Carta da XXIV Assembleia da Comissão Pastoral da Terra, Regional Mato Grosso

“Eu vi e ouvi o clamor de meu Povo e desci para libertá-los” (Êx. 3,7)

Nós, da Comissão Pastoral da Terra, regional Mato Grosso, nos reunimos nos dias 22 a 24 de fevereiro de 2013, no CETRA, Várzea Grande-MT, com a presença de 55 camponeses, agentes pastorais e representantes de movimentos sociais de todas as regiões do Estado nas quais exercemos nosso serviço pastoral, para nossa XXIV Assembleia Estadual, com o tema “Pastoralidade e Questão Agrária”, em que partilhamos a caminhada de lutas, denúncias e desafios enfrentados pelas mulheres e homens dessa terra, rumo à Terra sem males.

Buscamos refletir à luz da realidade de Mato Grosso e do Brasil que se apresentam desafiadora para as/os camponesas/es e movimentos sociais, diante da ausência do Estado que não implementa políticas públicas que realmente enfrentem as causas reais das injustiças e continua financiando o agronegócio com apoio de mídia burguesa.

Indignamo-nos e lamentamos a morte de camponeses vítimas cotidianas da exploração no campo, a criminalização dos movimentos e entidades sociais que defendem o direito à terra, a vida digna e à organização popular.

Da mesma forma, preocupa-nos muito a ineficiência programada dos órgãos de governo responsáveis pela Reforma Agrária que inviabilizam a regularização fundiária, o assentamento das famílias acampadas há décadas à beira das estradas, sucateando os assentamentos diante da ausência de infraestrutura que garanta a permanência digna das famílias no campo, forçando o êxodo rural, principalmente dos jovens. Muitos programas que deveriam fortalecer as famílias camponesas, como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, continuam sendo de difícil acesso e burocratizados.

O Governo se apresenta gravemente descomprometido com os Povos do campo quando financia as grandes obras que impactam terrivelmente a vida e o modo de ser desses, tirando-lhes o direito à memória dos seus ancestrais, a possibilidade de auto sustento, degradando o meio ambiente, condenando famílias ao êxodo e explorando milhares de trabalhadores, como é o caso recente da Usina de Colíder, onde se confirma esse projeto de morte que coloca o lucro acima da dignidade humana e da vida.

A exploração dos trabalhadores e a sua escravização é uma chaga que continua aberta, em que muitos deles são libertados de grandes latifúndios que são financiados com recursos públicos, estaduais e federais. Nesse sentido nos indignamos e repudiamos a nomeação da Sra. Janete Riva para o cargo de Secretária de Estado de Cultura, considerando que a mesma encontra-se inclusa na “Lista Suja” do Trabalho Escravo e sendo processada pela prática de crimes ambientais.

De outro lado, as políticas públicas de Educação do Campo ainda não conseguem atender a diversidade da realidade camponesa, pelo contrário, se destinam recursos para a implementação de Programas como o Pronacampo para entidades como o SENAR que tem compromisso com o latifúndio.

No entanto, percebemos, em meio a tantas dificuldades, muitos sinais de esperança que alimentam e animam nossa caminhada em Mato Grosso: a resistência dos Povos Indígenas Xavantes que em Marãiwatsédé nos fizeram presenciar a perseverança histórica pela conquista do direito à terra ancestral e a mobilização solidária dos mais diversos movimentos sociais do campo e da cidade que a eles se uniram.

A resistência dos grupos de acampados que continuam lutando pela tão sonhada terra, as comunidades assentadas que persistem na sua consolidação e valorização do trabalho de base, a retomada do mutirão para preservação do Cerrado e recuperação de nascentes, além da profunda riqueza que os grupos organizados de mulheres campesinas tecem cotidianamente na luta pela vida e a defesa dos seus direitos e da mãe terra.

A Assembleia reafirma o seu compromisso com um outro modelo de desenvolvimento, que coloca em primeiro lugar a vidas de todos os seres, incentivando a produção agroecológica que respeita a terra, fortalece o trabalho associado e solidário, primando pelo Bem Viver. Para isso, pautamos três prioridades para os próximos três anos: a luta pela Terra e Território e por uma Reforma Agrária ressignificada, a partir do modelo que as camponesas e camponeses propõem, formação emancipadora a partir dos saberes populares e a articulação e organização junto aos Movimentos Sociais.

Desafiada diante dessa realidade a CPT Regional Mato Grosso reafirma o seu compromisso de ser ferramenta para os Povos do Campo, das Águas e das Florestas, ouvindo seus clamores, endossando suas reivindicações, com profundo respeito ao seu protagonismo, sendo “presença solidária, profética, ecumênica, fraterna e afetiva”.

Às camponesas e camponeses de nosso Regional afirmamos, e nos servimos das palavras dos apóstolos Pedro e João para manifestar nossa confiança no seu protagonismo e autonomia: “Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho eu lhe dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levante-se e comece a andar!” (Atos 3, 6).

Várzea Grande-MT, 24 de fevereiro de 2013.

Enviada por Ruben Siqueira.

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