Quem preserva, ganha; quem usa, paga

Preservação da água

Tem produtor rural mineiro protegendo área de nascente e recebendo pela iniciativa. E no estado há agricultores que já recebem a conta pelo uso da água dos rios na irrigação das lavouras. São dois lados de uma mesma moeda que visa garantir a conservação e o uso racional da água em Minas e no país. As iniciativas foram idealizadas pela Agência Nacional das Águas (ANA), e têm a participação de estados e municípios na execução de projetos.

Ganhos diretos da mina

A preservação ambiental está gerando receita para produtores rurais mineiros que cuidam de matas e nascentes e adotam práticas conservacionistas de agricultura. Criado pela Agência Nacional das Águas (ANA), o programa Produtor de Água, que estimula os agricultores a proteger parte de suas propriedades contra a erosão, o desmatamento e a poluição, inspirou o município de Extrema, no Sul de Minas, a criar o projeto Conservador de Águas, no qual estão envolvidas 85 propriedades que, de 2007 a 2010, já foram remuneradas com R$ 650 mil. Em Montes Claros ocorreu o mesmo, com a criação do Eco crédito. Além disso, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) criou o Bolsa Verde, que em 2011 deverá destinou R$ 4 bilhões aos proprietários que foram selecionados a fazer parte do projeto que pretende estimular a conservação de matas nativas no estado.

A ANA aponta que existem 12 projetos similares no país, cinco dos quais já estão em fase de pagamento.

Vejam este exemplo: José de Oliveira Bastos é produtor de gado de corte em Extrema, no Sul de Minas. Há nove anos, por iniciativa própria, ele cercou uma área de sua propriedade onde existem nove nascentes.  Com a criação do programa Conservador das Águas no município, há três anos sua área de preservação foi ampliada e ele passou a receber R$ 711 por mês. “A área fechada aumentou e está tudo cercado com arame farpado. Vale a pena porque estamos protegendo a água que a gente está usando tanto para consumo da propriedade quanto para os vizinhos e o restante das pessoas. E depois que a área protegida foi ampliada, o volume de água já aumentou. Se o gado estivesse pisoteando na nascente seria mais difícil brotar na mina. Agora, ela está garantida.”

Recompensa

Em Montes Claros, o programa Eco crédito paga para cada hectare preservado um bônus de R$ 110,10 por semestre (R$ 220,20 por ano). Desde que foi criado, há quatro anos, 39 proprietários rurais aderiram. Hoje já são 1.476 hectares preservados. O município cede, por ano, R$162,5 mil de crédito destinado à conservação ambiental. O produtor que adere ao programa é recompensado por conservar nascentes e áreas de preservação permanente. A compensação é feita com a entrega de cédulas, descontadas no pagamento de tributos municipais – IPTU e ISS. As cédulas podem ser usadas como moeda em compras em qualquer loja – de adubo ou defensivos, por exemplo. Compete ao comerciante usá-las no recolhimento de impostos na prefeitura.

Se por um lado os produtores rurais começam a ser compensados pela preservação do meio ambiente e pela sua contribuição para o bem-estar das futuras gerações, por outro já há quem pague pelo uso da água em Minas. Luiza de Marillaque Moreira Camargos, diretora de Gestão das Águas e de Apoio aos Comitês de Bacia do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), explica que a cobrança foi implementada em 2009 na Bacia dos Rios das Velhas, Araguari e na parte mineira do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (região de Extrema e Camanducaia). “Essa cobrança não surgiu do nada. Ela é um instrumento de gestão que foi estabelecido na Lei 13.199, de 1999. Com esse instrumento o estado quer motivar na sociedade o uso racional da água. A ideia é que quanto mais o usuário retira a água, mais ele terá que pagar.”

Córrego com mais fôlego

Outro produtor rural do Norte de Minas que aderiu ao Eco crédito foi o agricultor José Maria Ferreira Leal. Ele cercou uma área de nascentes, de 3 hectares, inscrita no programa. Em sua propriedade (de 16 hectares), na região do Pentáurea, também foram construídas três barraginhas. Com a manutenção da área ‘intocável’ de três hectares – e com a retenção da água de chuva e maior infiltração no solo , proporcionada pelas barraginhas -, o produtor viu aumentar o volume de água no córrego que corta o seu sitio, onde também foi formado um lago de água cristalina. “Antes, passavam-se 30 dias depois das chuvas e o córrego secava. Agora, tem água o ano inteiro”, sustenta o agricultor, que cultiva hortaliças, vendidas semanalmente na Central de Abastecimento (Ceanorte), de Montes Claros.

O córrego que surge no terreno de José Maria na região do Pentáurea, ajuda a formar o Rio São Lamberto, que já esteve seriamente ameaçado por causa do desmatamento e da exploração de areia em sua cabeceira. Aos poucos, com a preservação ambiental estimulada pelo Eco crédito, o volume de água no São Lamberto vai sendo retomado. O programa ajuda também a conservar nascentes de outros rios do município de Montes Claros, como o Riachão, que já esteve praticamente seco e voltou a correr o ano inteiro, beneficiando centenas de pequenos produtores às suas margens.

Aliados de peso

O ex-secretário municipal de Meio Ambiente de Montes Claros, Paulo Ribeiro, que idealizou o programa Eco crédito, explica que a iniciativa tem o objetivo de chamar atenção dos produtores, transformando-os em aliados da preservação ambiental. “Enquanto existir a disputa entre ambientalistas e proprietários rurais, não vamos avançar na questão ecológica”, afirma Ribeiro, presidente da Fundação Darcy Ribeiro – e sobrinho do antropólogo que deu nome à instituição. “Eu me inspirei numa experiência francesa. Darcy me contou que, após sucessivas guerras, a França ficou sem árvores até para a retirada da lenha para o povo se aquecer no inverno. Aí, Napoleão determinou que toda a população deveria plantar árvores ao longo das estradas para dar sombras a seus exércitos. Em poucos anos, toda a França foi reflorestada”, relata.

Para Ribeiro, a experiência do Eco crédito deve ser usada também como referência para que o governo federal passe a remunerar os pequenos produtores pela preservação da reserva legal em suas propriedades. O atual secretário municipal de Meio Ambiente de Montes Claros, Aramis Mameluque Mota, ressalta que o Eco crédito é um grande estímulo para a preservação ambiental e proporciona renda aos pequenos produtores, mas que tem baixo custo para o poder público.

O pequeno produtor Francisco Wagner Pereira Santos, de 35 anos, foi um dos primeiros a aderir ao Eco crédito na região. O programa preserva 12 hectares na propriedade da família dele, próxima ao povoado de Mato Verde, no município de Montes Claros. Dentro da área preservada foram cercadas três nascentes do córrego Pinheiros, que garante o fornecimento de água para a fazenda, num total de 33hectares. “Com o cercamento, as nascentes estão livres do pisoteio de animais e estarão protegidas para sempre”, afirma Wagner.

Pagamento é proporcional

De acordo com Devanir dos Santos, gerente de Uso Sustentável de Água e Solo da Agência Nacional de Águas (ANA), o cálculo para o pagamento do programa Produtor de Água, que apoia iniciativas de preservação em todo o Brasil, é feito de maneira proporcional ao benefício aportado pelo produtor ao meio ambiente. “Isso dá em torno de R$ 160 por hectare ao ano”, calcula. A ideia, segundo ele, é proteger a área como um todo e recompor as reservas legais e as Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e, além disso, remunerar a agricultura sustentável. “Fazemos uma avaliação. Cada prática promove uma redução na erosão e um aumento na infiltração de água. Quanto mais ele reduz a erosão, mais recebe.”

Já em Extrema, o secretário de Meio Ambiente, Paulo Henrique Pereira, explica que o programa funciona em 3 mil hectares de propriedades trabalhadas pelos produtores rurais do município, dos quais 1 mil hectares são de área preservada. “Pensamos a propriedade como um todo. A gente dá apoio pela área total, ou seja, para efeito de pagamento, contam os 3 mil hectares”, explica. Segundo ele, todos os meses entra gente nova no programa, que começou com apenas uma propriedade e depois foi ampliado. “É bem atrativo. Hoje a gente tem uma boa aceitação, mas há um problema de execução. Não conseguimos atender todos. As áreas são muito acidentadas.”

O Bolsa Verde, do Instituto Estadual de Florestas (IEF), pretende remunerar o produtor com R$ 200 ao ano por hectare. O termo de compromisso vale por cinco anos. Hoje, há R$ 8,5 milhões previstos no orçamento do órgão para o pagamento dos produtores selecionados. A remuneração começa assim que sair a lista dos aprovados.

Benfeitor ou não

Para Francisco Maurício Barbosa Simões, coordenador da assessoria jurídica da Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg), há uma incongruência nos programas que remuneram produtores rurais pela preservação. Isso porque em outras regiões já há a cobrança pelo uso da água de bacias de rios que passam por Minas Gerais. “Quem tem áreas ambientais na propriedade é um benfeitor da natureza e de toda a sociedade. Ele não é apenas produtor rural, mas produtor de águas. Aquele que tem propriedade com mais de quatro módulos fiscais será alcançado pelo Bolsa Verde. Nesse caso, ele não recebe pela água que produz. Mas pode ter que pagar pela água que consome na atividade rural.”

Edson Carlos Stock, presidente da Associação dos Irrigantes da Água Santa, que reúne 32 usuários do Ribeirão Santa Juliana, no Alto Paranaíba, explica que o pagamento pelo uso da água está sendo liberado com morosidade. “São sete ribeirões na nossa sub-bacia. O que está sendo liberado é só 10% ou 20% do volume de água solicitado. É R$ 0,01 por metro cúbico outorgado, não vai onerar muito. Os pedidos foram feitos em 2008 e só agora estão começando a ser liberados.”

Fonte de vida

Saiba mais sobre a cobrança pelo uso da água – O Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos (Cnarh) foi instituído pela Resolução Agência Nacional das Águas (ANA) 317/2003 para registro obrigatório de pessoas físicas e jurídicas usuárias de recursos hídricos. O registro se aplica aos usuários de recursos hídricos que captam água, lançam efluentes ou realizam outros usos diretamente em corpos hídricos (rio ou curso d’água, reservatório, açude, barragem, poço, nascente, etc). O conteúdo do cadastro inclui informações sobre a vazão utilizada, local de captação, denominação e localização do curso d’água, empreendimento do usuário, sua atividade ou a intervenção que pretende realizar.

Fonte: Jornal O Estado de Minas

http://meioambientetecnico.blogspot.com.br/2013/03/quem-preserva-ganha-quem-usa-paga.html?spref=fb

Enviada por Sonia Guarani Kaiowá Munduruku.

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