Comunidade Guarani exige desintrusão da Terra Indígena Morro dos Cavalos (SC)

CIMI – Quando parecia que as duas décadas de espera iria se encerrar, a comunidade Guarani da Terra Indígena Morro dos Cavalos, em Santa Catarina, viu, na última sexta-feira, 5, o processo demarcatório do território ser paralisado mais uma vez.

Servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) estavam preparados para iniciar a indenização das benfeitorias dos ocupantes não indígenas da terra demarcada pelo órgão indigenista estatal em 2010. Porém, os técnicos pararam os trabalhos depois de receberem telefonemas de Brasília.

Nesta terça-feira, 9, os indígenas decidiram enviar carta ao ministro da Justiça pedindo a conclusão do processo de demarcação, com o pagamento das benfeitorias, a desintrusão dos ocupantes e a posterior homologação pela Presidência da República.

Para agravar a situação, os Guarani informam que passaram a sofrer ameaças de morte, cortes criminosos da água da comunidade e as populações das cidades mais próximas ao território são amedrontadas com notícias de que os ‘bugres’ – termo pejorativo usado por fazendeiros em referência aos indígenas – levariam para a região outros 15 mil indígenas.

Leia a íntegra da carta:

TI Morro dos Cavalos, 09 de abril de 2013.

Ilmo Senhor Ministro de Estado da Justiça

DR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO

Brasília – DF

Senhor Ministro,

Considerando sua presença na capital do Estado de Santa Catarina, queremos, respeitosamente, levar ao vosso conhecimento a violência que nós, povo Guarani deste estado, estamos enfrentando. Falamos em nome da Comissão Guarani Nhemonguetá e também da Comunidade Guarani da Terra Indígena Morro dos Cavalos, localizada no município de Palhoça.

Senhor Ministro, desde 1993, ou seja, há 20 anos, nosso povo vem lutando pela demarcação desta TI. Durante quase seis anos – de 2002 a 2008 – foi debatido sobre o direito a terra. Finalmente foi reconhecida como sendo tradicional de nosso povo, através de publicação da Portaria Declaratória Nº 771 de 18 de abril de 2008. Em 2010 a Funai concluiu a demarcação física e agora, em 2013, vai fazer o pagamento das benfeitorias aos ocupantes não indígenas.

Ocorre, Senhor Ministro, que bastou a Funai comunicar que vai providenciar a desintrusão para que começassem os golpes de todo tipo de racismo, preconceito e violência física. Cortaram o cano d’água que abastece nossa comunidade, ameaçaram colocar fogo em nossas casas, invadiram casas e nos agridem verbalmente com mentiras dizendo que não somos indígenas, que somos paraguaios, que vamos destruir o meio ambiente, que vamos cortar a águas dos moradores da região, que a Funai vai importar 15 mil Guarani do Paraguai e do Mato Grosso do Sul. Tudo isso numa campanha de algumas pessoas que tem interesse sobre nossa terra, tem interesse em explorar nossas águas e usam a população local contra nosso povo.

Para agravar ainda mais a situação, o próprio Estado de Santa Catarina, deputados e a procuradoria vêm se opondo aos nossos direitos. O Deputado catarinense Valdir Colatto já protocolou um pedido de CPI da Funai por causa de nossa terra; os deputados estaduais, criaram uma sub-comissão na Comissão de Constituição e Justiça para investigar as demarcações de terra; o Procurador do Estado diz que vai protocolar pedido junto ao vosso Ministério para revogar a portaria declaratória e se não conseguir vai ingressar na justiça.

Não é de hoje que Santa Catarina vem exterminando as populações indígenas. Lembramos que nas primeiras décadas do século passado, a menos de 100 anos, o Estado de Santa Catarina pagava bugreiros pra caçar indígenas como se fossem animais. Agora os bugreiros são grande parte dos políticos catarinenses e a história continua como antes, apenas mudaram as armas. É profundamente injusto viver num estado com tanto racismo, com tanto preconceito. Não falamos apenas em relação ao nosso povo, lembramos que se hoje o Senhor está dando posse para a Defensoria Pública foi porque precisou da intervenção do STF e da mobilização da sociedade catarinense. Isso envergonha a nação e nos agride como primeiros ocupantes dessa terra. 

Nossa terra é pequena, são apenas 1.988 hectares. Não sabemos porquê tanto ódio por tão pouca terra, mas sabemos que o ódio é contra nossas pessoas, porque existimos. O Estado de Santa Catarina pode colaborar com a demarcação, regulamentando o Artigo 148A da Constituição estadual para indenizar pela terra os ocupantes não indígenas, mas não o faz.

Por isso, Senhor Ministro, queremos pedir que fale com a Funai para que execute urgentemente as indenizações das benfeitorias aos ocupantes de boa fé. Sabemos que algumas famílias aguardam com ansiedade o pagamento. Somente assim podemos ocupar a terra deixada por nossos antepassados.

Que a Justiça seja feita. Estamos confiantes na ação do Senhor.

Agradecemos pela atenção. Estamos prontos para quaisquer dúvidas do Senhor.

Marco Antônio de Oliveira

Coordenador da Comissão Guarani Nhemonguetá

Marcos Morreira

Representante da Comunidade Guarani da Terra Indígena Morro dos Cavalos

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