Casal de Santa Rosa de Viterbo é exemplo da agricultura familiar

Foto: Enéias Barros / Especial

Com muito trabalho, mas sem estresse, Luciana e Carlinhos produzem alimentos livres de agrotóxicos

Adriano Quadrado

Dez anos atrás, Luciana resolveu mudar de vida. Deu adeus à cidade e foi ser produtora rural em companhia do segundo marido, Carlinhos, 14 anos mais jovem. A família se instalou no sítio Ridelutha, pedaço de chão de dois alqueires que se estende em declive da porteira à mina de água, nos fundos da propriedade, município de Santa Rosa de Viterbo. Ela não sabia, mas a verdadeira reviravolta ainda estava por vir.

O arauto da mudança apareceu na forma de pulgão, bichinho voraz que tomou conta da lavoura recente. Luciana foi buscar nos agrotóxicos o socorro, borrifando todo o sítio contra a praga. Um dia, porém, enquanto observava a filha colher cenouras, teve medo de colocar na mesa o alimento sobre o qual havia aplicado veneno. “Foi nessa hora que me deu um estalo. Percebi que aquilo não era certo”, conta ela, enquanto mostra orgulhosa os canteiros agora livres dos químicos.

Luciana Cristina Alves tem 49 anos e é mulher valente. Alta, forte, mostra nas linhas do rosto a mistura de raças que formou o Brasil. Tem na mente o roteiro de como apresentar o sítio e defender a produção de orgânicos, seu ganha-pão e razão de viver. É o cérebro das operações no Ridelutha, misto de marqueteira e relações públicas. Quem faz o trabalho pesado é Carlinhos, isto é, José Carlos Lima da Silva, 35 anos, que vem chegando tímido e matuto, muito magro, a pele tisnada de quem dá um duro sob o sol.

O casal é paradigma da agricultura orgânica familiar e antípoda do agronegócio monocultor. Sem funcionários, os dois fazem todo o trabalho, do plantio à comercialização. Produzem de tudo – hortaliças, milho, beterraba, quiabo, vagem, manga, laranja – e tudo ali é orgânico. Quem atesta é a Associação Agroecológica Terra Viva, entidade que certifica a condição de produtores orgânicos junto ao Ministério da Agricultura.

Mas, afinal, o que são alimentos orgânicos? São aqueles cultivados sem qualquer aditivo químico. Numa lavoura orgânica, não se pode usar fertilizantes industriais, muito menos agrotóxicos. A adubação vem da compostagem de esterco e restos de alimento, e o combate às pragas só se faz à moda antiga. Você pode, por exemplo, matar as lagartas com a mão ou borrifar sobre os bichos fórmula caseira de alho, pimenta, arruda. Ou pode, simplesmente, não fazer nada e relaxar.

Essa agricultura tem a ver com uma visão de mundo em que menos é mais – aquela que se opõe à pressa, à exploração de mão de obra, ao manejo predatório do meio ambiente. No sítio de Luciana e Carlinhos, é difícil separar plantação de mato, porque deixar o canteiro “sujo” ali é estratégia. “O bicho vai no mato que cresce junto com o feijão. Se limpar, o bicho vai na cultura”, ensina a agricultora.

Na luta
Pode parecer simples, mas tocar o sítio dá um trabalhão. O Ridelutha produz três toneladas de alimentos por mês, vendidos em feiras (a dos domingos na avenida Portugal é uma delas) e sobretudo no esquema “delivery”. Luciana recebe as encomendas por e-mail e tem 70 clientes cativos espalhados por Ribeirão Preto. A operação de guerra da montagem das sacolas se dá em um barracão. O cenário se compõe de mesas de lata, caixotes plásticos, relógio para controlar o ritmo de trabalho, uma geladeira velha e, para distrair, uma tv de seletor manual. No canto, a lousa para anotar os pedidos e, em volta, engenhoso sistema de distribuição da água bombeada da mina. O trabalho de lavagem, que começa na véspera da entrega, é retomado às 2h30 da madrugada do dia seguinte, com a montagem das sacolas.

Embora a jornada seja cansativa, o casal não reclama. Carlinhos, de bom humor, afaga a cabeça do vira-lata Sombrão e explica como faz para driblar o “estresse” bucólico. “A gente sempre dá uma parada, brinca com o cachorro, conversa”. O cansaço é compensado pela alegria de viver da própria terra, em paz com a natureza. “Aqui o trabalho não tem hora parar, só que a gente faz tudo isso com prazer”, diz Luciana. E a gente se despede deles com a certeza disso.

Orgânico de gente grande
Um dos argumentos mais citados contra os orgânicos é que eles são até muito simpáticos, mas incapazes de matar a fome do mundo.

Orgânico tem muito a ver com a pequena propriedade familiar, mas, na hora da verdade, quem alimenta os 7 bilhões de seres humanos é o latifúndio de alta produtividade. Uma empresa da região, porém, parece colocar em cheque o argumento.

A Native, do Grupo Balbo, de Sertãozinho, prova ser possível produzir de forma orgânica em larga escala. A empresa é líder mundial em álcool e açúcar orgânicos, exportado para 60 países. São 15 mil hectares de canaviais orgânicos, atestados por certificadoras do Brasil e do exterior.

E ser orgânico parece ser um bom negócio. Segundo a empresa, a cana verde tem uma produtividade 27% superior na comparação com o plantio convencional.

De sua parte, a natureza agradece ao manejo ecológico das terras, que abrigam, de acordo com a empresa, 327 espécies de animais vertebrados.

http://www.jornalacidade.com.br/editorias/cidades/2013/01/26/casal-de-santa-rosa-de-viterbo-e-exemplo-da-agricultura-familiar.html

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

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