Atividade petrolífera no Peru ameaça recursos naturais e índios isolados do Amazonas

Indígenas participam de encontro (Lucas Bonolo / CTI)

Indígenas da etnia mayoruna, que vivem na TI Vale do Javari, denunciam impactos que atividade de empresa canadense pode causar em suas terras

Por Elaíze Farias – Vale do Javari, Atalaia do Norte

A atividade petrolífera iniciada há seis anos na fronteira do Peru com o Brasil pode impactar comunidades de índios mayoruna na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, comprometer recursos naturais, contaminar nascentes de rios, provocar morte de peixes e fuga da fauna e ameaçar a sobrevivência de povos isolados. O Vale do Javari fica no Município de Atalaia do Norte (a 1.138 quilômetros de Manaus).

Os mayoruna, que se autodenominam matsés, são um povo que foi dividido pela fronteira dos dois países. No Brasil são mais de mil pessoas, a segunda maior população do Vale do Javari, atrás dos marubo. No Peru, eles são mais de dois mil. Na bacia do rio Jaquirana, que divide a fronteira dos dois países e onde estão localizadas as aldeias mayoruna, há fortes evidências, inclusive com avistamentos por indígenas contatados e da população regional, de povos isolados.

Na 4ª Reunião Binacional Matsés Brasil-Peru coordenada pela Organização Geral dos Matsés (OGM) e pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI) realizada na semana passada na aldeia Lobo (Vale do Javari), localizada na bacia do rio Jaquirana, mais de 100 lideranças  mayoruna  repudiaram as atividades da empresa petroleira canadense Pacific Stratus Energy S.A.

A área de maior atividade ocorre no Lote 135, ocupada por índios isolados e onde os mayoruna peruanos lutam há vários anos para que o local seja reconhecido como terra ancestral deles com o nome de Reserva Indígena Yavari, Tapiche, Yaquerana, Chobayacu e Afluentes.

Em novembro passado, a empresa canadense iniciou trabalhos de levantamentos sísmicos no lote 135, sobreposta a um território considerado tradicionalmente pertencente ao povo mayoruna.

Algumas linhas sísmicas estão distantes a menos de quatro quilômetros da margem do rio Jaquirana, segundo Conrado Rodrigo Octavio, membro do CT, que elaborou um mapa com informações sobre a atividade (abaixo). No mapa, é possível observar os lotes do petróleo sobre o território mayoruna e isolados, linhas sísmicas executadas no Lote 135 e reservas territoriais para índios isolados.

Cobrança

Os indígenas afirmam que concessão do governo peruano à empresa canadense desconsiderou a oposição dos mayoruna  e não reconheceu a presença de grupos isolados.

A oposição dos mayoruna  contra as atividades da empresa canadense é antiga. Até pouco tempo, esta era uma preocupação apenas dos mayoruna do território peruano. Mas, recentemente, os que vivem em território brasileiro perceberam os riscos que a atividade poderá trazer a sua terra no lado brasileiro da fronteira.

Durante a reunião, as lideranças mayoruna, entre eles o cacique da aldeia Lobo, Waki Mayoruna, exigiram uma posição mais contundente do governo brasileiro sobre essa atividade.

Segundo os indígenas matsés do Vale do Javari, o governo do Brasil nunca solicitou do Peru informações sobre os impactos que a atividade poderia provocar no País. Na reunião, esta cobrança foi reiterada por meio da elaboração de um documento (leia) e diretamente ao assessor da Funai presente na aldeia, Francisco Pyanko.

“Não estamos mexendo na terra dos brancos. A nossa terra está demarcada para que possamos cuidar dela. A gente está tendo uma reunião para discutir petróleo, que pode impactar a nossa terra. Para nós isso é ruim. Se mexer na nossa terra, seremos afetados porque moramos na fronteira. Por isso a gente quer cobrar das autoridades”, disse Waki Mayoruna.

Membro da Comunidad Nativa Matsés, Pepe Fasabi Rimachi, do Peru, conta que, apesar da existência de uma lei criada em seu país em 2003 que dá direito aos indígenas ser consultados, esta legislação nunca foi respeitada.

“Não estamos contra o desenvolvimento, mas os povos indígenas precisam ser consultados, ser informados sobre como isto ocorre, quais as conseqüências. A empresa só fala em conseqüências boas, mas nunca menciona nenhum efeito. Por isso somos contra empresas que estão usurpando as terras dos matsés”, salientou Rimachi.

Maloca da aldeia Lobo onde ocorreu a reunião dos índios mayoruna. Foto: Elaíze Farias

Diálogo

O coordenador geral de índios isolados e de recente contato da Funai, Carlos Travassos, destacou a preocupação do órgão com a atividade petrolífera do outro lado da fronteira e com o fato do governo brasileiro não ter gestão sobre o país vizinho. Mas, segundo Travassos, o Brasil pode tentar dialogar por vias diplomáticas.

Vítor Mayoruna, presidente da OGM, se disse preocupado com os impactos da atividade petrolífera sobre as terras mayoruna. Ele pediu que o governo brasileiro se mobilize por meio de suas instâncias junto ao Peru.

Conforme Vitor, uma das maiores preocupações é com os índios isolados. “A gente quer que eles fiquem em paz, que ninguém mexa com eles. Essa atividade também pode sujar as cabeceiras do rio, matar peixe e fazer sumir animais. Os índios podem se revoltar e ter conflito”, disse Vítor.

Uma nota divulgada pelo CTI há dois meses afirma que mata adentro do lado brasileiro do rio Jaquirana, a menos de 30 km da fronteira com o Peru a Funai possui a referência oficial de número 28 sobre presença de índios isolados, atualmente em estudo.

O CTI diz que todas as informações disponíveis indicam que pelo menos um grupo de índios isolados cruza a fronteira Brasil-Peru constantemente, utilizando território de ambos os países.

Encaminhamento

Presente da reunião, Francisco Pyanko, assessor da presidência da Funai, fez um alertar aos indígenas sobre a “complexidade da situação” porque o assunto envolve fronteiras de dois países. Ele disse que iria levar a questão à presidência da Funai para esta encaminhar  o caso às instâncias do governo.

Também participaram da reunião representantes do Exército Brasileiro, do Ministério Público Federal do Amazonas, da Funai e do órgão ambiental do governo peruano. A próxima reunião binacional vai acontecer em uma aldeia do Peru.

Raul Mayoruna e Waki Mayoruna, cacique da aldeia Lobo. Foto: Lucas Bonolo/CTI

Agenda

A atual fase da atividade petroleira é de prospecção sísmica. São mais de dois mil quilômetros de picadas na mata, com a instalação de cargas explosivas, segundo informações de Conrado Rodrigo Octavio, membro do CTI.

“A atividade faz limite direto com o Vale do Javari e o rio Jaquirana, que é o principal formador do rio Javari”, observou.

Conforme Octavio, boa parte da atividade incide sobre a Reserva Tapiche Blanco Jaquirana, onde há índios isolados. A área até hoje não teve reconhecimento por parte do governo peruano.

“Essa agenda do governo peruano é de vários anos e o povo mayoruna do Peru vem resistindo, se colocando muito claramente contrário. Acredito que o principal êxito das reuniões binacionais já realizadas, e desta agora, é que o povo mayoruna está se mobilizando e se fortalecendo frente às ameaças a seu território”, avaliou.

Ele disse ser necessária uma manifestação dos dois governos em relação a este assunto até então pouco mencionado nas pautas governamentais. Octavio também salientou que, apesar das inúmeras denúncias já realizadas, os governos brasileiro e peruano nunca dialogaram com os povos indígenas. “Nenhuma instituição de pesquisa ou de ensino estava atenta a esta questão”, disse.

“Não é ser contra o petróleo, mas os indígenas têm direitos que devem ser respeitado. Os mayoruna já tiveram uma experiência negativa por parte de prospecção feita na região pela Companhia Brasileira de Geofísica a serviço da Petrobras nos anos 80. Quando se perfura poços, por mais que se tenha cautela, sempre existe um risco. A atual fase sísmica há intensa movimentação de pessoas, transmissão de doenças, são mais de 500 pessoas esquadrinhando o local. No Peru, o discurso da empresa é sedutor. Ela assedia as lideranças matsé para eles intercedam junto aos mais antigos”, relatou Octavio.

População

população de indígenas isolados em território do Vale do Javari é estimada em duas mil pessoas, no mínimo, segundo Carlos Travassos. O número pode ser maior, no entanto, e esta expectativa pode ser confirmada com a realização de mais expedições.

O quadro mais atualizado aponta 16 referências de grupos isolados. O termo “referência” é uma nomenclatura específica da Funai para referir-se a uma localização geográfica ocupada por várias aldeias.

Estes dados referem-se somente às áreas nas quais a Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari já realizou operações que vão desde pesquisas bibliográficas, sobrevôos, coleta de relatos a expedições em campo.

Na região da bacia do Jaquirana e no rio Batã, afluente do alto rio Jaquirana, por exemplo, onde há ocorrência de isolados, a Frente começa a realizar ações de expedição na mata a partir do segundo semestre deste ano.

“Todos os interflúvios (terra firme existente entre dois) dentro do Vale do Javari têm povos isolados. Os isolados em geral ficam mais próximos das cabeceiras dos rios. Se os isolados querem o contato, a gente tem que estar preparado. Mas se eles querem continuar isolados, a gente tem que respeitar”, afirma Carlos Travassos

A população total do Vale do Javari é estimada em cinco mil pessoas (apenas dos índios contatados) pela Funai. Outros povos que vivem no território são marubo, kanamari, matis, kulina e korubo.

Maloca de povo indígena isolado. Foto: Funai

Corredor de isolados

“As informações (sobre índios isolados) sempre foram contundentes nesta área. Já foram realizados estudos bibliográficos, etapas de imagens de satélites, cartografias, levantamentos de relatos de campo. Agora tem a expedição”, explicou Fabrício Amorim, coordenador da FPEVJ.

A relevância das expediências é que, por meio delas, a Funai cria estratégias de proteção e de vigilância dos povos isolados. O método da Funai também mudou nos últimos anos. O órgão não faz mais contato com os grupos isolados. Isto pode ocorrer apenas se eles optarem pela aproximação.

A região do Vale do Javari, junto com áreas indígenas do território do Estado do Acre, é um “corredor de índios isolados”, segundo Amorim.

“As referências geográficas são um conjunto de informações de uma determinada região, com base em relatos, vestígios, dados bibliográficos. Para localizar um povo demora, ou então a gente dá sorte. Depende da região”, diz o coordenador, cujo trabalho no Vale no Javari conta também com a participação de 22 servidores no total.

Comentário

“O povo mayoruna está acuado e reagindo pesado em virtude de não ter sido escutado. Este impacto (da atividade de petróleo) tem atingido os mayoruna do lado brasileiro. A fronteira é apenas um rio e isto pode causar vários problemas. Por isso a Funai vai encaminhar a demanda à presidência. Temos a participação do assessor da presidência na reunião, o Francisco Pianko, que deve ouvir e enviar a reivindicação deles. Este é um processo histórico de desenvolvimento de pesquisa sísmica que já foi realizada na década de 80 com a subsidiária da Petrobrás e que foi  trágico. Houve muita movimentação de pessoas em território indígena e causou doenças e conflitos. Tem também o caso que ocorre no sul do Vale do Javari, onde houve  atividade petrolífera sem consulta aos índios que foi suspensa a pedido da Funai”. Bruno Pereira, coordenador regional da Funai em Atalaia do Norte

Confira galeria de imagens da Reunião ocorrida na aldeia Lobo, no Vale do Javari, no Amazonas, clicando aqui.

http://acritica.uol.com.br/amazonia/Amazonia-Amazonas-Manaus_0_883711667.html

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