“A situação da Caatinga é a de um bioma ameaçado”

Bruno Calixto – Blog do Planeta

Comemoramos no próximo domingo (28) o Dia da Caatinga, uma data para nos lembrar de um dos biomas mais ameaçados e menos estudados do Brasil. Atualmente, mais de 50% da mata nativa já foi desmatada, e a região enfrenta uma forte estiagem – a pior seca do Nordeste nos últimos 50 anos.

O Blog do Planeta conversou com Rodrigo Castro, presidente da Associação Caatinga, que acompanha de perto os problemas e os esforços de conservação na região. Castro fala sobre os problemas da região, e conta um pouco da proposta de aumentar o prestígio do bioma. Para isso, a ONG defende uma Proposta de Emenda da Constituição (PEC) que transformada a Caatinga em patrimônio nacional na Constituição brasileira, e atua na promoção e preservação do tatu-bola, espécie escolhida como mascote da Copa do Mundo de 2014.

Blog do Planeta – Qual é a situação da Caatinga hoje?
Rodrigo Castro – 
A situação da Caatinga, hoje, é a de um bioma ameaçado. São duas variáveis que tornam o bioma ameaçado. Uma é o nível do desmatamento. Mais de 50% da área de ocorrência da Caatinga já foi desmatada. A outra é o nível de proteção: a Caatinga tem o menor índice de áreas protegidas no país. A proteção legal do bioma é baixa e o nível do desmatamento é alto. Esses dois fatores colocam a Caatinga como um ambiente ameaçado.

Blog do Planeta – Então mais da metade da Caatinga já foi desmatada?
Castro – 
Sim, esse é o total acumulado. Mas os dados variam, de 45% a 46%, segundo o Ministério do Meio Ambiente, até dados de pesquisa que chegam a 60%, 65%. O seguro é dizer mais de 50%, mais da metade da Caatinga já foi desmatada.

Blog do Planeta – Com todo esse desmatamento, como que o bioma está resistindo à forte seca que o Nordeste vem enfrentando nos últimos meses?
Castro – 
Períodos de seca são comuns na Caatinga. Porém, o que torna essa seca grave é que já são dois anos consecutivos de estiagem prolongada. Como a Caatinga foi forjada por esse clima, essa estiagem vai trazer problemas em menor dimensão para o ecossistema. O grande problema é a convivência humana. O homem precisa da água para produzir. Sem essa água, aumenta a pressão no ecossistema. Quando não tem produção, aumenta a caça, a exploração de madeira, de lenha, de carvão. A pressão sobre recursos naturais cresce nesses períodos. Não é uma pressão climática. É uma pressão do homem que busca na mata alternativas em períodos que não tem produção.

Blog do Planeta – É normal ter dois anos consecutivos de seca?
Castro –
 Não é muito comum, mas acontece. Por exemplo, tradicionalmente a população que vive na Caatinga diz que a cada sete anos tem um período de seca prolongada. Mas isso não é um dado científico, é mais uma tradição. Olhando para os dados científicos, já ocorreu de ter estiagens longas, mas há muito tempo. Nos últimos 50 anos, é a primeira vez que vemos uma seca tão severa como a que está ocorrendo agora.

Agora, uma questão precisa ser estudada mais a fundo sobre essa estiagem, que é o papel das mudanças climáticas. Quanto dessa seca pode ser atribuído a mudanças climáticas em curso? Isso ainda não dá pra dizer, mas tem pesquisadores estudando. A projeção do IPCC, para o futuro, é que as regiões semiáridas do planeta vão sofrer com períodos de grande estiagem. De acordo com essas projeções, há uma tendência de que, ao longo dos próximos cem anos, o semiário se torne árido.

Blog do Planeta – E a Caatinga ainda é pouco estudada, não? Alguns cientistas dizem que é o bioma que tem menos pesquisa no Brasil.
Castro – 
A Caatinga sempre foi retratada de forma muito negativa. Ela virou sinônimo de pobreza, de dificuldade, de fome, de falta de oportunidades. É uma imagem construída nos últimos cem ou cento e cinquenta anos. Esse estigma causa a falta de investimento, de políticas públicas, de enxergar a Caatinga como um dos elementos de biodiversidade do Brasil. Como o ecossistema não é valorizado, tem menos pesquisa, menos investimento.

Um trabalho que estamos fazendo para tentar reverter esse estigma é uma mobilização nacional para que a Caatinga seja reconhecida como patrimônio nacional na Constituição. Hoje, a Caatinga não tem esse reconhecimento, assim como o Cerrado. Há uma proposta no Congresso que busca corrigir essa injustiça histórica.

Blog do Planeta – Essa proposta tem algum efeito prático? O que a Caatinga ganha se for reconhecida como patrimônio nacional?
Castro –
 É como uma criança que nasce e não tem a certidão de nascimento. A Constituição deu uma certidão de nascimento oficial e reconheceu os outros biomas brasileiros, mas o Cerrado e a Caatinga são órfãos, não foram qualificados dentro da nossa legislação.

A implicação existe a médio prazo. Sem esse reconhecimento, você não consegue desenvolver legislações que sejam favoráveis à proteção desses biomas. É uma situação desfavorável. Uma vez patrimônio nacional, vai levar um tempo, mas poderemos aprovar no Congresso legislações similares a Lei da Mata Atlântica, só que para a Caatinga. O reconhecimento é importante como marco para os biomas e para construir uma estratégia de proteção no futuro.

Blog do Planeta – Há resistência da parte do Congresso, ou dos parlamentares ligados ao agronegócio, para votar essa PEC?
Castro –
 É mais uma pressão por parte dos ruralistas do Cerrado, porque Caatinga e Cerrado estão na mesma PEC. Digamos que há a preocupação de que qualquer mudança no status do Cerrado possa ter alguma implicação de restrição no uso e ocupação do Cerrado. Não vai ter. Nosso enfoque não é restringir, é o enfoque positivo. Transformar o Cerrado em patrimônio nacional valoriza a produção da região, dos grãos produzidos no Cerrado, e vai ajudar no futuro o próprio produtor. A médio prazo, o reconhecimento é muito positivo para qualificar o agronegócio. Vai ter reconhecimento, qualificação e, no futuro, sustentabilidade.

São vários os argumentos para defender a ideia de transformar Caatinga e Cerrado em patrimônio nacional. São mais de dois terços do território nacional que não estão reconhecido na Constituição. Além disso, são os dois únicos biomas onde vive o tatu-bola, o animal que é mascote da Copa do Mundo. Como que a gente não reconhece como patrimônio nacional a casa do tatu-bola?

Blog do Planeta – O tatu-bola é um projeto da Associação Caatinga. Como vocês convenceram a organização da Copa do Mundo para escolher essa espécie como mascote?
Castro – 
Foi uma iniciativa que começou em janeiro de 2012. Nós queríamos trazer a questão ambiental para a Copa do Mundo. Na época, a Copa não tinha mascote, então nós decidimos sugerir o tatu-bola. Começamos uma campanha na internet que teve muito espaço na mídia, nas redes sociais, e ganhou uma dimensão que a gente nunca imaginou. Como a repercussão foi muito boa, fizemos uma proposta oficial, com argumentação técnica, explicando porque o tatu-bola deveria ser escolhido mascote da Copa. Ele é predestinado para ser mascote: vira bola quando está em perigo, é uma espécie única do Brasil, só existe na Caatinga e em algumas regiões de Cerrado, está ameaçado de extinção. São muitos argumentos favoráveis. Encaminhamos para a Fifa, para o Ministério do Esporte, e em setembro tivemos a grata surpresa do anúncio. Mas o grande desafio vem agora. Nós precisamos transformar a visibilidade que ele está ganhando para a conservação da espécie, que está ameaçada. A gente acredita que a Copa do Mundo pode ajudar a salvar o tatu-bola da extinção.

Fotos: Divulgação/Associação Caatinga

Enviada por José Carlos para Combate Racismo Ambiental.

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