Ivânia Vieira, A Crítica
“O mundo está muito atrapalhado”, alerta uma das mais importantes líderes indígenas da Amazônia, Maria Miquelina Barreto Tukano. Para desatrapalhar o mundo, Miquelina defende a reunião das pessoas, a coragem e a determinação como uma condição necessária ao enfrentamento da política que “faz mal à humanidade”.
A declaração de Miquelina foi feita após assistir, na noite de sábado(26), ao documentário “Belo Monte – anúncio de uma guerra”, no Centro Cultural Reunidos, na Praça do Congresso, Centro de Manaus. Uma das convidadas a falar ao público, a líder indígena emocionou os presentes ao contar um pouco da história de vida dela e do respeito que tem pelo líder caiapó Raoni – “um parente sábio que faz da vida dele a nossa defesa”. Miquelina chegou a Manaus em 1986 e afirma ainda se sentir uma estranha na cidade. Em 27 anos morando na capital, Miquelina experimentou o preconceito e a desconfiança, mas também descobriu amigos e parceiros. A cada participação nos eventos em defesa dos direitos indígenas, ela conquista admiradores. Não mudou o jeito. Intercala a voz entre o tom mais suave e o mais forte, sempre firme, recorrendo à sabedoria aprendida no convívio com as vidas da floresta.
“O sofrimento dos nossos parentes do Xingu é o nosso sofrimento”, disse Miquelina ao criticar a construção da hidrelétrica de Belo Monte (próximo ao Município de Altamira, Pará). “Sofremos com o governo militar e hoje sofremos com o governo popular. Somos tratados como classe inferior”, lamenta a indígena para quem os projetos governamentais na região, como as grandes hidrelétricas, representam a decretação da morte dos povos indígenas. “Sem terra não temos vida; se tiram a terra da gente, o que vai restar?”
Miquelina lamentou que hoje já não se possa ver a estrela da manhã, perdida porque a natureza mudou muito e o “mundo ficou muito atrapalhado por causa da ganância dos homens e dos bancos. Ganância que só faz crescer”. Para ela, a humanidade piora cada vez que perde um direito como esse: ver a estrela da manhã.
A líder indígena lembrou que um militar, em São Gabriel da Cachoeira (AM), lhe perguntou o porquê de não se retirar as pedras dos rios do município.”Essas pedras eram de uma montanha que caiu e se espalhou pelo rio como ensinamento para nós e para os outros. Não é para tirar, é para aprender a lidar com os obstáculos”, ensina.
Fórum cria agenda de intervenções
Mais de 70 pessoas participaram, no sábado (27), à noite, no Centro Cultural Reunidos,na rua Monsenhor Coutinho, Praça do Congresso, Centro, do debate sobre “povos indígenas e hidrelétricas . O encontro é uma promoção mensal do Fórum de Mulheres Afro-ameríndias e Caribenhas do Amazonas, em parceria com o Centro Cultural, e um coletivo de organizações.
Entre a apresentação do documentário “Belo Monte – Anúncio de uma guerra”, de André D’Elia (Brazil, 2012, 105 min.) e as intervenções populares, capoeiristas fizeram da outra parte do encontro uma louvação às culturas afro e indígenas. No pequeno palco, jovens e crianças se revezavam nos jogos frenéticos da capoeira. Pernas e braços cortavam espetacularmente o espaço sob o som de berimbaus e pandeiros e os aplausos de um público maravilhado com que via.
O Fórum de Mulheres Afro-ameríndias e Caribenhas nasceu em 2012 após a realização, em 25 de julho, de encontro que tem esse mesmo nome. Desde lá, uma vez por mês, no Centro Cultural Reunidos, é feita uma atividade incluindo temas que se constituem hoje questões de interesse nacional e internacional e envolvam as lutas dos povos e das mulheres. A cada atividade é exibido um filme e, em seguida, são feitas intervenções livres.