O Cantar do Cid, por José Ribamar Bessa Freire

O que o Cid Gomes, governador do Ceará, tem em comum com o Cid Campeador, herói da literatura espanhola?

Cid é acusado de roubo. Fica com fama de ladrão. Seus bens são bloqueados e sequestrados. Ele é desterrado. Para recuperar a riqueza e a honra, o nosso herói pega em armas, participa de campanha militar, derrota os mouros que ocupavam a Península Ibérica, puxa o saco do rei para quem manda um montão de presentes caros e, desta forma, é anistiado. Consegue reaver seus bens e, mesmo sendo fidalgo de nivel inferior, casa suas filhas – Elvira e Sol – com príncipes, um do Reino de Navarra e o outro de Aragón.

Esse é o Cid Campeador, cujas façanhas heroicas são narradas em um poema épico de quase quatro mil versos, escrito há mais de 800 anos. Trata-se de uma joia da literatura espanhola – o Cantar de Mio Cid – uma canção de gesta, recitada na época medieval com acompanhamento musical por jograis e menestréis, para uma audiência variada formada por pessoas de vários níveis sociais, desde os nobres na corte, até camponeses e artesãos analfabetos nas feiras e mercados. Esse é o Cid Espanhol. Mas no Ceará não tem disso não.

No Ceará, o Cid é outro. O Cantar de Mio Cid cearense, que poderia muito bem ser recitado como literatura de cordel nas feiras de Sobral, na realidade é o cantar de Ivete Zangalo, contratada pelo governador Cid Gomes (PSB) por R$ 650 mil para um único show de inauguração de um hospital em Sobral, terra de Cid. Quem paga, é claro, não é o dito cujo, mas o contribuinte. Agora, o Ministério Público Federal entrou na Justiça na última quinta-feira contra o governador pedindo a devolução da grana, que pague o cachê da Ivete Zangalo com dinheiro dele.

– Não tem sentido o governador gastar recursos públicos com festas para inaugurar hospitais, enquanto se faz urgente o atendimento de cidadãos em fila de espera por cirurgias – afirmou em nota o procurador Oscar Costa Filho, que lembrou a existência no Ceará de 349 pacientes em espera só por cirurgias ortopédicas. Ele diz, com razão, que houve violação do princípio da moralidade administrativa e desvio de finalidade na contratação do show. A ação propõe que Cid seja proibido de usar recursos públicos da saúde para realizar eventos festivos.

Quando o procurador de Contas do Ceará, Gleydson Alexandre estranhou o pagamento, Cid de Sobral, numa atitude desrespeitosa com as instituições democráticas, afirmou que o procurador era “um garoto que quer aparecer e fica criando caso”, e disse que continuará gastando o dinheiro com shows, “doa a quem doer”. Não é uma ameaça vazia para quem, em agosto de 2012 pagou com dinheiro público R$3,1 milhões pelo show do tenor espanhol Plácido Domingo na inauguração de um centro de convenções no Ceará.

Cid Gomes ainda por cima é insolente e não hesita em apelar para o cinismo como fez há cinco anos, quando viajou, em pleno carnaval com a primeira-dama, a sogra, o secretário, um assessor, com suas respectivas esposas, num jatinho fretado pelo governo do Ceará por R$ 388 mil reais. Os jornais deram uma boa cobertura da viagem e houve uma acusação de mau uso do dinheiro público, sobretudo porque o roteiro incluiu hospedagens em hotéis de luxo, cuja valor da diária chega até R$ 35 mil.

Na época, Ciro alegou que o espaço no avião ocupado pela sogra não acrescentava nenhum gasto e que ela pagou sua própria hospedagem. Quanto a ele, justificou: “Viajei para a Europa no intervalo do Carnaval, mas ao contrário do que isso possa insinuar, viajei a trabalho”. Foi participar de eventos ligados ao turismo e à fruticultura.

O Cid de Sobral age como um coronel de grotão. O show de Ivete Zangalo, na realidade, é puro marketing eleitoreiro. Quantas vidas poderiam ser salvas com R$ 650 mil? Aplicar num evento como esse recursos públicos que deviam ser canalizados para a saúde é, efetivamente, um crime. A quem interessa esse crime? Quem vai se beneficiar eleitoralmente com ele?

É mais fácil o Rio Acaraú correr em sentido contrário, em direção à Serra das Matas e desaguar lá em Monsenhor Tabosa, do que o Cid Gomes de Sobral entender José Pepe Mujica, presidente do Uruguai, um pais cujo território é um pouco maior do que o Ceará.

Pepe Mujica, o presidente mais pobre do mundo, tem um salário mensal de 12.500 dólares, mas vive apenas com 1.250 dólares, porque doa 90% de seu salário para ONGs que trabalham com habitação para a população pobre: “Este dinheiro me basta, e tem que bastar porque há outros uruguaios que vivem com menos”. Com 77 anos, o presidente da República continua usando um velho fusquinha, avaliado em 1.000 dólares. A mulher dele, Lucía Topolansky, que é senadora, também doa parte de seus rendimentos.

Meu Deus do céu, como o mundo seria melhor se houvesse menos Cid e mais Mujica! Se o cantar de um fosse substituído pelo cantar do outro!
Compartilhado por Janete Melo. http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=1017.

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