Indígenas retomam área na fronteira com o Paraguai e são ameaçados por pistoleiros

Com problemas crônicos de segurança alimentar, comunidade ocupa 10 hectares de uma área reinvindicada de 18 mil hectares, onde há quatro fazendas incidindo sobre o território.

Crianças de Kurusu Ambá (Foto: Ruy Sposati/Cimi)

Ruy Sposati, de Dourados (MS), para o Cimi

Cerca de 130 indígenas Guarani Kaiowá retomaram área invadida por fazenda no tekoha – aldeia – Kurusu Ambá, na noite de quinta-feira, 7, no município de Coronel Sapucaia (MS), fronteira com o Paraguai, onde estão armando acampamento. Na manhã de hoje, um grupo de homens armados em duas caminhonetes – identificadas pelos indígenas como de propriedade da fazenda retomada – se aproximou da área, ameaçando a comunidade.

“Nós estamos na beira da mata. Na noite [da retomada] correu tudo bem, mas hoje chegaram pistoleiros”, explica uma liderança da retomada. “Eram umas 15 pessoas com algumas armas. Os carros são de uma fazenda daqui, a gente conhece. Um [dos veículos] chegou uns 100 metros [do acampamento], tinha pessoa na cabine e na caçamba e arma. A gente foi na direção, mas eles foram dando ré, e falaram que iam chamar mais gente pra voltar mais tarde”, denuncia. A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi informada, e deverá acionar a Força Nacional e Polícia Federal. Conforme os indígenas, a retomada ocorre em área incluída dentro de acordo judicial como reserva legal, onde a comunidade poderia ocupar e permanecer nas terras.

“Queremos espaço pra andar, pescar, caçar, realizar nossa cultura e combater a fome”, afirma a liderança. Há quatro fazendas incidindo sobre o território indígena de Kurusu Ambá, área de cerca de 18 mil hectares reivindicada pelos Kaiowá como território tradicionalmente ocupado por seus antepassados antes das espoliações do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), na primeira metade do século vinte.

Atualmente, a terra está em processo de identificação e delimitação. Com os prazos estourados, o relatório de identificação sobre o tekoha deveria ter sido publicado pela Funai em 2010, segundo Termo de Ajustamento de Conduta estabelecido pelo Ministério Público Federal. O relatório foi entregue pelo grupo técnico que realizou levantamento em campo, em 26 de dezembro de 2012, e aguarda aprovação da Funai de Brasília .

“Não aguentamos mais a miséria. A gente quer plantar o próprio sustento”, afirma uma liderança de Kurusu Ambá. Enquanto esperam a demarcação da terra, as famílías vivem no trecho de reserva legal desde a terceira retomada do tekoha, em 2009. A área ocupada pelos indígenas totaliza 10 hectares e é toda rodeada por lavouras de soja.

A alimentação da comunidade é essencialmente suprida pelas cestas básicas distribuídas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). “A gente planta milho, feijão, mandioca, mas a terra é muito pouca. Nós retomamos porque simplesmente é humilhante ficar dependendo de cestas básicas”, afirmam.

Em Kurusu Ambá, quatro lideranças da luta pela demarcação da terra foram assassinadas. Uma está ameaçada de morte e, apesar de incluída no Programa de Defesa de Defensores de Direitos Humanos do governo federal, denunciou não receber o monitoramento prometido pela plataforma.

RASTRO DE PÓLVORA

A história de ameaças e assassinatos começa há seis anos atrás, durante a primeira tentativa de retomada do território tradicional. Na madrugada do dia 10 de janeiro de 2007, cerca de 40 pessoas em 10 caminhonetes cercaram o acampamento de Kurusu Ambá, disparando tiros contra os indígenas. Na ocasião, a ñande sy – rezadora – Xurete Lopes, de 73 anos, foi assassinada a tiros. Outro Kaiowá também foi ferido com três tiros na perna. Nesse conflito, o proprietário de uma das fazendas que incide sobre o território reivindicado “emprestou” um trator para os indígenas que haviam retomado a área para, logo depois, denunciar na polícia que os indígenas haviam “roubado” a máquina agrícola, incriminando-os e levando lideranças para a prisão.

Na segunda tentativa de retomada, em julho de 2007, Ortiz Lopes foi morto. Em 2009, na terceira reocupação, Oswaldo Lopes foi assassinado. Outros cinco indígenas da comunidade têm cicatrizes de feridas de balas pelo corpo, atingidos durante ataques de seguranças particulares contra o grupo.

Em 2011, na quarta retomada, o professor e membro da Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (APIB), Eliseu, uma das principais lideranças daquela retomada, foi ameaçado de morte e retirado da aldeia, para onde até hoje não pode retornar.

Nenhum inquérito sobre estes assassinatos foi concluído. Os ataques permanecem impunes. Os assassinos nunca foram levados a julgamento.

Compartilhada por GleiceOliveira Guarani-Kaiowá.

http://campanhaguarani.org/?p=1894

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