Prefeitura de Porto Alegre irá desapropriar sede do Dopinha para erguer memorial

Reunião do Comitê Carlos de Ré-Verdade e Justiça com prefeito José Fortunati ocorreu nesta sexta-feira (01) | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Rachel Duarte

O primeiro desaparecido político durante o regime militar a ser encontrado no Brasil, em 1979, está prestes a reviver na memória do Rio Grande do Sul. Luiz Eurico Tejera Lisbôa foi um dos símbolos da resistência no período de exceção e em seu nome será erguido um centro de memória e justiça na cidade de Porto Alegre. O local escolhido foi a antiga sede do Dopinha (Rua Santo Antônio, nº 600), estrutura clandestina dos aparelhos de repressão, uma espécie de “filial” dos órgãos investigativos. As negociações para erguer o memorial avançaram nesta sexta-feira (01) com o anúncio do prefeito de Porto Alegre, José Fortunati (PDT) sobre a desapropriação da área. “Vamos tratar da desapropriação jurídica e arcar com 50% do valor da indenização”, garantiu o chefe do Executivo.

A iniciativa para tornar o palco de intensas torturas e violações de direitos humanos em 1964 em um espaço de luta viva pela democracia no Brasil partiu da sociedade civil organizada. Desde 2012 o Comitê Carlos de Ré – da Verdade e da Justiça mobiliza as autoridades da prefeitura, governo gaúcho e governo federal a abraçar a causa. Formalmente, apenas Fortunati oficializou o compromisso com o memorial. Em reunião com o comitê nesta sexta-feira, o prefeito municipal disse que o gesto é um “resgate da histórica que não pode ser esquecida”. Para ele, o uso do espaço pela juventude será importante para politização da nova geração. “Será uma memória viva e ativa de um período muito duro para a sociedade e que a nova geração poderá utilizar para seguir lutando por um estado democrático”, disse ao final do encontro.

Em nome do Comitê Carlos de Ré, o vereador Pedro Ruas (PSOL) disse que a iniciativa da prefeitura é importante para incentivar as demais partes envolvidas no processo. “Isto sintetiza mais de um ano de articulações que fazemos com os governos municipal, estadual e federal. As demais partes envolvidas já aprovaram o projeto em reuniões anteriores, mas queremos que venham a público manifestar o seu compromisso. Só precisamos do sim oficial do governador (Tarso Genro) e da (ministra da Secretaria de Direitos Humanos) Maria do Rosário”, disse.

A intenção do vereador é ter a contrapartida do governo gaúcho com os outros 50% necessários para indenizar o proprietário atual do casarão onde funcionou o Dopinha e a garantia formal de que a Secretaria Nacional de Direitos Humanos irá fazer a futura manutenção do local para poder enviar o texto do projeto para aprovação dos vereadores ainda em março.

Gestão do memorial será compartilhada entre governos e sociedade civil

O futuro Centro de Memória Ico Lisboa terá um acervo de fotos, documentos, textos e outros objetos que auxiliem na reconstrução da história vivida nos anos de chumbo. A base do projeto sugere uma gestão compartilhada entre os entes federados e a sociedade civil, por meio das entidades de memória e justiça e universidades. “Segue o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3). A diretriz 24 diz que o objetivo estratégico para o direito à memória é a identificação dos espaços onde houve violação de direitos humanos. Já fizemos isso. Queremos ressignificar este lugar”, explica a representante do Comitê Carlos de Ré, Christine Rondon.

O Dopinha foi um dos três locais identificados pelo Comitê em 2012 como locais de tortura durante a ditadura militar em Porto Alegre. Foram identificados também a sede do Departamento de Ordem e Política Social (Dops), no Palácio da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, e o presídio feminino Madre Pelletier. “Queremos que o memorial do Dopinha seja um espaço coletivo, público e de apropriação de todos para não apenas resgatarmos a memória de um período, mas que ajude a organizar politicamente os rumos da democracia que ainda tem muitos resquícios da ditadura civil-militar”, diz Christine.

O Dopinha foi um local clandestino utilizado pelos agentes de estado para torturar os contrários ao regime militar. Foi lá que o sargento Manoel Raymundo Soares, proeminente opositor do Golpe de 64, foi torturado por meses antes de ter o corpo encontrado no Rio Jacuí, episódio que ficou conhecido como o “Caso das Mãos Amarradas”. A existência do Dopinha veio à tona em 1966, quando o caso do sargento expôs a violência do regime. Depois de sua morte, o Dopinha foi extinto. O casarão amarelo retornou aos donos, que não foram identificados pelo Comitê Carlos de Ré à imprensa.

“É uma iniciativa em um país muito carente de políticas de resgate à memória”, diz Nei Lisboa

O avanço da construção do Centro de Memória Ico Lisbôa está sendo acompanhado pelos familiares do militante homenageado. Na reunião desta sexta-feira (1) na Prefeitura de Porto Alegre, a ex-mulher de Luiz Eurico Tejera Lisbôa, Suzana Keniger Lisbôa e um dos seus seis irmãos, o músico gaúcho Nei Lisboa estiveram presentes. “Como familiar ficamos sensibilizados com a lembrança. Ele cedeu o nome dele para memória de outros tantos que estiveram nesta luta”, disse Nei Lisboa.

Para o músico, iniciativas como o memorial proposto pela sociedade gaúcha merecem reconhecimento e apoio frente ao grande período em que a verdade sobre a história do Brasil permanece escondida. “É uma iniciativa em um país muito carente de políticas de resgate à memória e reparação sobre o seu passado, especialmente se compararmos com outros países da América Latina. O Brasil tem pouco ardor em querer reconhecer o seu passado. Grande parte da sociedade brasileira prefere que fique como está, que é com a verdade bem encoberta, como a ditadura quis que fosse”, falou.

Luiz Eurico Tejera Lisbôa era militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Foi processado pela Lei de Segurança Nacional e passou a viver na clandestinidade. Desapareceu em setembro de 1972. Seus restos mortais foram encontrados no Cemitério de Perus, enterrado com nome falso. Foi o primeiro “desaparecido” a ser encontrado, graças ao esforço de Suzana. Luiz Eurico é hoje nome de ruas em Criciúma, Porto Alegre e Belo Horizonte, além de ter sido patrono de centros acadêmicos.

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

http://www.sul21.com.br/jornal/2013/03/prefeitura-de-porto-alegre-ira-desapropriar-sede-do-dopinha-para-construcao-de-memorial/#.UTEdZnJWTSc.gmail

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