em que isso existe, mas cada caso é um caso”, aponta. “O que tem acontecido bastante aqui na região é que o pessoal do Ministério do Trabalho e Emprego não dá nenhuma orientação, não informa sobre as minúcias da legislação trabalhista. Quando eles aparecem, chegam na fazenda e, pelo fato de o cidadão não ter água tratada e gelada, moradia digna, alojamento com cama, refrigerador, energia elétrica, eles entendem que é trabalho escravo”, afirma o advogado.
Apesar da crítica do advogado, o relatório que embasou o processo do MPF é detalhado, conta com fotos e descrições específicas de problemas que vão além de água gelada e alojamentos confortáveis. Entre as condições que caracterizaram trabalho escravo, por exemplo, está a ausência de água potável na propriedade. Os trabalhadores, segundo as autoridades, não tinham opções e acabavam consumindo a água escura de um poço improvisado, sem nenhuma filtragem ou tratamento.
No trabalho em si, além das jornadas exaustivas sistemáticas, sem tempo para descanso, também foram constatados outros problemas considerados graves pela fiscalização. Apesar de trabalharem em fornos de alta temperatura, manuseando e cortando madeiras com ferramentas afiadas, os empregados não tinham equipamentos de proteção individual adequados. Um dos empregados foi encontrado dentro de um forno de chinelo de borracha.
Degradação e vulnerabilidade social
A degradação humana também foi caracterizada pelo fato de o alojamento no qual o grupo vivia servir também como depósito e estar em péssimas condições, segundo as autoridades. Os trabalhadores dormiam em redes próprias ao lado de motosserras, óleo de combustível, sementes e demais utensílios utilizados na produção de carvão. A construção ficava próxima aos fornos e repleta de fumaça da queima do carvão. Além disso, o local não dispunha de banheiro. Os empregados utilizavam a mata para necessidades fisiológicas e, sem papel higiênico, eram obrigados a usar a própria vegetação para higiene pessoal.
O advogado de defesa Walteir dos Santos Vieira afirma que, se não estivessem empregados, tais trabalhadores estariam em pior condição. “Se você olhar para o lado em qualquer cidade, tem gente que vive muito pior que qualquer um desses trabalhadores. É só ver os bolivianos que trabalhavam em São Paulo em cubículos, que também são considerados escravos. Uma vez vi um repórter perguntar se eles achavam que estavam em condição digna e um respondeu que seria dez vezes pior se ele estivesse na Bolívia”, argumenta.
Na sua decisão, o juiz federal João César Otoni de Matos, porém, destaca que os trabalhadores não tiveram alternativa. ”Ressalte-se que o fato de cidadãos pobres e humildes aceitarem a indigna sujeição a tal tipo de condições, o que fazem em razão da absoluta falta de alternativa para garantia da própria subsistência, não autoriza a outrem, valendo-se da privilegiada posição de detentor do conhecimento e do poder econômico, literalmente lucrar com a miséria e desgraça alheias”, destaca. “Não há dúvida quanto ao pleno conhecimento do réu acerca do que se passava na propriedade, bem assim quanto a sua atuação livre e consciente no intuito de lucrar com a exploração do trabalho das vítimas, uma vez que declarou que contratava os trabalhadores, efetuava os pagamentos e administrava a fazenda”, conclui.
Fotos: Divulgação/MTE
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Enviada por José Carlos para Combate Racismo Ambiental.