RJ – Todos Contra o Meio Ambiente!

Governo Estadual, Deputados, Empresários e Tradicionais Ambientalistas se unem no Rio de Janeiro para promover o maior retrocesso da Política Ambiental do Estado, exatamente no ano da realização da Rio+20!

Por Rogério Rocco

Eu confesso que tenho refletido muito sobre minhas concepções da política e de sustentabilidade, haja vistas que fatos recentes me levaram a conclusões que fazem parecer existir uma poderosa articulação para a desregulamentação das regras ambientais em todas as esferas da Administração Pública – o que foi, inclusive, tema de artigo que publiquei no Jornal O Globo e que copiei aqui no meu blog.

O tema agora é, entretanto, específico e restrito ao Estado do Rio de Janeiro e se refere à exigência do Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório – EIA/RIMA para empreendimentos de significativo impacto ambiental.

Acabou a exigência de EIA/RIMA para exploração mineral!

Os deputados do Rio de Janeiro aprovaram, no apagar das luzes de 2012, o projeto de lei enviado pelo Governador Cabral em regime de urgência para acabar com o Estudo de Impacto Ambiental – EIA no Estado. Votado no último dia de sessão legislativa, em 20 de dezembro, o projeto de lei nº 1883/12 virou a Lei 6.373/12 – que dispõe sobre os critérios gerais para licenciamento ambiental de extração de bens minerais de utilização imediata na construção civil. (Veja o texto da lei AQUI).

Inicialmente, a proposta do Governo era derrubar a exigência do EIA para todas as atividades com grande potencial de impacto ambiental, pra facilitar o seu licenciamento. O projeto do Governo foi enviado em regime de urgência para ser votado no último dia de sessão legislativa sem nenhuma discussão. Mas como pegou muito mal, o governo refez a proposta e a apresentou para liberar as atividades de extração de areia, brita, saibro e outros minerais de uso imediato na construção civil, além da extração de mármores e água mineral. Isso mesmo, água mineral! (Veja a segunda versão do projeto e sua justificativa AQUI)

Rio Menos 20

O projeto foi apresentado no mesmo ano em que o Rio sediou a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável – conhecida como Rio+20. Na conferência, um dos temas em debate foi a aprovação do Princípio da Não Regressão das Normas Ambientais. De acordo com referido princípio, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – consagrado em nossa Constituição Federal – não pode estar sujeito a retrocessos, eis que está associado à proteção do maior bem jurídico de todos que é a dignidade da vida humana.

De acordo com Michel Prieur, Professor Emérito da Universidade de Limoges, “a não regressão encontra sua fonte nos direitos fundamentais intangíveis reconhecidos no plano internacional e regional, ela também é, segundo um número crescente de direitos nacionais, o fruto da constitucionalização do direito do homem ao meio ambiente. Seu futuro depende, portanto, de jurisprudências constitucionais”. (Leia texto integral do autor AQUI)

A lei aprovada pelos nobres deputados do Rio, de autoria do Governo estadual, revoga exigências estabelecidas na Lei nº 1.356/88 – que é de autoria do Deputado Carlos Minc. Porém, na atual condição de secretário Estadual do Ambiente, o deputado petista defendeu a diminuição das exigências ambientais para projetos presentes em sua lei de 1988.

A nova lei retrocedeu mais de 20 anos de uma importante conquista, retrocedeu exatos 24 anos. Portanto, a Lei nº 6.373/2012 representa muito bem o apelido de Rio Menos 20 que alguns movimentos socioambientais atribuem às ações desenvolvidas atualmente no Rio de Janeiro – que remontam aos anos 80 – antes, inclusive, da aprovação da atual Constituição Federal.

Argumentos para justificar

Na TV, o secretário Carlos Minc disse que a exigência do EIA paralisou mais de 200 empresas no Estado e que não seria possível construir as casas do Minha Casa, Minha Vida, nem as obras da Copa e das Olimpíadas. Já o Procurador do Estado, Rodrigo Mascarenhas, foi mais além e afirmou, como exemplo, que, pelas regras atuais “reformas de fachadas de condomínios no Humaitá têm que fazer EIA/RIMA, porque estão a menos de 2 Km do Parque Nacional da Tijuca”.

A afirmação do Procurador está comprometida pela ignorância ou pela má fé. Isto é, ou o Procurador desconhece completamente o assunto e repetiu uma frase descabida de algum assessor ou está imbuído do cinismo digno de autoridades que apostam na ignorância da população para defender interesses escusos e pouco republicanos. Penso eu que um Procurador do Estado não é uma pessoa desinformada, especialmente se atua diretamente com órgão competente na matéria! Confiram vocês mesmos na matéria do RJTV! (Link do RJTV)

Governos sucessivos violavam a lei

As ilustres autoridades estaduais afirmam que tudo se deu por conta do Ministério Público – MP, que teria ganhado uma ação exigindo o EIA/RIMA das atividades de extração mineral. Mas não é bem assim!

A exigência o estudo de impacto ambiental era da Lei nº 1.356/88, de autoria do então deputado Carlos Minc, como já disse anteriormente. Ocorre que a lei vinha sendo sistematicamente descumprida por seguidos governos e era objeto de denúncias que cobravam providências judiciais. As cobranças surtiram efeito, mas como a Justiça tarda, passaram imunes à exigência os governos do Garotinho e da Rosinha. E a decisão foi sacramentada pelo Supremo Tribunal Federal – STF, depois de inúmeros recursos apresentados pelo governo estadual. (Vejam os processos AQUI)

Resultado: o STF declarou que eram ilícitas as dispensas de EIA/RIMA aprovadas pelo governo estadual nos últimos anos e determinou que a obrigação fosse cumprida.

Confira a sentença proferida pelo Tribunal de Justiça – TJ/RJ em 2005, que foi referendada pelo STF em 2010, AQUI.

Se não pode violar, revogue-se a lei

Mesmo com sentença de primeiro grau desde 2005, o governo estadual continuou descumprindo a obrigação da lei de 1988, dispensando do EIA/RIMA diversas atividades com potencial ou efetivo impacto sobre o meio ambiente. Até que a condenação foi confirmada pelo STF e transitou em julgado em 2012, vinculando o comportamento do Estado e de seu órgão ambiental, sob pena de multa de R$ 100 mil para cada dispensa de EIA/RIMA.

Foi aí que surgiu a ideia genial de revogar a lei, já que o Estado conta com o apoio majoritário dos deputados estaduais. Vimos recentemente, no caso do Mensalão, como o Governo Federal angariava apoio aos seus projetos no Congresso Nacional. Aqui no Rio pudemos acompanhar também a farra nos contratos de grandes obras concedidas pelo Governo Estadual para empresas amigas, como a Delta – que gentilmente apoiou viagens do Governador e sua família. Com o volume dos contratos de obras civis em curso no estado, sabe-se que os interesses econômicos em torno da exploração mineral são bastante expressivos.

Segundo matérias publicadas na imprensa, somente entre 2012 e 2014 o mercado da extração mineral irá movimentar mais de R$ 40 bilhões! Isso mesmo, R$ 40 bilhões! Com um volume de recursos dessa ordem, é certo que esse mercado tem grandes condições de apoiar com quantias generosas a reeleição de inúmeros deputados e do sucessor do atual governador, retribuindo a gentileza da facilitação do licenciamento ambiental de suas atividades.

Até o Partido Verde apoiou o fim do EIA/RIMA

Praticamente não houve oposição à proposta. A resistência à sua aprovação se resumiu aos deputados que sistematicamente fazem oposição ao Governo Cabral, em geral do PR, PSDB e PSOL.

Mas por se tratar de matéria ambiental e significar o maior retrocesso na política ambiental do Rio de Janeiro dos últimos 20 anos, eu acreditava que meu partido – o PV – fizesse resistência à aprovação do projeto de lei. Ledo engano!

A Deputada Aspásia Camargo não só votou a favor, como comemorou a aprovação do projeto!!! No Facebook, a deputada verde afirmou com entusiasmo: “aprovamos o PL 1883 com minha emenda de Avaliação Ambiental Integrada, um instrumento mais amplo de fiscalização ambiental, com transparência na Internet. Uma lei importantíssima, que garante um estudo do impacto ambiental do conjunto da atividade econômica.”

Porém, tanto o EIA quanto a AAI, a partir da nova lei, só serão exigidos quando o órgão ambiental quiser. E se o governo estadual já vinha descumprindo a obrigação quando era determinado por lei, porque agora – que não há mais exigência legal – ele passaria a adotar um estudo mais rigoroso?

Como era?

Assim dispunha a Lei nº 1.356/88:

Art. 1º– Dependerá da elaboração de Estudos de Impacto Ambiental e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA a serem submetidos à aprovação da Comissão Estadual de Controle Ambiental – CECA, os licenciamento da implantação e da Ampliação das seguintes instalações e/ou atividades:
(…)
VIII – extração de combustível fóssil (petróleo, xisto, carvão);
IX – extração de minério, inclusive areia;
(…)

§ 1º – Com base em justificativa técnica adequada e em função de magnitude das alterações ambientais efetivas ou potenciais decorrentes de sua implantação, a Comissão Estadual de Controle Ambiental – CECA poderá determinar a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA para o licenciamento de projetos não relacionados no caput deste artigo.

Nos termos originais, a lei determinava a relação de atividades que obrigatoriamente deveriam se submeter à elaboração do EIA/RIMA, podendo o órgão ambiental – com sua discricionariedade – exigir também para outras atividades ausentes da relação prevista no artigo primeiro da lei.

No texto da lei aprovada em dezembro de 2012, a discricionariedade é invertida. Ou seja, não há mais obrigação legal para a exigência do EIA/RIMA, já que nos termos do seu artigo segundo, o órgão ambiental poderá dispensar da obrigação as atividades de exploração mineral, como pode ser observado abaixo:

Art. 1º. A exploração de bens minerais de utilização imediata na construção civil no Estado do Rio de Janeiro deverá ser precedida de licenciamento ambiental feito pelo órgão ambiental estadual competente.

Parágrafo único. Entendem-se como bens minerais de utilização imediata na construção civil exclusivamente as seguintes substâncias minerais: areias, cascalhos,argilas, saibros e rochas, quando britadas, para utilização imediata na construção civil, no preparo de agregados e argamassas, desde que não sejam submetidos a processo industrial de beneficiamento, nem se destinem como matéria-prima à indústria de transformação, consoante o disposto no artigo 1º, incisos I e IV (parte) da Lei Federal nº 6.567 de 24 de setembro de 1978, com redação dada pelo artigo 1º da Lei Federal nº 8982 de 24 de janeiro de 1995.

Art. 2º. A critério do órgão ambiental estadual competente, o empreendimento, em função de sua natureza, localização, porte e demais peculiaridades, poderá ser dispensado da apresentação de Estudos de Impacto Ambiental – EIA e Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, nos termos da Resolução Conama nº 010 de 06 de dezembro de 1990.

Os deputados de oposição conseguiram, pelo menos, retirar o mármore e a água mineral do presente de Natal para os mineradores!

Resumo da Ópera

Ao apagar das luzes legislativas de 2012 – ano da realização da Rio+20 – o Governo do Estado aprovou em regime de urgência a Lei nº 6.373/12, que dispensou a elaboração de EIA/RIMA para projetos de exploração mineral no Rio de Janeiro, favorecendo um mercado que movimentará nos próximos dois anos mais de R$ 40 bilhões, no bojo das grandes obras realizadas para a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

Empresários (como o Eike), empreiteiras (como a Delta), Governo do Estado e deputados de quase todos os partidos uniram-se para consumar o maior retrocesso da política ambiental do Rio de Janeiro dos últimos 20 anos!

Mas, afinal, já era Natal! E a sociedade estava ocupada em suas compras!

Enviada por Telma Monteiro para Combate ao Racismo Ambiental.
http://rogeriorocco.blogspot.com.br/2013/02/todos-contra-o-meio-ambiente.html?spref=fb.

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