PB – Guerra entre ‘EUA’ e ‘Al Qaeda’ leva terror a João Pessoa. Para cada homicídio de branco, 29 negros são mortos na cidade

Editoria de Arte/Folhapress

Por Reynaldo Turollo Jr., enviado especial a João Pessoa – Folha/UOL

Bairros inimigos, condomínios populares que se atacam, brigas de torcidas. Capital líder em homicídios de negros do país, João Pessoa é uma cidade dividida.

No coração dos conflitos, centrados na periferia, estão grupos que controlam diferentes áreas da cidade: a “Okaida”, nome inspirado na rede terrorista Al Qaeda, e os “EUA”, inimigos da Okaida.

Nessa disputa batizada pelo principal conflito mundial deste século, a história se resume à luta pelo comando do tráfico ou de presídios, diz a polícia. Mas moradores da periferia relatam que o problema é mais profundo e se nutre da rivalidade entre bairros.

Sob ameaça de morte, jovens são proibidos de frequentar espaços visados por jovens de áreas rivais, ainda que não tenham ligação com o crime. Pichações das gangues marcam cenas de homicídios.

A briga entre torcidas organizadas também estimula a violência, dizem moradores. Apesar de torcerem para o mesmo time, o Botafogo-PB, a Torcida Jovem da Paraíba e a Fúria Independente são de bairros rivais, e mobilizam centenas de jovens.

Para a polícia, o ódio entre bairros é fomentado por traficantes para forçar jovens vulneráveis a entrar nas facções. “Perguntamos o porquê do encantamento com facções e o próprio jovem não sabe dizer”, diz Andrezza Gomes, 22, da Pastoral do Menor.

MORTES DE NEGROS

João Pessoa registrou 518 mortes violentas em 2012. Para a Polícia Civil, metade está ligada ao tráfico e à disputa entre os grupos.

O Mapa da Violência 2012, que computa homicídios de 2010 registrados pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mostra que, para cada homicídio de branco, 29 negros são mortos na cidade.

É a capital com a maior taxa de homicídios de negros do país: 140,7 por 100 mil negros. A taxa nacional é quatro vezes menor, 36.

O estudo considera negro a somatória de quem se declara preto e pardo ao IBGE.

O governo do Estado reconhece que os números apontam uma tendência, mas diz que pode haver diferença entre dados do IBGE, em que o entrevistado declara sua cor, e os do SUS, em que o médico atesta a cor da vítima.

Para o historiador e militante negro Danilo da Silva, a Paraíba vive um “genocídio” da população negra.

Não se trata, porém, de um confronto armado entre raças, mas de enfrentamento entre os próprios moradores da periferia da capital. Silva aponta a “omissão do Estado na periferia”, que não se empenharia para resolver os crimes, como o componente que permite essa situação.

“É como se o envolvimento no tráfico justificasse tudo: morreu, foi coisa boa. Mas nem todos estão envolvidos.” Estudante, pedreiro, capoeirista e negro, Edjackson da Silva Ferreira, 17, foi morto no último dia 20 no condomínio onde vivia com a mãe, no bairro do Valentina, um dos mais violentos da capital.

Moradores do condomínio rival invadiram o local e atiraram em Ferreira apenas para “não perder a viagem”, porque não encontraram seus alvos, dizem pessoas próximas.

“Ele não era do tráfico”, afirma o professor de capoeira João Paulo Pereira, 28. Desde então, tiros entre os condomínios são quase diários. Até semana passada, ninguém havia sido preso.

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1247559-guerra-entre-eua-e-al-qaeda-leva-terror-a-joao-pessoa.shtml

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Ex-usuária de droga diz ter perdido 34 amigos em bairro de João Pessoa

Por Reynaldo Turollo Jr., enviado especial a João Pessoa – Folha/UOL

“Perdi 34 amigos no meu bairro em um ano [2012]. A maioria a droga levou. A grande maioria era negra”, relata Renata Wilma de Lima, 27, moradora do Mangabeira, maior bairro de João Pessoa.

“Estão matando não é só por causa da droga, mas por causa do conceito”, revela. “Se o ‘boy’ matar um, dois, três, aquilo ali é um conceito para ele. Vai ter uma moral dentro do bairro.”

Separada, mãe de três filhos e ex-usuária de drogas, Renata tem planos de estudar e ser documentarista. Entre outras coisas, quer retratar sua comunidade, como afirma que já vem fazendo.

“Comecei a observar ao meu redor, meninos que eu vi crescer, peguei no braço. Comecei a ir a enterro, a ver aquelas cenas [de crimes] próximas de mim, e comecei a registrar [em fotos]”, relata.

Renata Wilma de Lima, 27, moradora do Magabeira, maior bairro de João Pessoa, que disse ter perdido 34 amigos assassinados na cidade. Foto: João Medeiros/Folhapress

Há alguns meses, conta, seu filho de 13 anos ia ao shopping com colegas quando precisou voltar às pressas para casa. No caminho, cruzou com outros jovens, no terminal de ônibus, que quiseram saber de onde ele era.Renata diz ter deixado as drogas há 12 anos, quando entrou no Centro da Juventude, espécie de oficina com vários cursos em Mangabeira, onde conheceu a capoeira.

“”Ôxe, esse ‘boy’ é de Mangabeira, vamos quebrar.’ Ele só não levou uma surra porque ele viu o [ônibus] 303 e correu para dentro”, afirma.

Segundo o militante do movimento negro e jornalista Dalmo Oliveira da Silva, essa “cultura de violência” é recente em João Pessoa.

“É como se tivesse ocorrido uma espécie de importação de um modelo que acaba contribuindo para o glamour da bandidagem”, declara.

No Mangabeira, o Centro da Juventude frequentado por Renata hoje é um prédio caindo aos pedaços, sem pintura e com fiação exposta.

A coordenação do local, ligada à prefeitura, informou que a reforma do imóvel atrasou, mas que está programada para começar em breve.

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Após denúncia de tortura, jovem é achada morta em prisão da PB

Por Reynaldo Turollo Jr., enviado especial a João Pessoa – Folha/UOL

Uma presa de 19 anos foi encontrada morta no início deste mês no presídio feminino de João Pessoa, após se queixar ao Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba que sofria “tortura” na cela.

Segundo o relatório da vistoria feita na penitenciária Maria Júlia Maranhão em 17 de janeiro, a presa Adriana Paiva Rodrigues reclamava das ofensas de agentes penitenciários. “Era constantemente chamada de ‘negra’, ‘macaca’, ‘picona’ e ‘presinha'”, segundo o documento.

“Adriana ainda informa que durante o período no [regime] isolado já teria levado sete surras no total, tendo sido agredida na cabeça, razão pela qual hoje sofreria com convulsões”, diz o relatório.

De acordo com a conselheira Laura Berquó, esse documento foi enviado à Secretaria da Administração Penitenciária antes de a presa morrer.

Adriana estava detida desde dezembro de 2011, sob acusação de desacato e dano ao patrimônio público.

Berquó afirma que o Conselho de Direitos Humanos estuda providências em relação ao caso.

OUTRO LADO

O corpo de Adriana foi encontrado pendurado na grade da cela do isolamento no último dia 4, informou a Secretaria da Administração Penitenciária da Paraíba.

Outras presas que estavam perto de Adriana relataram que a viram se suicidar, afirmou a pasta, em nota. A secretaria disse que aguarda o resultado da perícia para determinar as causas da morte.

Sobre o relatório do Conselho de Direitos Humanos, a secretaria informou, via assessoria, que recebeu as denúncias em janeiro e abriu sindicância para apurá-las.

Enviadas por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

ATENÇÃO: O conteúdo deste blog pode ser reproduzido. Basta manter as referências a outras fontes e autores, quando por nós mencionados, e dar o devido crédito a Combate ao Racismo Ambiental.

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